O Jornal Nacional desta quarta-feira escondeu a gafe cometida pelo candidato José Serra durante a reunião que ele teve com aliados em Brasília.
Foi uma gafe relevante, já que ele tratava da questão que os tucanos trouxeram com força para o debate político nos últimos dias: o aborto.
Serra disse: “Eu nunca disse que sou contra o aborto, até porque sou a favor”. Depois, consertou: “Eu nunca disse que sou a favor, até porque sou contra o aborto, alguns até me chamam de atrasado”.
O ato falho de Serra, o Estadão e Freud
Freud, mais que Marx, ajuda a entender o obscurantismo que vem à tona no Brasil |
Como sabem aqueles que conhecem um pouquinho de Freud, os atos falhos são – por definição – reveladores daquilo que anda em nosso inconsciente, e que muitas vezes tentamos esconder.
Quando alguém vai ao psicanalista, às vezes passa horas e horas tentando explicar o que pensa e o que sente. Discurso controlado, consciente – e que no mais das vezes encobre a verdade.
Um ato falho, que o paciente deixe escapar em meio a dezenas de sessões, às vezes dá uma pista mais importante para o psicanalista do que horas e horas de blá-blá-blá. O ato falho revela o que está reprimido, e pode apontar o longo caminho da cura (ainda que – quase sempre – a cura não seja a felicidade absoluta, mas a infelicidade suportável).
Vejam se não é um ato falho maravilhoso esse cometido por Serra hoje, ao falar do aborto:
Um ato falho, que o paciente deixe escapar em meio a dezenas de sessões, às vezes dá uma pista mais importante para o psicanalista do que horas e horas de blá-blá-blá. O ato falho revela o que está reprimido, e pode apontar o longo caminho da cura (ainda que – quase sempre – a cura não seja a felicidade absoluta, mas a infelicidade suportável).
Vejam se não é um ato falho maravilhoso esse cometido por Serra hoje, ao falar do aborto:
“Estão querendo tirar o aborto da pauta. Eu nunca disse que sou contra o aborto, porque sou a favor o aborto”, disse primeiro Serra, para surpresa da plateia. “Ou melhor, sou contra o aborto”, corrigiu em seguida.” A notícia eu li aqui.
Não é sensacional?
A campanha de Serra foi a beneficiária do terrorismo religioso envolvendo o aborto na reta final da eleição. Ou vocês acreditam que essa história tenha sido um debate que surgiu “naturalmente” na sociedade? O Paulo Moreira Leite – jornalista que trabalha na revista “Época”, mas que tem a qualidade de não brigar com os fatos – acha que não. Confiram aqui o que diz o Moreira Leite sobre isso.
Mas, de volta ao ato falho…
Serra, como sabemos, não é um homem formado nas tradições da direita. Isso é que é mais triste. Se fosse o Alckmin, que milita na Opus Dei, a gente entenderia. E até respeitaria mais – porque a Opus Dei é visceralmente contra o aborto.
Mas o Serra não vem dessa tradição conservadora. Está apenas usando esse discurso – de forma hipócrita, desavergonhada, sem nenhuma convicção.
Pra espalhar o medo e a boataria sobre aborto, Serra precisa reprimir o que ele mesmo – no íntimo – deve pensar sobre o fato. Tanto que – quando ministro – o tucano corretamente assinou uma portaria regulamentando o aborto no SUS.
Por que Serra fez isso? Porque é um malvado assassino de crianças? Não. Porque é o mais razoável. E porque o PSDB – por mais críticas que se possa ter ao programa político e econômico do partido – nunca foi uma legenda obscurantista. Não é essa a tradição de FHC, Covas, Montoro.
É por isso que o ato falho fez-se presente. Revelou a hipocrisia, revelou o que Serra gostaria de manter escondido.
Não sou psicanalista. Talvez Maria Rita Khel, que é psicanalista, pudesse escrever sobre esse magnífico ato falho. Isso se o “Estadão” não tivesse vetado textos dela com conteúdo político. É que a Maria Rita Khel não segue a linha do jornal – que apóia o tucano.
Serra dizer “sou a favor do aborto” é um ato falho tão revelador como o “Estadão” (tão preocupado com a “liberdade de expressão” sob ameaça do “lulo-petismo”) dizer à Maria Rita: “não escreva sobre política”.
A direita vem à tona. À tiracolo traz preconceito, hipocrisia, caça às bruxas.
É como se o segundo turno – tão comemorado como oportunidade de “qualificar o debate” – levasse o Brasil não para o futuro, mas de volta para os séculos XVI ou XVII. Naquela época, a Inquisição podia prender, interrogar, torturar e – no limite – executar aqueles que se afastavam da “verdade de Deus”.
O obscuratismo insuflado pelos tucanos leva-nos de volta a esse caminho. A Inquisição já não há. Mas o desejo inconsciente de prender, interrogar, torturar e executar segue a habitar os recantos das mentes mais conservadoras.
O debate sobre o aborto é necessário. E pode ser feito de forma séria. Mas os tucanos querem o boato, o medo.
Jogam no lixo a história de um partido que nasceu para “modernizar” a política brasileira – lembram? Mas que agora se afunda, de braços dados com a pauta da extrema-direita religiosa.
Por que Serra aceita esse papel?
Freud talvez explique.
By: Escrevinhador
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