sábado, 16 de outubro de 2010

Sobre o aborto

Colaborou Miguel Angel, de Ubatuba


Preciso dizer que não conheço ninguém “a favor do aborto”. As pessoas lúcidas defendem os direitos reprodutivos e o controle da mulher sobre seu próprio corpo. Ninguém em sã consciência é um entusiasta do ato abortivo. Médico algum que cumpra o código de ética do oficio realiza um procedimento assim com entusiasmo. A legalização do aborto tampouco implica na apologia da prática. Qualquer brasileiro adulto conhece um ou mais episódios de abortos arriscados ou em clínicas ilegais atingindo mulheres em distintas idades. É um problema de saúde pública e não de ordem moral. Ainda mais em se tratando de um país com costumes sexuais liberalizados como o nosso.

Por isso considero tratar-se de hipocrisia a pregação conservadora contra a legalização do aborto enquanto a linguagem publicitária e os programas de TV aberta tornam-se cada vez mais sexualmente apelativos. É um absurdo preocupar-nos com o direito reprodutivo como um tabu e não nos escandalizarmos, enquanto sociedade, com a erotização da infância e da juventude e a conseqüente puberdade e gravidez precoce disseminada por vilas e periferias do Brasil. Quanto a isto os pregadores não se manifestam, talvez porque a desestrutura das famílias humildes retroalimenta a fé como um mercado de expectativas desesperadoras. Obviamente esta relação mercadológica dá-se mediante significativa remuneração oriunda em sua maioria de famílias de baixa renda.

Mesmo sabendo ser o tema um tabu eleitoral, não posso evitar posicionar-me. Particularmente não posso crer no discurso de Dilma Rousseff (PT) e também de José Serra (PSDB) no assunto. São dois economistas e ex-ministros de Estado, ambos com formação científica e experiência na aplicação de políticas públicas, incluindo as de saúde. Ao se pronunciarem “contra o aborto e a favor da vida”, estão simplesmente atendendo seus marqueteiros e “jogando para a platéia”.

Por fim, confesso que a virulência do tema me assusta, em especial pela expectativa de médio prazo. Estaremos nós brasileiros, caminhando para disputas políticas como a dos EUA, pré-determinadas por grupos fundamentalistas cristãos? Qual será o próximo passo dos agentes político-religiosos com capacidades e poderes de veto? Vão fazer campanha pelo criacionismo como fator explicativo do surgimento do universo? Depois da demarcação de espaço e a imposição da pauta na campanha presidencial, daqui para frente abriu-se a porteira para o pior do agendamento reacionário. 



Miguel Ange 

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