Claro que os raros que tiverem saco de ler as reportagens irão encontrar argumentos cabulosos que tentam pintar o "filho de ex-braço direito de Dilma" como alguém feio e mau, mas concentre-se apenas nessa manchete. Não tem algo de humor nela? Primeiro pela precariedade conceitual do título: trabalhar no governo não é crime, de maneira que a pessoa que ver a manchete na banca de um jornal não entenderá nada. Uma manchete tem que ser minimamente explicativa, mas as denúncias de Veja & cia se tornaram tão bizantinas e misteriosas que os editores perderam as poucas noções de linguística que pareciam possuir. Depois reclamam que a massa ignara não entende os escândalos. Ora, eu sou leitor de Faulkner e não entendo porra nenhuma do que esses caras estão falando.
A obsessão de vincular Dilma a qualquer fato negativo produz esse tipo de bizarrice. Se você ler a matéria, verá que a coisa está mais para a seguinte situação: "amigo do filho da ex-secretária de Dilma atuava como lobbista". Ou seja, eles estão desesperados tentando encontrar um factóide qualquer para prejudicar a candidatura petista. O Globo hoje (como sempre) tem apenas manchetes negativas para Dilma. Maravilha. Quanto mais o Globo abraça Serra, mais o tucano afunda e arrasta os platinados. Trata-se de um lindo e romântico passeio de mãos dadas, na direção do brejo. É como se eles houvessem combinado o seguinte: é agora ou nunca! A capa está aí em cima. Vejam abaixo as outras manchetes da seção política.
Página 2:
Noblat cria teorias mirabolantes em torno de alguns tweets de Andre Vargas, secretário de Comunicação do PT. Deve ser legal ser blogueiro e colunista do Globo. Há liberdade total para imaginação. É melhor do que ser escritor, porque eles pagam um bom salário. Que eu me lembre, apenas o Jorge Amado teve uma vida boa assim, ele ganhava salário do Partido Comunista para escrever seus romances.
Página 3:
Se você ler a matéria, coisa que, imagino, nem todos devem fazer, encontrará boas respostas de Dilma, mas as manchetes são explicitamente acusatórias à ministra. A matéria abre com repercussões do último factóide da Veja, dada como fonte fidedigna e legítima. "Segundo a Veja" se tornou uma espécie de mantra sagrado da imprensa. Checar fatos? Conferir veracidade ou mesmo verossimilhança das notícias? Não precisa perder tempo com isso. Publica-se qualquer absurdo e se tasca no final um "segundo a Veja", de maneira que, se a matéria for desmentida posteriormente, a culpa é da Veja, que se tornou uma espécie de boi de piranha ou bucha de canhão da mídia corporativa.
Na página 4, ainda repercutindo o debate de ontem na Rede TV, mais dinamite na Dilma. Ao menos na manchete. Se você ler a matéria, encontrará um conteúdo razoável.
Página 5 traz anúncio de página inteira de carro.
Na página 6, começa a seção de Opinião do jornal. Traz um artigo interessante do folclórico filósofo gaúcho, o direitão Denis Rosenfeld. Nada como uma boa derrota para deixar o sujeito mais humilde e um pouco mais sábio, não é? Pinço alguns trechos:
Os prognósticos são de uma vitória avassaladora da aliança governamental, capitaneada pelo PT e pelo PMDB. A eleição presidencial está praticamente decidida, salvo se houver algum fato novo que prejudique seriamente a candidatura de Dilma. O episódio da Receita Federal, embora grave do ponto de vista da cidadania, não terá efeito eleitoral forte se não atingir um grão-petista diretamente envolvido na campanha presidencial. Não parece ser esse o caso mais provável.
(...)O PT e a base aliada, capitaneada por Lula, estão dando um espetáculo de competência.
(...)Mesmo para a conservação do seu pior lado, a democracia representativa deve ser preservada. Quero dizer com isto que o PMDB poderá vir a exercer um importante papel de moderação no próximo governo, compondo com o PT e com as oposições. E da renovação dessas últimas, dependerá a consolidação da democracia no país.
