Caso Serra seja eleito, e não o será, sua aliança terá 115 deputados; será necessário compor com partidos fisiológicos
Desde a Antiguidade, os homens voltam-se aos números para tentar desvendar o futuro. Talvez haja alguma sabedoria neste comportamento. Podemos testá-lo perguntando aos números como será o Brasil depois desta eleição presidencial.
Analisemos a hipótese do candidato oposicionista, José Serra, ganhar. Seu partido conseguiu eleger apenas 53 deputados. Os outros partidos que o apoiam (DEM, PPS, PMN e PT do B) conseguiram 62 deputados. Não se vai muito longe com uma base de 115 deputados em uma Câmara com 513 membros.
Será necessário compor com partidos que fizeram parte da coligação do governo, como PMDB, PP e PR. Partidos conhecidos pelo seu perfil radicalmente fisiológico.
Políticos costumam dizer que não fazem loteamento de cargos, que são capazes de tecer alianças programáticas com os “melhores” de cada partido. Qualquer pessoa sensata, ao contrário, sabe que partidos como estes cobrarão muito alto para dar sustentação parlamentar ao governo, já que eles sabem que a maioria governista será frágil.
Todas as vezes que uma proposta importante for votada, eles colocarão a faca contra a garganta do Executivo para exigir mais um ministério de “porteira fechada”.
Ainda mais porque haverá uma forte oposição (se levarmos em conta o PT mais os partidos que giram em torno dele, como o PC do B, PSB e PDT) de 165 deputados.
A situação no Senado é mais dramática, pois o possível governo Serra teria apenas 19 de 81 senadores.
Tais números, por si só, indicariam um governo refém de negociações intermináveis.
No entanto, há ainda um dado novo. É consenso que o vencedor desta eleição ganhará por margem estreita. Isto nunca ocorreu desde a redemocratização. Ou seja, a sociedade brasileira assistiria à posse do próximo presidente dividida e (a levar em conta o nível do debate atual) profundamente acirrada.
Serra teria que fazer frente à oposição popular, vinda de quem perdeu por muito pouco, apelando sistematicamente àqueles setores que impulsionaram sua campanha na reta final -a saber, a ala mais reacionária das igrejas, o “cinturão do agronegócio” e os arautos do pensamento conservador nacional. Ou seja, um governo minoritário refém de setores obscuros do atraso para fazer frente à oposição.
Mas ainda há algo que os números não mostram. Mesmo entre seus aliados, é consenso que a personalidade de José Serra é, digamos, bonapartista. Caracterizado por ser centralizador e avesso à crítica (basta ver sua coleção de reações destemperadas a jornalistas que lhe colocam perguntas incômodas), José Serra mostrou inabilidade até para sustentar sua coligação (o PTB a abandonou por se sentir desprestigiado). Sua capacidade de negociação é limitada, vide a novela da escolha de seu vice.
Governo minoritário, sociedade acirrada, presidente bonapartista. Desde a eleição de Fernando Collor, o Brasil não conheceu uma situação com tais componentes. Para não deixar muito à mostra esta realidade problemática que os números mostram, talvez o melhor seja mesmo discutir crenças religiosas e correr atrás de mulheres que abortam.
Vladimir Safatle, é professor no departamento de filosofia da USP.
By: Blog do Favre
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