quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Crime contra a Constituição?

Afinal de contas qual é o significado desta expressão “crime contra a Constituição” que a imprensa golpista e o candidato José Serra repetem todo momento para qualificar a questão envolvendo a suposta quebra do sigilo fiscal de Verônica Serra?

Trata-se evidentemente de expressão altamente apelativa e dissociada da realidade jurídica, conforme adiante tentaremos demonstrar.

É apelativa porque a Constituição de um país, mormente quando se traduz democrática e garantista, é um valor muito relevante para um povo. Nossa Constituição de 1988 é indubitavelmente garantista, visto que em diversos artigos assegura inúmeros direitos e garantias individuais para o cidadão, qualificando-se como instrumento contra abusos estatais. Prescreve a dignidade da pessoa humana como fundamento da República. É inegável que o povo verá a Constituição como uma relevante garantia e proteção contra abusos do Estado e lhe dará inequivocamente grande valor e importância. Esta expressão sensacionalista trazida pela imprensa golpista visa comover o povo, tentando dizer que “Dilma e Lula atentaram contra a Constituição ao permitirem que o sigilo da filha de Serra fosse violado”. É uma apelação e mais uma calúnia bem característica do golpismo histórico da imprensa brasileira.

É bem verdade que a Constituição Federal garante o direito à intimidade, à vida privada e especificamente ao sigilo de dados (artigo 5.º, inciso XII, da CF). Bem por isso os dados fiscais não são de domínio público, razão pela qual só podem ser acessados respeitando-se os direitos individuais. O acesso a estes dados pode ocorrer por decisão judicial ou de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ou ainda por autoridade administrativa, mediante regular processo administrativo, ressaltando-se que todas estas decisões devem ser motivadas. Não ocorrendo o acesso nestas condições estará configura da a violação ilícita de dados. Trata-se por óbvio de um desrespeito à Constituição, como tantos outros que ocorrem todos os dias, sejam por atos privados ou estatais, e nem por isso merecem da imprensa golpista a ampla e injustificável cobertura que é oferecida a este incidente envolvendo a filha do candidato Serra. Acredito que nem os atentados de 11 de Setembro mereceram letras tão chamativas na manchete dos jornais.

O raciocínio da imprensa golpista e da coligação de direita tenta parecer óbvio, escondendo um viés sensacionalista. Concluiu a imprensa e os “grandes jornalistas”: “Se a Constituição assegura o sigilo de dados e estes foram violados ocorreu um crime contra a Constituição. E um crime qualificado porque se trata do sigilo da filha do candidato a presidente e o acesso se deu por meio de um órgão de Estado, a Receita Federal”.

Ora é mais do que conhecido que a Constituição assegura inúmeros direitos e garantias individuais e não apenas o direito de sigilo de dados, como quer fazer crer a imprensa golpista. O direito à vida e à liberdade são os bens jurídicos mais relevantes e todos os dias e a todos os momentos referidos direitos são violados de diversas maneiras, sem que se possa ver a imprensa dizer que ocorreu um “crime contra a Constituição”. Nem se diga que a violação dos direitos à vida e à liberdade ocorre por obra de particulares, como no caso de um homicídio, em que claramente se viola o direito à vida , e no caso do sigilo fiscal teria ocorrido o fato por obra do Estado, o que teria o condão de tornar o fato mais grave e qualificá-lo como um “crime contra a Constituição”. Não há como não se contrapor a esta justificativa e para isto lanço uma questão: E quando o Estado por meio de seus órgãos de segurança pública mata um cidadão inocente? Trata-se de fato recorrente no Brasil, altamente grave, violando-se o direito constitucional da vida e de proteção que o Estado deve dar ao cidadão. Nunca vi este fato gravíssimo merecer da imprensa golpista a qualificação de “crime contra a Constituição”. E quando o Estado de São Paulo, então administrado por José Serra, humilhou os policiais e professores reprimindo com violência física as suas reivindicações? Não haveria neste caso de violência a movimentos sociais o “crime contra a Constituição” tão propalado pela imprensa golpista?

Para a imprensa golpista violar o dado fiscal é “crime contra a Constituição” e matar um cidadão inocente é apenas um crime de homicídio. Reprimir com violência policial os movimentos sociais, como fez o Governo do Estado de São Paulo, é “exercício do poder estatal”. E as milhares de prisões injustas, claramente atentatórias ao direito de liberdade, não seriam “crime contra a Constituição” na visão da imprensa golpista?

A qualificação dada por inúmeros jornalistas (?) e pelo candidato José Serra mostra o quanto eles são elitistas, já que para eles violar um dado fiscal reveste-se de maior gravidade do que Estado descumprir a Constituição ao negar ao cidadão os direitos como saúde, educação, direito à vida e à liberdade. A qualificação da gravidade da violação à Constituição não está na classificação de relevância dos bens jurídicos, mas sim na “importância social e econômica da vítima”.

A verdade incontestável é que a imprensa golpista e o candidato que escolheram para representar seus interesses inconfessáveis não apresentam qualquer proposta ao Brasil, não tem discurso, não tem NADA para mostrar ao País e ao seu povo, restando-lhes apenas a criação de factóides e expressões sensacionalistas, impregnadas de preconceito e cegueira jurídica.
esquerdopata

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