Rosenfeld sugere que a oposição ao governo da Dilma ficará ao cargo do PMDB. É uma tese muito plausível, e creio que a partir de 2011 a mídia tentará de tudo para separar PT e PMDB, produzindo e maximizando as divergências entre os dois grandes partidos.
Na página 8, há artigos de opinião não relacionados ao momento político ou eleitoral. Por acaso, são artigos bem interessantes, um de Sergio Besserman sobre o problema da desigualdade no Brasil, outro de uma pianista brasileira, Simone Leitão, sobre a explosão do uso do piano na China, e uma resenha de Paul Schweitzer sobre o novo livro do famoso físico inglês Stephen Hawkings, onde se afirma que a teoria do Big Bang não precisa de Deus. Segundo a física quântica, o mundo pode ter perfeitamente surgido do nada absoluto.
A página 9, onde se publicam as cartas dos leitores, é integralmente ocupada por missivas anti-Dilma. Tem umas que são clássicas, vale a pena até reproduzir:
Sem comentários, né? Essa é a pirraça mais comum entre os serristas. Acho válido desconfiar de pesquisas, mas daí a falar que "nenhum conhecido seu" foi entrevistado, é demais. O Brasil tem 190 milhões de habitantes. Um instituto pode passar muito bem uns três séculos fazendo pesquisa sem entrevistar ninguém do círculo dessa senhora... mas ela não consegue entender... Depois de revelar tamanha ignorância, ainda se jactar de fazer parte dos 40% que "conseguem ver a triste realidade de ter Dilma como presidente."
Página 9, mais ataques que beneficiam Serra:
O engraçado é que os parentes de tucanos são todos envolvidos em grandes negociatas. A filha do Serra tinha uma firma para facilitar "licitações" e abriu uma empresa similar ao Serasa através da qual obteve e quebrou o sigilo bancário de 60 milhões de brasileiros, mas a mídia só está interessada no filho da secretária da ministra. Lendo a matéria do Globo, no entanto, tive dificuldade em localizar o que o filho da Erenice fez de errado. Quer dizer, a matéria dá a entender que alguma coisa ele fez de muito errado - e nos sentimos até inclinados a acreditar - mas não sabemos muito bem o que é. Nepotismo? Lobby? Tráfico de influência? A gente pode usar a imaginação: Erenice articulou para "dar um emprego" ao filho, Israel Guerra na Anac. E ele usou o seu parentesco com uma poderosa de Brasília para fazer lobby. Mas o lobby mesmo não é explicado; ao contrário, tem sido negado por todas as fontes mencionadas na reportagem da Veja.
Na página 10, mais chicotada no lombo da vovó Dilma.
A denúncia aqui, porém, é bem meia boca, porque envolve valores irrisórios e igualmente não trazem nenhuma prova de crime. O fato de um parente de Erenice prestar um serviço qualquer a uma autarquia federal, por um valor pequeno, não tem nada de estranho. A luta contra o nepotismo não pode se tornar uma coisa tão draconiana a ponto de uma pessoa com emprego público se tornar uma desgraça na família, impedindo qualquer um de prestar qualquer mínimo serviço ao principal empregador do país, os governos.
Página 11, anúncio de página inteira. Na página 12, mais granada na campanha de Dilma:
Publico abaixo um fácsímile ampliado dessa página, para vocês observarem bem a mimosa (e tradicionalóide) ilustração à matéria:
Na página 13, matéria sobre a prisão do governador do Amapá e na página 14 entrevista com um candidato do Rio de Janeiro. Fim da seção política. Fim de linha para o jornal Globo. A vitória de Dilma Rousseff terá um sabor especial para nós que, como blogueiros ou leitores de blogs, estamos de saco cheio da prepotência e radicalização ideológica do Globo. Poderíamos simplesmente ignorá-lo, mas vivemos cercado de gente repetindo como papagaios o que se imprime por ali. Não há saída, portanto, senão trabalhar para desconstruir as mentiras sistemáticas desse periódico medíocre e ultraconservador. É muito bom, portanto, que o Globo se associe de maneira tão orgânica à campanha de Serra, pois nos permite matar dois bezerros com uma cacetada só e no mesmo dia: 3 de outubro.
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