quinta-feira, 5 de maio de 2011

As nervuras do PSD


(Francis Bacon, Homem e seu cão)
Com efeito, pesquisas tendo por objetivo avaliar o grau de plausibilidade do senso comum, que atribui todos os defeitos possíveis ao sistema partidário brasileiro, têm demonstrado o oposto, a saber, que os partidos parlamentares comportam-se de forma responsável, longe da aleatoriedade que seria de se esperar fossem eles não mais do que meros agregados de interesses pessoais e particularistas.

Wanderley Guilherme dos Santos, Horizonte do Desejo, Ed.FGV, 1ª edição, 2006, pág. 108.
Há semanas que venho estudando uma forma de interpretar o desempenho dos partidos que não seja uma variação do já antigo clichê sobre a ausência de ideologias que os norteiem. Analistas apressados, à leste e oeste, vivem repetindo esse lugar-comum, com o que parecem se auto-afirmar. Ou seja, os partidos vão mal, não tem ideologia, mas eu, o analista, o intelectual, o blogueiro, o cidadão, eu tenho ideologia! Entretanto, é muito fácil ter uma ideologia. Difícil é transformá-la em ação congressual, em força política, em articulações partidárias......

Tenho me fundamentado, no blog, nos livros de Wanderley Guilherme dos Santos, em especial, o Horizonte do Desejo, para demonstrar que a tese da falta de ideologia dos partidos é, no mínimo, questionável. Pode ser que os membros da maioria dos partidos não se encontrem regularmente para cantarem algum tipo de hino revolucionário, nem se reúnam em torno de uma mesa para comemorar o aniversário da morte de tal pensador político do século XIX. Mas nem por isso deixam de possuir uma ideologia. Podem não ser ideologias catalogadas pela mente de um jovem universitário que sente seus primeiros repuxões de idealismo. Podem não ser ideologias floreadas por terminologia retórica populista. Pode não ser uma bela e jovial ideologia. Podem ser ideologias mau cheirosas, pelo menos para nossos narizes, ou simplesmente reacionárias e bolorentas. Mas a partir do momento em que os membros daquele partido votam de maneira homogênea no Congresso Nacional, eles exercem uma ação ideológica concreta. Eles não apenas demonstram possuir uma ideologia, eles engendram uma nova, real, histórica.

Mesmo a acusação de que eles votam em linha com os interesses do governo e não de acordo com a opinião de seus próprios eleitores não me parece justa. Eles votam sim com o governo, e até preferem dizer que o fazem por interesse, para que o governo tenha uma dívida de gratidão, mas duvido que votem contra suas ideias e contra seus eleitores, porque estariam pondo em risco seu capital eleitoral. O que geralmente acontece é o governo oferecer votações em que haja convergência dos interesses de todos seus parlamentares aliados, o que não é tão difícil quanto parece, desde que se faça uma gestão conservadora e moderada, como é o caso do governo liderado pelo PT, cuja maior força política tem sido a prudência e sobriedade com que tem conduzido os debates no Congresso e na sociedade.

Na verdade, a grande sacação de Lula foi que o Brasil precisava impor uma agenda antes humanista do que propriamente de "esquerda". O humanismo converge, a luta ideológica cria divisões, inclusive não-racionais, inclusive não-políticas. Há um fator psicológico muito arraigado na disputa ideológica entre esquerda e direita que ainda deve ser melhor estudado, mas já podemos perceber empiricamente. Toda tendência à autossuficiência, ao egoísmo,ao individualismo, leva à direita. Entre os impulsos psíquicos que nos levam à esquerda, porém, também há os negativos: insegurança, inveja, dependência do coletivo. Isso são teorias de botequim, que fique bem claro. E defendo a esquerda como a ideologia mais próxima ao humanismo e às ideias de modernidade. Refiro-me aqui às causas psico-culturais que levam um garoto de dezesseis anos, ainda sem muita instrução, a demonstrar tendências emocionais para esta ou aquela ideologia.

Voltando aos partidos, creio que - mesmo o recém-criado PSD - eles tem sim um ideário bastante convincente. E devemos cuidar para não sermos influenciados, sem disso nos apercebermos, por esta insidiosa campanha de despolitização permanente da mídia. O PSD é um partido de centro. Kassab, ao dizer que o partido não era nem de esquerda, nem direita, nem centro, nada mais fez que afirmar o caráter decididamente centrista da legenda. E ser de centro é também uma digna posição ideológica. O surgimento do PSD faz parte da movimentação livre e democrática das forças políticas nacionais. Há interesses pessoais? Sempre há. Isso não tem importância, porque, como ensinava Hegel, "perseguindo seus interesses pessoais, os homens fazem história e são, ao mesmo tempo, as ferramentas e os meios de qualquer coisa de mais elevada, de mais vasta, que eles ignoram, e que eles realizam de maneira inconsciente." Tenho consciência de quão ridículo é associar os ex-caciques do DEM às frases pomposas do idealismo alemão, mas tenho fortes suspeitas de que a Europa oitocentista, na qual os filósofos se inspiravam, era povoada de políticos não muito diferentes dos nossos. Não muito melhores, ao menos.

O PSD é a cara da nova oposição brasileira. Justamente aquela da qual analistas políticos e a própria imprensa conservadora tem se ressentido como ausente ou em declínio. Mesmo que inicialmente aliado do governo, o PSD nasce como seu principal adversário.

Encerro (por achar que tem a ver) com alguns teoremas da Ética, de Espinoza:

Conatus quo unaquaeque res in suo esse perseverare conatur, nihil est praeter ipsius rei actualem essentiam.

O esforço, que toda coisa faz em perseverar em si mesma, nada mais é do que a essência da própria coisa.

Os políticos que vem migrando para o PSD nada mais fazem do que seguir os preceitos já indicados por Espinoza: perseveram em seu ser, lutam para continuar existindo...
Unaquaeque res quantum in se est, in suo esse perseverare conatur.

Toda coisa se esforça, na medida do possivel, em perservar em seu ser.

Ad naturam substantiae pertinet existere.

A luta pela existência pertence à natureza da substância.
vi no, Óleo do Diabo 

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