Toda vez que a questão a se discutir é corrupção, políticos se ouriçam e os sinais partidários se invertem.
Durante o governo FHC, petistas cansaram de levantar denúncias de corrupção, das privatizações a compra de votos, e insistiam na abertura de CPIs.
De volta à oposição, são tucanos e demos que bradam pelas mesmas comissões que repeliram antes, mas os governistas de hoje acusam interesses golpistas e dizem que precisam governar.
Neste tema, tudo o que não se pode aceitar é uma indignação seletiva, que foca apenas nos erros de adversários. Isso fulmina a própria ideia de moralidade administrativa, ligada à impessoalidade....
Pouco importa se atinge a políticos, jornalistas ou eleitores. A partidarização do "combate à corrupção" sempre escamoteia o interesse público, movida por interesses privados.
A corrupção é, por excelência, uma questão de Estado, não de governo. E deve ser analisada sob essa ótica e não a reboque de interesses eleitorais, até porque caráter não tem ideologia.
A primeira premissa para descortinar saídas é compreender que o direito penal não é uma panaceia, nem faz milagres.
A experiência nos ensinou que aumento de pena não reduz crimes. O direito penal vem sendo largamente usado como uma cortina de fumaça, para ocultar omissões. Ficar criando "crimes hediondos" pode até ser uma rima, mas não será uma solução.
Se não devemos colocar todos os ovos na repressão, é importante, todavia, eliminar as redes de proteção dos agentes públicos, que traduzem uma curiosa e injustificada desproporção: quanto mais importante é o autor da conduta ilícita, mais protegido está das consequências de um processo.
O principal responsável por isso é o foro privilegiado, que continua retratando desigualdades de fidalgos e plebeus previstas há séculos -quando a ideia de igualdade não permeava o direito.
Mais importante do que vetar a candidatura de políticos com processos, é desestimulá-los a competir justamente para melhorar suas situações penais. O foro privilegiado permanece sendo um eficiente "limpa-fichas".
A extinção do privilégio teria, ademais, um importante efeito didático: mostrar que todos os cidadãos se submetem às mesmas leis e aos mesmos juízes, como seria normal em uma democracia.
Privilegiar a desigualdade é a melhor maneira de estimular a corrupção, por intermédio do "você sabe com quem está falando".
Isso deve valer a todos, inclusive aos juízes -seria também importante forma de quebrar o caráter oligárquico de administração dos tribunais. Nestes, remanesce como exemplo bizarro o fato de que apenas juízes e não desembargadores se submetem às corregedorias.
Mas corrupção é, sobretudo, a imagem mais bem acabada do patrimonialismo, trato da coisa pública como particular.
É mais visível na burla de uma licitação. Mas é presente, também, na farta distribuição de cargos em comissão, escolhidos por virtudes privadas (afeto, amizade, confiança) e não por méritos.
E se a questão é profissionalismo, na berlinda também estão os Tribunais de Contas. Ministros e conselheiros são indicados pela proximidade com governos e maiorias parlamentares. Difícil crer que possam representar a forma mais isenta de fiscalização das próprias administrações.
Mas se engana quem atribui exclusivamente aos partidos, aos políticos e aos administradores a persistência da corrupção.
Ela é, no mais das vezes, inatingível sem o consórcio do particular. Seja a pessoa física que coonesta com a propina para alcançar uma pequena vantagem, seja o grande empresário que divide lucros com gestores de negociatas.
Vem investigação, vai investigação, manchetes de revistas e comissões de inquérito raramente se aprofundam no outro lado da moeda, aquele que a entrega. E muitas empresas que se orgulham de suas responsabilidades sociais continuam aproveitando as oportunidades do escuso.
Mas se a corrupção visível é a que nos indigna, como mostrou o caso da deputada absolvida depois de ser filmada recebendo dinheiro, há uma ainda maior que navega nas sombras.
Com caríssimas campanhas políticas, o financiamento privado por grandes empresas faz com que parlamentares e administradores iniciem os mandatos devedores de seus mecenas. E quando o público rende homenagem ao privado, por dever de ofício, é que as prioridades se invertem.
Essa é, sem dúvida, a maior das corrupções: tomar o interesse de alguns como se fosse o de todos.
Marcelo Semer
No Sem Juízo
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