quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Eleições presidenciais: Os evangélicos e o mar de boataria





Caros irmãos
Não está fácil assumir ser evangélico nos dias atuais. Por causa de alguma perseguição religiosa? Não. Por causa dos próprios evangélicos.
Explico-me.
O que eu vejo acontecer dentro do território evangélico nestas eleições presidenciais tem me causado uma mistura de indignação, vergonha, constrangimento e nojo.
Não quero generalizar, é claro, mas fico impressionado com o alto grau de preconceito, de ingenuidade, ou - o que mais me assusta - com o alto grau de perversidade que tem marcado a participação de uma parcela evangélica no processo eleitoral.
Perturbo-me com a capacidade que um boato tem de se instalar e se propagar por entre as fronteiras evangélicas.
Poucas vezes vi tanta perversidade.
Maldade mesmo.
Ingenuidade às vezes. Será?
Um evangélico deveria ser prudente como uma serpente (Mt.10:16), e não a própria serpente. Descubro entristecido que em nosso meio há muitos que “aguçaram a língua como a serpente; o veneno das víboras está debaixo dos seus lábios” (Sl.140:3).
Outros há que deixam-se ser picados por serpentes. E repassam o veneno.
Veneno impregnado de preconceito e cólera.
Dilma é lésbica. Espalham um e-mail possivelmente falso de uma suposta ex-amante. Ninguém consegue encontrar a mulher; o advogado citado no texto não existe, não tem nem registro na OAB. Não interessa, o importante é passar a informação adiante, verdadeira ou falsa.
Dilma disse em Minas Gerais que nem Cristo tira dela a vitória. Chuvas de mensagens repassadas com esta “blasfêmia”. Mentira. O jornal Estado de Minas, que faz parte do Grupo Diários Associados, informou que a suposta declaração não existiu. A candidata não teria dito aquela frase em comitê algum de Minas. Mas não interessa, o importante é passar a informação adiante, vedadeira ou falsa.
Dilma vai fechar as igrejas. Reedição da velha ladainha de tantos anos, desde que Lula foi candidato pela primeira vez. Com alta porcentagem do “voto evangélico”, elegeu-se Collor, que realizava sessões de umbanda nos porões da Casa Presidencial, e todos sabem o que aconteceu.
Dilma matou pessoas. Guerrilheira, pegou em armas, é uma pecadora da mais alta periculosidade. Informação fora de contexto, que só quem sabe o que é uma ditadura compreende. Mas a idéia de uma mulher terrorista cabe muito bem a quem quer impor medo aos incautos. E a claque evangélica aplaude, regozija, e passa adiante - e radiante - a informação. Mentira? Verdade? Não importa.
Dilma é a favor do aborto e dos homossexuais. Como se nenhum outro candidato fosse. Como se estivéssemos decidindo uma eleição para presbítero ou diácono. Como se Serra e Marina fossem missionários evangélicos lutando pela implementação dos preceitos bíblicos em cada casa no país. Como se não houvesse, em todos os partidos políticos, sem exceção, integrantes alinhados com causas sociais complexas, que alguns evangélicos insistem em reduzir ao simplismo de ser contra ou a favor. E aqui evangélicos unem vozes com a força retrógrada da CNBB, num raro ecumenismo contra um mal pior: a desigualdade social? não, o PT.
O PT é o representante do império da iniquidade. Sim, e os quinhentos anos de massacre da dignidade humana e injustiça social que vieram antes do PT foram o quê, o Paraíso?
Dilma é mulher, e não deve ter autoridade sobre o homem. Portanto, não pode ser Presidente. Não, não é piada, eu li isso de verdade, e fico constrangido em admiti-lo. Não é preciso comentar. Qualquer evangélico que concorde com esse pensamento obtuso certamente nem chegará comigo à leitura deste trecho - já me abandonou nas linhas acima.
Uma tal VINACC – Visão Nacional para a Consciência Cristã - da qual eu nunca havia ouvido falar, entra em ação e elabora uma “carta aberta para a sociedade brasileira”, “alertando quanto a votar nos candidatos dos seguintes partidos: PT, PCB, PV, PDT, PSTU, PC do B, PSOL e PCO.” A voz de comando é seguida a risca por alguns, tal qual mandamento extraído do Decálogo.
Pastores terroristas - muitos ligados a partidos de direita - vociferando de seus púlpitos ameaças e mais ameaças às suas apavoradas e perdidas ovelhas que não conseguem pensar por si mesmas, que no afã da busca pela liberdade em Cristo, encontraram a escravidão hipnotizante dos lobos vestidos com pele de cordeiro.
Não tenho problemas com quem vota no Serra por questões ideológicas, por juízo próprio, por diferenças de visão de mundo, por maneiras diferentes de entender o papel político, por programas de governo, por preferências partidárias, por convicções pessoais. Ao contrário, admiro quem tem opinião própria. Não brigo nem discuto com ninguém quando se trata de convicções político-partidárias - já fiz isso quando era mais jovem e não trouxe benefício algum. Aprendi com a maturidade - acho eu - a não defender político, porque amanhã eles certamente irão me decepcionar, fazer algo contrário ao que dizem hoje, e eu fico sem meus preciosos amigos que perdi nas discussões. Nenhum político vale o preço de uma amizade.
Meu problema também não é com os que, por razões pessoais, odeiam o PT e tudo que vem dele, independente do que seja. Nunca verão nada de positivo. Nenhuma possibilidade de abrandar suas críticas. Mas democracia é isto, estão todos no seu legítimo direito. E o partido, diga-se de passagem, oferece sua generosa parcela de contribuição.
Meu problema é com aqueles que, sob o disfarce de espiritualidade, exercitam o que há de pior no mundo das trevas, à base de blasfêmia, falsa acusação e calúnia.
Minha dificuldade é com aqueles que, sem perceber sua postura de ingenuidade e alienação, viram massa de manobra política nas mãos de líderes inescrupulosos.
E meu problema é com os que plantam e alimentam preconceitos, e não hesitam em lançar mão de meios desleais para impor suas convicções.
Não escrevo em nome de nenhum grupo evangélico.
Não recomendo voto a ninguém.
Tenho o meu voto. E gostaria muito que o respeitassem. Quero apenas ser livre para escolher conforme minha consciência, sem patrulhamento religioso, sem ter que nadar neste mar de boataria em que se transformou o meio evangélico nestes dias.
"A falsa testemunha não ficará impune; e o que profere mentiras perecerá." Provérbios 19:9
João David Cavallazzi Mendonça - Florianópolis - SC
By: Bloguilhéu, via com textolivre

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