quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Dilma pode ter aprovação maior que a de Lula?

Um motivo para acreditar que sim, o bom senso. E outros motivos para apostar que não, não pode


Seu estilo discreto é fruto de Marketing como supõe a Folha
de S.Paulo? Ou são características pessoais?
Ao fim do primeiro mês de governo Dilma Rousseff, restam mais perguntas que respostas – normal. Diz a regra, ditada não se sabe por quem, que há que esperar os primeiros cem dias para uma avaliação mais profunda. Ao fim do primeiro ano, será possível saber com um pouco menos de imprecisão se Dilma tem condições de realizar o improvável: ter mais popularidade do que Lula.
Este é um campo em que há apenas duas possibilidades: sim e não, e o divertido é começar pelo insensato. Sim, Dilma pode ter aprovação maior que a de Lula. Se há uma questão que ficou clara nestas primeiras semanas, trata-se do estilo Dilma de governar. O viés mais discreto, com menos aparições públicas, tem o poder de agradar aos famosos 3% que viam o governo Lula como “ruim/péssimo” e mesmo aos 13% que aceitaram, de malgrado, engolir a gestão anterior como “regular”.


Pouco importa se o estilo discreto é fruto de marketing, como supõe a Folha de S. Paulo, ou de características pessoais, como supõe o bom senso. A bem da verdade, já que ora se fala neste assunto, Dilma parece gostar de falar pelas entrelinhas: foi a ato contra o Holocausto em Porto Alegre e fez questão de se reunir com as Mães da Praça de Maio em Buenos Aires. 
É importante lembrar que, entre os que desaprovavam Lula, há uma dose nada desprezível – ou muito desprezível? – de preconceito. Gente que “teve” de aguentar durante oito anos o estilo nordestino-sindicalista de Lula está a admirar o estilo gaúcho-técnico da presidenta. A mídia brasileira, em nossa fábula da vida política, deu a Dilma o papel da pessoa séria e rigorosa, dois atributos deveras valorizados pelas classes médias e altas que tanto odiavam a Lula. O gaúcho foi o mais próximo que chegamos da Europa, que saudades da Europa, com seu lenço no pescoço, o semblante fechado e o vinho no lugar da cerveja. O rigoroso é a incorporação do trabalho duro, sem espaço para desvios de conduta, bem diferente da “república sindicalista” de Lulla – sim, eles adoram lembrar de Collor.
Mostras desse segundo atributo foram dadas neste primeiro mês, com a condenação aos problemas de direitos humanos no Irã e em Cuba, a demora em receber as centrais sindicais e a ordem para cortar geral no Orçamento, temas com grande poder de penetração no cérebro modelo Jornal Nacional das classes médias e altas. Os governos iraniano e cubano são, para o clube dos 3%, o exemplo do que há de pior no mundo, e com os quais Lula foi “conivente”. As “torneiras abertas” dos cofres públicos e o mundo sindical caem como uma luva no imaginário autoflagelador dos ricos brasileiros, sempre queixosos da alta carga tributária e das classes políticas, assim genericamente denominadas.

De boatos e silêncios 
Por tudo isso, Dilma poderia angariar uma popularidade altíssima e reaproximar o PT das classes médias, levando-o a um êxito maior nas eleições municipais de 2012. Ocorre que é improvável que se consiga ganhar de um lado sem perder de outro, e aí vem a análise menos divertida da situação geral. A primeira questão é óbvia: contraria a lógica que alguém possa obter mais aprovação que o presidente mais popular de que se tem notícia. 
Depois disso, o estilo discreto de Dilma, se agrada os outrora “reprovantes”, pode ser lido como um silêncio incômodo sob o olhar de parte dos eleitores do novo governo. A presidenta sabe, ou poderia ter aprendido com o primeiro turno das eleições, que o boato prospera principalmente onde há silêncio e incerteza. É aí que podem ser plantadas notícias, caírem ministros e, mais que nada, serem criados imensos mal-entendidos.
Imagina-se que Dilma virá a público mais vezes após esta fase inicial de montagem de gabinete e rateio de cargos, e parece necessário que o faça para não permitir que acabe falando pela boca de terceiros. Há dubiedade, até agora, sobre a real intenção do governo em relação a pontos tidos como fundamentais por apoiadores mais “ideológicos”, como o marco regulatório das comunicações e a criação da Comissão da Verdade. Dilma sabe que, para seguir em frente nestes dois assuntos, vai comprar brigas exatamente com o piso de cima da sociedade, e até mesmo com os estratos de baixo influenciados pelos setores conservadores da imprensa. Será preciso esperar os cem dias, e talvez mais, para saber se vai ou não aceitar essas pelejas – e se sua arma será a peixeira ou a boleadeira.

 João Peres é jornalista, colunista do Nota de Rodapé 

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