domingo, 22 de maio de 2011

21 de maio e a Esfinge de Morgan: por que previsões religiosas são um fracasso

Ninguém “desaparatou” nem foi “arrebatado”. O mundo não acabou, não vai acabar em outubro, muito menos em 21 de dezembro de 2012. Sabe por que? Porque o raciocínio mitológico e religioso é um fracasso absoluto e completo quando diz respeito a prever coisas independentes da arrogância imaginativa da mente humana. Estou falando tanto de coisas grandiosas quanto de coisas simples como… orquídeas.

Charles Darwin, num ofício que muitos taxariam como inútil, estudou em detalhes as orquídeas, flores do grupo das plantas monocotiledôneas que encantam pela beleza e variedade. Certa vez, em 1862, Darwin recebeu do horticulturista James Bateman um pacote contendo a orquídea Agraecum sesquipedale, uma espécie que só existe naturalmente em Madagascar. Já versado no assunto e já elaborando sua teoria de que as flores das orquídeas frequentemente têm formas, cores e cheiros que refletem a seleção natural provocada por insetos polinizadores, o naturalista notou que a flor exibia um longuíssimo tubo produtor de néctar, com até 35 centímetros.
“Céus, que inseto pode sugá-lo?”, perguntou Darwin numa carta a um amigo. Inseto? O atual recorde de maior inseto é da larva do apropriadamente chamado besouro-Golias (Goliathus goliatus), com 11 centímetros. Como Darwin poderia saber que aquela estrutura tubular longuíssima da orquídea era alvo da alimentação de um inseto, e não de algum outro animal, como um morcego com uma língua tão longa quanto o tubo do nectário? Darwin foi mais longe: .....
num livro, disse que este tubo era o alvo da tromba (probóscide) de uma mariposa desconhecida, pelas características que esta poderia ter criado na flor através da seleção natural, e a flor também agindo como pressão seletiva nesta suposta mariposa, alongando sua probóscide. Este processo de mútua pressão seletiva é conhecido como coevolução e é a explicação para a miríade de formas, cores, cheiros e sabores (baunilha um deles) das orquídeas.
Eis que, 41 anos depois da previsão de Darwin, em 1903, é descoberta em Madagascar a mariposa então descrita com o nome Xanthopan morganii praedicta, a Esfinge de Morgan, predita pelos poderes proféticos científicos de Charles Darwin.
Xanthopan morgani, a Esfinge de Morgan, se alimenta do néctar da orquídea de Darwin.
Este tipo de “previsão surpreendente”, como chama o filósofo Imre Lakatos, é tanto o cerne mais nutritivo da justificação do conhecimento científico quanto uma das coisas mais abundantes na ciência estabelecida. Outro exemplo notório de previsão confirmada inclui o desvio da luz de estrelas distantes em resposta ao campo gravitacional do sol, observado no eclipse solar de 29 de maio de 1919, o que confirmou a teoria da relatividade geral de Einstein. Mas não precisamos ir tão longe: toda vez que você aperta o interruptor para ligar uma lâmpada, toda vez que faz uma ligação no celular, toda vez que liga seu computador, está sendo testemunha de uma profecia científica se realizando, sabendo ou não.
Tenho 24 anos, e me lembro de pelo menos três vezes no meu tempo de vida em que religiosos anunciaram o fim do mundo para uma certa data, a data passou e nada aconteceu. A humilhação epistemológica do pensamento mágico não poderia ser maior do que hoje, em pleno século XXI, hoje, 21 de maio de 2011. E acontecerá novamente em dezembro de 2012.
E o menos surpreendente disso tudo é que esse fracasso preditivo não impedirá que milhões de pessoas continuem acreditando nesse tipo de previsão fracassada. E também conhecemos como se comportarão quando passar a data. Aliás, o fracasso de uma previsão do fim do mundo foi o que fundou a religião Adventista, uma das maiores propagadoras do circo criacionista no Brasil.
A história da ciência também é uma história de fracassos. Temos exemplos de quem falhou, e de como se comportou ao falhar. Por séculos a fio os astrônomos ptolomaicos tentavam explicar a órbita dos planetas de um modo que se encaixasse no geocentrismo. Como os planetas têm órbitas “estranhas”, com até laços no céu, tudo parecia ir contra a concepção geocêntrica. Mas não era problema para os ptolomaicos: eles diziam que os planetas giram em torno da Terra sim, com órbitas circulares perfeitas como queriam as autoridades dogmáticas do passado, só que eles descreviam órbitas circulares adicionais sobre essa órbita circular central, o que eles chamavam de “epiciclos”, levando a cálculos complicadíssimos que causavam tal obnubilação no assunto que parecia apenas “racional” desistir de entender e apenas aceitar que era assim.
Eis o que vão fazer os crentes: vão criar seus próprios epiciclos para por que motivo o mundo não acabou hoje, ou no dia X, vão criar ad hoc, ou, em linguagem simples e popular: vão inventar desculpa esfarrapada.
Exatamente como fizeram e fazem para explicar por que o tal Jesus não voltou exatamente quando ele previu no Evangelho: antes que sua própria geração acabasse.
Esfinges de Morgan nos guiem com suas longas probóscides para as profundezas do conhecimento e do poder preditivo verdadeiro, iluminando nossas vidas, enquanto aqueles perdidos nas névoas da irracionalidade chafurdam num eterno “tá chegando”.
Eli Vieira
By: Bule Voador

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