quarta-feira, 22 de junho de 2011

A Marcha da Maconha e a hipocrisia nacional


Zulu Araújo
De Brasília (DF), portal Terra
Duas grandes novidades ocuparam espaços generosos na imprensa brasileira na última semana, ambas sobre um assunto deveras polêmico: a descriminalização do uso das drogas no país, sintetizada nas Marchas da Maconha. De um lado o Ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, emprestou seu nome, sua credibilidade internacional e sua inteligência para discutir um tabu e assumir uma posição corajosa no enfrentamento do flagelo que tem sido o uso de drogas por parte significativa da juventude. De outro o Supremo Tribunal Federal, de forma surpreendente, decidiu favoravelmente ao direito que qualquer cidadão brasileiro possui de expressar-se livremente, mesmo que seja para combater a ordem vigente......

Não vou aqui, neste pequeno espaço, discutir as conveniências e interesses que cercam o conceito de droga no Brasil. Pois é incompreensível a qualquer pessoa medianamente inteligente a permissão de uso quase que absoluta para o álcool; responsável por 16 milhões de viciados, por 40% das faltas ao trabalho, pela perda de 5% do Produto Interno Bruto e por mais de 1.000 mortos em acidentes de veículos no Brasil anualmente e o combate feroz que determinados segmentos, notadamente a Polícia, as Igrejas e Judiciário, estabelecem a qualquer proposta que vise minimamente enfrentar o problema na sua complexidade e com seriedade.
Mas, o artigo publicado pelo Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, esta semana, no jornal O Globo, chega a ser temerário. Em nome de evitar um mal maior, que é o incitamento ao uso de drogas, ele cogita claramente com a flexibilização do direito constitucional - a liberdade de expressão ¿ e propõe de forma velada, sua tutela por parte do judiciário, a quem segundo o artigo, caberia decidir que assuntos ou temas poderiam ser objeto de debate público, que não pusessem em risco valores sociais. É a velha cantilena de que a sociedade não sabe o que faz e precisa ser tutelada. Cabe aqui perguntar, que valores sociais são esses? Por que os valores sociais conservadores e moralistas devem prevalecer no âmbito da sociedade? Será que o Ex- Presidente Fernando Henrique Cardoso e tantas outras eminentes autoridades do Brasil e do mundo estão todas empenhadas em incitar o crime?
Sem qualquer proselitismo, todos nós sabemos que os seres humanos se drogam desde que o mundo é mundo. Ora com torrões de açúcar, como faziam nas guerras romanas, ora com vinho como nos rituais cristãos (simbolizando o sangue de Cristo), ora com a marijuana, das tribos indígenas e nações africanas até os dias de hoje. Neste percurso histórico o álcool assumiu a dianteira e tornou-se a droga protagonista das maiores tragédias humanas. Por que então ela é vendida legalmente em qualquer esquina, bar ou bodega deste País se provoca tanto mal e estragos. Por que é propagandeada em prosa e verso em todo e qualquer veículo de comunicação? Simples, porque é um grande negócio. O negócio do prazer.
Nenhumas das políticas repressoras implementadas até agora, aqui ou acolá deram resultados positivos. Da Lei Seca ao DEA (Departamento Anti Drogas dos Estados Unidos), milhões de dólares foram gastos, milhares de pessoas foram presas, outras tantas morreram e ainda assim essas políticas redundaram num retumbante fracasso. O número de consumidores e viciados só aumentaram e o poder dos narcotraficantes idem. Envolvendo, hoje, praticamente todas as instituições da sociedade, como os partidos políticos, a polícia e o judiciário.
Por isto mesmo, precisamos urgentemente discutir e implementar uma nova política no âmbito do combate as drogas. Esta política tem que compartilhar com a sociedade um novo olhar sobre os dependentes, sem transformá-los em criminosos. Pois o que essa garotada está pondo em xeque com suas manifestações de rua e passeatas, onde defendem a descriminalização do uso da maconha é o pacto entre a hipocrisia nacional e a repressão, que com suas campanhas falaciosas e falidas não combatem coisa alguma, apenas estimulam a próspera indústria do crime, onde se banqueteiam traficantes e todo o aparato repressor.
Axé!
"Toca a zabumba que a terra é nossa!"
Zulu Araújo é arquiteto, produtor cultural e militante do movimento negro brasileiro. Foi Diretor e Presidente da Fundação Cultural Palmares (2003/2011)

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