Gilson Caroni Filho
Em uma guerra onde cada queda nas pesquisas repercute como a perda de um exército do candidato tucano, a grande imprensa brasileira tem a reação previsível. Emissoras de televisão, jornais e revistas semanais se unem em grupos, deixando a confiança em uma improvável virada de José Serra se avolumar até atingir o êxtase nos estratos sociais que lhe dão sustentação rarefeita. Tal comportamento, onde todos os meios de comunicação atuam de forma orquestrada, em fina sintonia com os comitês de campanha, traduz a relação simbiótica entre o tucanato e as famílias que controlam os mecanismos de produção e difusão informativos. No estreitamento do processo, um projeta no outro seus interesses pessoais e políticos. Serra é a mídia. A mídia é Serra.
Cria-se uma vivência de alienação, situação de risco escolhida para se experimentar um novo cenário golpista. Neste clima, são negadas as dificuldades em se resolver os problemas sociais, políticos, econômicos e ideológicos de uma candidatura fadada a um “enterro de Gioconda". É por esta anestesia da razão, alheamento da realidade, que se acentua a autoconfiança dos milicianos encastelados nas editorias de Política. Só assim acreditam que o desejo poderá ser satisfeito em um passe de mágica. Transitam pela animação da onipotência, acreditando possuir a força ilimitada dos deuses. Quando, no entanto, a história mostra o seu compasso, o efeito delirante dá lugar ao desconforto da depressão e do vazio ameaçador. Serra é a mídia. A mídia é Serra.
Não há espaço para o contraditório. Publicações que não fazem parte do pool tucano são censuradas no campo jornalístico. Escândalos são fabricados em escala crescente. Denúncias publicadas sem apuração. O contraditório inexiste. A imprensa golpista, involuntariamente, reaviva a advertência de Gramsci: enquanto o mundo velho não se finda e o novo não se afirma, a sociedade vive num estágio de morbidez latente, apta a produzir seus fenômenos mais perversos. Nesse interregno, os Mervais, Leitões, Noblats, Josias e Fernandos, entre tantos outros, fazem, ou tentam fazer, o retorno a uma formação política infantilizada, desagregada e primitiva.
Se for justa a indignação dos que militam no campo democrático, a perplexidade é imperdoável. Desculpem-me a sinceridade da pergunta, mas que tipo de comportamento vocês esperavam da mídia brasileira: isenção, equilíbrio, não alinhamento com a direita? Que os proprietários dos veículos fossem capazes de contrariar seus interesses financeiros e políticos em nome da cobertura lisa do processo democrático? O padrão editorial predominante em 1954 não se repetiu dez anos depois? Desde a eleição de Lula a que temos assistido? Por que razão ficamos esperando que agora fosse diferente?
Será que é preciso lembrar que continuamos vivendo em uma sociedade determinada pelos interesses de classe? E, quando se trata do principal, não podemos esquecer que somos o outro lado, os inimigos a serem derrotados, mais ainda a Dilma e o que ela representa simbolicamente. Ficar surpresos nos remete a uma ingenuidade inadmissível.
A credibilidade no jornalismo é puro mito, pura hipocrisia, recurso de marketing usado pelas empresas. Apesar de sabermos disso, esperamos, lá no fundo das nossas almas, que seja diferente, que a prática da mídia burguesa seja semelhante ao seu discurso publicitário, mas não é e não será jamais. A única forma de travar a batalha democrática no campo informativo é criar veículos eficientes, na forma e no conteúdo, que estejam a serviço dos interesses da maioria da população. E isto não é para “fazer a cabeça" do povão, mas simplesmente articular um discurso, uma argumentação contrária à estrutura narrativa da imprensa que representa o establishment. Se falarmos em luta pela hegemonia, como ignorar questões centrais?
Queremos “absolvição" por termos desconcentrado o mercado publicitário e realizado a Confecom? Creio que não. Para continuar reerguendo o país do descalabro, da frustração e da desesperança, o que podemos esperar senão som e fúria dos aparelhos ideológicos burgueses? A ausência de poder sobre a situação fará aumentar o rugido, o desejo destrutivo de forças que subestimaram a sociedade brasileira, que a ignora solenemente.
Todos os sinais de alarme já soaram. O velho Gramsci era do ramo. Ninguém poderá dizer, desta vez, que não foi alertado a tempo.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário