Mil vezes um jornal conservador que declara o seu voto abertamente, mostrando com todas as letras porque criminaliza os movimentos sociais, porque torce contra o país, porque faz oposição aberta e cotidiana ao governo mais popular da história, porque busca com todas as forças desmoralizar o representante máximo da nação, mesmo sem sucesso.
Estadão recupera seus velhos tempos de Guilherme de Almeida que mostrava com todo fervor seu horror ao pobre, migrante, aos carcamanos (os nordestinos de fins do XIX e início do XX), as transformações que o Brasil passava em seus primeiros momentos de modernização. Guilherme de Almeida se refugiava nos mitos bandeirantes e do caipira puro (leia-se branco, rural, distante de tudo que a cidade com suas contradições e diversidade representavam).
Estadão hoje faz história no divisor de águas das ideologias. Reafirma seu conservadorismo e declara-se a favor do candidato que tentou de tudo para levar esta eleição no tapetão. Reafirma sua visão neoliberal, privatista, contrária a um Brasil que se desenvolve com justiça social e busca estender a cidadania à maioria das pessoas. Reafirma-se classista, representante dos mais ricos e conservadores que têm ojeriza à massa ignara que hoje consome: os 93 milhões de brasileiros da Classe C do governo Lula.
Ao assumir-se serrista em seu editorial o jornal O Estado de São Paulo ao menos é coerente, afirma com todas as letras: representamos o Brasil da elite, o Brasil da Casa Grande, o Brasil que não suporta pobre melhorar de vida.
E o blog Maria Frô além de parabenizar o jornal, também acha que existe um mal a ser evitado: a eleição de um candidato que representa tudo que há de mais retrógrado no país. Por isso o Maria Frô reafirma sua campanha: não leio imprensa elitista, também não compro produtos de quem anuncia nessa imprensa que é contra o Brasil.
A acusação do presidente da República de que a Imprensa “se comporta como um partido político” é obviamente extensiva a este jornal. Lula, que tem o mau hábito de perder a compostura quando é contrariado, tem também todo o direito de não estar gostando da cobertura que o Estado, como quase todos os órgãos de imprensa, tem dado à escandalosa deterioração moral do governo que preside. E muito menos lhe serão agradáveis as opiniões sobre esse assunto diariamente manifestadas nesta página editorial. Mas ele está enganado. Há uma enorme diferença entre “se comportar como um partido político” e tomar partido numa disputa eleitoral em que estão em jogo valores essenciais ao aprimoramento se não à própria sobrevivência da democracia neste país.
Com todo o peso da responsabilidade à qual nunca se subtraiu em 135 anos de lutas, oEstado apoia a candidatura de José Serra à Presidência da República, e não apenas pelos méritos do candidato, por seu currículo exemplar de homem público e pelo que ele pode representar para a recondução do País ao desenvolvimento econômico e social pautado por valores éticos. O apoio deve-se também à convicção de que o candidato Serra é o que tem melhor possibilidade de evitar um grande mal para o País.
Efetivamente, não bastasse o embuste do “nunca antes”, agora o dono do PT passou a investir pesado na empulhação de que a Imprensa denuncia a corrupção que degrada seu governo por motivos partidários. O presidente Lula tem, como se vê, outro mau hábito: julgar os outros por si. Quem age em função de interesse partidário é quem se transformou de presidente de todos os brasileiros em chefe de uma facção que tanto mais sectária se torna quanto mais se apaixona pelo poder. É quem é o responsável pela invenção de uma candidata para representá-lo no pleito presidencial e, se eleita, segurar o lugar do chefão e garantir o bem-estar da companheirada. É sobre essa perspectiva tão grave e ameaçadora que os eleitores precisam refletir. O que estará em jogo, no dia 3 de outubro, não é apenas a continuidade de um projeto de crescimento econômico com a distribuição de dividendos sociais. Isso todos os candidatos prometem e têm condições de fazer. O que o eleitor decidirá de mais importante é se deixará a máquina do Estado nas mãos de quem trata o governo e o seu partido como se fossem uma coisa só, submetendo o interesse coletivo aos interesses de sua facção.
Não precisava ser assim. Luiz Inácio Lula da Silva está chegando ao final de seus dois mandatos com níveis de popularidade sem precedentes, alavancados por realizações das quais ele e todos os brasileiros podem se orgulhar, tanto no prosseguimento e aceleração da ingente tarefa – iniciada nos governos de Itamar Franco e Fernando Henrique – de promover o desenvolvimento econômico quanto na ampliação dos programas que têm permitido a incorporação de milhões de brasileiros a condições materiais de vida minimamente compatíveis com as exigências da dignidade humana. Sob esses aspectos o Brasil evoluiu e é hoje, sem sombra de dúvida, um país melhor. Mas essa é uma obra incompleta. Pior, uma construção que se desenvolveu paralelamente a tentativas quase sempre bem-sucedidas de desconstrução de um edifício institucional democrático historicamente frágil no Brasil, mas indispensável para a consolidação, em qualquer parte, de qualquer processo de desenvolvimento de que o homem seja sujeito e não mero objeto.
Se a política é a arte de aliar meios a fins, Lula e seu entorno primam pela escolha dos piores meios para atingir seu fim precípuo: manter-se no poder. Para isso vale tudo: alianças espúrias, corrupção dos agentes políticos, tráfico de influência, mistificação e, inclusive, o solapamento das instituições sobre as quais repousa a democracia – a começar pelo Congresso. E o que dizer da postura nada edificante de um chefe de Estado que despreza a liturgia que sua investidura exige e se entrega descontroladamente ao desmando e à autoglorificação? Este é o “cara”. Esta é a mentalidade que hipnotiza os brasileiros. Este é o grande mau exemplo que permite a qualquer um se perguntar: “Se ele pode ignorar as instituições e atropelar as leis, por que não eu?” Este é o mal a evitar.
Texto publicado na seção “Notas e Informações” da edição de 26/09/2010
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