quinta-feira, 7 de outubro de 2010

O Estadão Afinou

Tenho atividade intelectual. Vendo minha força de trabalho, mas minhas convicções políticas não fazem parte da minha relação trabalhista. Por causa disso fui demitido em 2006, depois de quase dez anos de serviços prestados à maior emissora de televisão do país, tendo passado três outros anos numa emissora afiliada do mesmo grupo. Portanto, tive uma carreira de 12 anos interrompida por discordar da maneira como os patrões e seus vassalos manipulavam o noticiário seletivamente à favor do PSDB. 
Nunca houve nada que desabonasse minha carreira, consagrada com um dos mais importantes postos naquele que já foi o principal telejornal do país. Não me arrependo de nenhuma palavra do que disse e faria tudo outra vez, se preciso fosse. Também não sinto saudades. Era muito infeliz profissionalmente e não tinha consciência do tamanho da minha infelicidade. Em relação aos episódios de 2006 há farto material na imprensa alternativa da época, sobretudo na Revista Carta Capital, para quem quiser conhecer o outro lado que eles escondem da sua história de sucesso. E há também testemunhas oculares importantes sobre um momento obscuro do jornalismo brasileiro, entre eles: Carlos Dorneles, Luiz Carlos Azenha e Rodrigo Vianna. Há outros que não vou revelar para poupá-los, já que foram preservados nos quadros da empresa sob forte amordaçamento. Estou dizendo tudo isso porque a memória voltou à tona depois que soube que o jornal O Estado de São Paulo decidiu dispensar uma de suas mais importantes colunistas, a psicanalista Maria Rita Kelh. Foi ela a autora de um artigo demonstrando que a elite desqualifica o voto do mais pobre, como se ele fosse um cidadão de segunda classe em nosso país. Deixo em homenagem a ela um parágrafo do artigo que considero essencial: "Agora que os mais pobres conseguiram levantar a cabeça acima da linha da mendicância e da dependência das relações de favor que sempre caracterizaram as políticas locais pelo interior do País, dizem que votar em causa própria não vale. Quando, pela primeira vez, os sem-cidadania conquistaram direitos mínimos que desejam preservar pela via democrática, parte dos cidadãos que se consideram classe A vem a público desqualificar a seriedade de seus votos." Maria Rita é mais uma voz que se levanta contra os poderosos e é calada sumariamente. É essa gente que defende a liberdade de expressão e de imprensa no Brasil. Que tal?
P.S. Acabo de saber que o jornal afinou. Menos mal.
Doladodelá

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