sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Lula sai deixando uma das mais baixas taxas de juros dos últimos vinte anos

Era Meirelles termina com juro real de 6%

Política monetária: No comunicado, Copom deixa pistas de que há novo aperto monetário à vista
O Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu ontem, por unanimidade, manter a taxa básica de juros em 10,75% ao ano. Após oito anos à frente do Banco Central, Henrique Meirelles conclui sua gestão com uma taxa real de juros de 6% ao ano (swap de 360 dias), uma das mais baixas taxas dos últimos vinte anos.
No comunicado da última reunião do Copom no governo Lula, o diretores do Banco Central admitem que houve uma piora da inflação em relação às condições da reunião anterior. Diante das medidas para contenção do crédito e enxugamento da liquidez anunciadas na sexta-feira, porém, “prevaleceu o entendimento entre os membros do Comitê de que será necessário tempo adicional para melhor aferir os efeitos dessas iniciativas sobre as condições monetárias”. E acrescentou que “irá acompanhar atentamente a evolução do cenário macroeconômico até sua próxima reunião, para então definir os próximos passos na sua estratégia de política monetária”.
A decisão confirmou a expectativa tanto dos analistas que respondem ao boletim Focus quanto do mercado de juros futuros, já que as medidas macroprudenciais da semana passada, por seus efeitos sobre a demanda agregada, adiaram a urgência da alta de juros, que fica para o início de 2011.
Em pronunciamento durante a reunião trimestral com economista, no último dia 25, Meirelles explicou que os problemas detectados no banco PanAmericano já eram conhecidos pelo BC desde junho e indicou que essa informação exerceu forte influencia na redução do ritmo de alta da Selic. Naquele mês, o Copom elevou os juros para o patamar atual, de 10,75% ao ano, e interrompeu a trajetória de aperto monetário, contrariando as expectativas coletadas junto ao mercado que esperava uma elevação maior.
A fala de Meirelles foi interpretada como a senha para a retomada da alta dos juros em dezembro, para combater os efeitos do choque de preços dos alimentos. Mas o aumento do depósito compulsório dos bancos no BC derrubou os juros futuros e restaurou o cenário de estabilidade para a Selic em 2010.
A reunião de ontem foi singular. Na sala do Copom estavam presentes o presidente que sai, Henrique Meirelles, e o que assumirá o posto em janeiro e atual diretor de Normas, Alexandre Tombini. Já sabatinado pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, a indicação de Tombini ainda terá que ser aprovada pelo plenário daquela casa, o que deve ocorrer na próxima terça-feira.
Meirelles ficou oito anos à frente do BC, recorde na história da instituição, e teve papel importante para a consolidação do regime de metas para a inflação, implementado pelo ex-presidente do BC, Armínio Fraga, e um dos tripés da política econômica de 1999 para cá, ao lado do sistema de taxas de câmbio flutuante e superávit fiscal. Meireles presidiu 76 das 154 reuniões do Copom, instituído em 1996, e comandou quase dois terços das reuniões sob a égide das metas para a inflação.
Foi ele que, aproveitando os bons ventos externos e o fluxo de dólares mais intenso para o país, também executou uma política mais agressiva de compra de reservas internacionais. Hoje em US$ 286 bilhões, as reservas cambiais representam um seguro que se mostrou crucial durante os piores momentos da crise de 2008.
Quando chegou ao BC, em janeiro de 2003, a situação da economia estava ruim. Os indicadores se deterioraram durante a campanha presidencial, por temores de um “calote” da dívida alimentados pelos mercados. Lula, que liderava as pesquisas de intenção de voto, assinou a Carta aos Brasileiros, onde assumiu o compromisso de manutenção da política econômica em curso e de respeito aos contratos.
A inflação medida pela variação do IPCA, fechara 2002 em 12,5%. Meirelles tomou posse em janeiro de 2003, elevou a taxa Selic de 25% para 25,5% ao ano e escreveu uma carta aberta ao então ministro da Fazenda, Antônio Palocci, onde explicou as razões que levaram a inflação a superar o teto da meta. Adotou a meta ajustada de inflação de 8,5% e os aumentos de juros prosseguiram até junho, quando a Selic chegou a 26,5%.
Iniciou-se, aí, um outro fenômeno que passou a acompanhar as reuniões do Copom: as pressões políticas contra o aumento da taxa básica de juros.
O ambiente para a autoridade monetária foi, por todos esses oito anos, hostil. Em 2004, quando percebeu que as denúncias sobre um suposto problema seu com a Receita Federal vinham de dentro do próprio fisco, Meirelles exigiu e obteve o status de ministro, que lhe conferiu foro privilegiado.
Diante da escassez de investimentos na economia, a rotina passou a se impor: além dos periódicos choques de oferta, na medida que aquece o nível de atividade, surgem as pressões inflacionárias e o Copom reage com aumento dos juros. Foi o que ocorreu em 2004, 2008 e 2010.
Meirelles foi, em vários momentos, criticado por usar de uma excessiva ortodoxia na condução da política monetária; e, também, de ter agido politicamente em março deste ano. Enquanto decidia sobre seu futuro político, ele teria adiado um aumento necessário da Selic, e interrompido o processo na antevéspera das eleições presidenciais. Em outros momentos, como dezembro de 2008, teria, segundo seus críticos, errado ao manter os juros em 13,75% ao ano no auge da crise global.
No balanço dos oito anos, porém, Meirelles acertou mais do que errou. Se a ortodoxia for medida pelos resultados, esses são claros. De 2003 a 2010, somente em três anos a inflação do IPCA ficou abaixo do centro da meta de 4,5%. Foi de 3,14% em 2006, 4,46% em 2007 e de 4,31% em 2009.
No acumulado de oito anos, o IPCA chegou a 56,55% (considerando a expectativa do Focus para dezembro), sensivelmente superior aos 42,21% que teriam sido acumulados caso o IPCA tivesse ficado no centro da meta. Ou seja, a inflação efetiva de 2003 a 2010 foi, na média, de 5,76%, em comparação com os 4,5% do centro da meta.
Meirelles encerra seu mandato no BC com um dos patamares mais baixos de juro real da história recente. A taxa básica média era de 17,2% nos anos 2001/2002. Na era Meirelles, a taxa média foi de 9,2% (até novembro).
Claudia Safatle e Fernando Travaglini
By: Valor

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