quarta-feira, 14 de julho de 2010

José Serra e o calendário Maia

Reproduzo artigo de Maurício Thuswohl, publicado no sítio Carta Maior:

“Quero agradecer a quem me colocou na política: o ex-prefeito Cesar Maia”. Feita pelo deputado federal Indio da Costa (DEM) assim que este soube que havia sido ungido ao posto de candidato a vice de José Serra (PSDB) na disputa pela Presidência da República, a declaração acima revela o nome daquele que pode se tornar o principal beneficiado pela comédia de erros em que se transformou a construção da chapa demotucana.

Considerado por muitos analistas como um político em irreversível decadência desde que deixou a Prefeitura do Rio de Janeiro com alto índice de rejeição entre os cariocas, Cesar Maia conseguiu, com a confirmação do nome de Indio da Costa, extrair da crise vivida pela pré-campanha de Serra a senha para sua sobrevivência no primeiro plano da política nacional pelos próximos anos e também lugar de comando no provável processo de reestruturação que será vivido pela direita em caso de nova vitória do PT nas próximas eleições presidenciais.

A movimentação política vitoriosa de Cesar, agora consolidada com a indicação de Indio, teve início assim que seu filho, o deputado federal Rodrigo Maia, assumiu a presidência nacional do PFL, que acabara de mudar seu nome para DEM e de substituir seus principais dirigentes numa tentativa de “rejuvenescer” o partido. Desde então, Rodrigo é o principal executor da estratégia do grupo político que gravita em torno dos Maia. Quando o PSDB anunciou à revelia do DEM que o vice de Serra seria o senador Álvaro Dias (PSDB-PR), coube a Rodrigo o comando da blitz sobre a direção tucana que culminou com o surpreendente recuo e anúncio do nome de Indio.

Desde a divulgação pela imprensa do esquema de corrupção no Governo do Distrito Federal montado sob as bênçãos do então governador José Roberto Arruda, Serra nunca escondeu a vontade de tirar o DEM de sua chapa. Enquanto o sonho de ter Aécio Neves como vice ainda acontecia, não foi difícil para o comando do PSDB manter dóceis os demistas. Quando o não de Aécio ficou claro e a ficha caiu, Serra sacou do colete o discurso de que a presença do DEM na chapa poderia ser danosa devido ao recente episódio envolvendo Arruda. Foi nesse discurso, muito mais no que no propalado crescimento da votação no Paraná, que Serra se baseou para tentar impor à coligação o nome de Álvaro Dias.

Logo após o anúncio do nome de Dias, Rodrigo Maia soltou a já histórica exclamação: “A eleição nós já perdemos, não podemos perder o caráter”. Pessoas da entourage de Serra disseram que o ex-governador de São Paulo recebeu essas palavras como punhaladas que jamais esquecerá. Ainda assim, debaixo de toda a pressão do DEM, somada às críticas vindas de alguns grandes jornais e setores conservadores que o apóiam, Serra teve de recuar e aceitar a inevitabilidade de composição com o aliado histórico do PSDB.

Uma vez descartado Dias, durante uma reunião que terminou no início da manhã de 30 de junho, restava escolher o nome do DEM que comporia a chapa com José Serra. Mais uma vez, prevaleceu a vontade dos Maia e a tese de que o escolhido teria de ser jovem, mas com alguma bagagem política. Nesse momento, surgiram naturalmente nomes como os dos deputados federais Antônio Carlos Magalhães Neto (BA) e Paulo Bornhausen (SC), além do próprio Rodrigo Maia. No mesmo dia, durante um almoço em Brasília que reuniu diversas lideranças do PSDB e do DEM, o martelo foi batido e surgiu o surpreendente nome de Indio da Costa, carioca de 39 anos e deputado federal em primeiro mandato.

Ficha Limpa?

Um argumento usado pelos Maia em favor de Indio foi que, como relator do Projeto Ficha Limpa na Câmara, sua presença na chapa de Serra acabaria tendo sobre os eleitores um efeito contrário à temida associação com Arruda e “o mensalão do DEM”. Nem mesmo isso, no entanto, é 100% verdade, uma vez que Indio, quando era secretário municipal de Administração do Rio (durante a última gestão de Cesar Maia), foi alvo de uma CPI sobre o favorecimento de uma empresa em licitações para fornecimento de merenda escolar para a rede pública municipal.

Relatora da CPI na Câmara dos Vereadores do Rio, Andréa Gouvêa Vieira (PSDB) afirmou que a compra de R$ 75 milhões em merenda escolar, entre julho de 2005 e junho de 2006, beneficiou uma mesma empresa - a Comercial Milano - e causou prejuízo aos cofres do município: “O Indio promoveu uma ação entre amigos”, disse ao jornal O Globo a vereadora tucana assim que soube da indicação do ex-secretário. Andréa qualificou como “péssima” a escolha de Serra: “A gente desconfia de quem põe uma faixa e sai por aí dizendo que é ficha limpa”, disse, anunciando que não vai mais fazer campanha para Serra e sim “pedir licença e viajar”.

Primeiro escalão

Se, de um lado, Serra arranja encrenca nas fileiras do próprio partido a apenas três meses das eleições, de outro Cesar Maia deve estar esfregando as mãos de felicidade. Candidato ao Senado pelo DEM no Rio, ele aparece em primeiro lugar disparado nas pesquisas e pode dar sua eleição como quase certa, uma vez que dois senadores serão eleitos por cada estado em 2010. Rodrigo Maia, por sua vez, deve ter reeleição tranquila para a Câmara dos Deputados, ainda mais agora que não contará com a concorrência de Indio da Costa, que atua na mesmíssima faixa de eleitorado.

Resumo da ópera: os Maia parecem ter garantido seu lugar no primeiro escalão da política em Brasília pelos próximos anos e seu grupo político tem grandes chances de se consolidar como principal força interna nacional do DEM. Indio da Costa, por sua vez, só tem a ganhar sendo candidato a vice-presidente. Com a exposição nacional que sua figura terá, o jovem deputado se credencia, por exemplo, a ser candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro pelo DEM em 2012. E Serra? Bem, Serra ainda pode ser presidente. Mas, se perder as eleições, praticamente dará adeus a sua vida política.

Nova direita

Uma vitória da candidata Dilma Rousseff, que seria a terceira consecutiva do PT, certamente aprofundaria transformações na direita brasileira. Nessa reacomodação de forças, provavelmente deverá surgir uma direita que busque o rompimento definitivo de suas ligações com o velho coronelismo demista e com o privatismo tucano de primeira geração. Se velhas figuras como Jorge Bornhausen, Marco Maciel e a família Magalhães, entre outras, tendem a desaparecer definitivamente do centro do palco, o mesmo se pode dizer de um grupo “mais à esquerda”, formado por políticos como Fernando Henrique Cardoso, Pedro Simon, Jarbas Vasconcellos e... José Serra.

De acordo com o calendário político traçado pelos Maia, tudo irá bem até 2014 com ou sem Serra na presidência. Cesar no Senado e Rodrigo na Câmara e na presidência do DEM indicarão ministros num eventual governo demotucano. Em caso de vitória de Dilma e novo governo petista, pai e filho podem permanecer atuantes na oposição e acumular cacife para disputar o Governo do Rio, ou, quem sabe, o lugar de vice numa possível chapa com o tucano Aécio Neves. Esta sim, na opinião dos Maia, é uma combinação capaz de vencer Dilma (ou Lula) em 2014. Para Serra, no entanto, o calendário Maia pode prever o fim do mundo já em 2010.

Altamiro Borges

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