terça-feira, 20 de abril de 2010

2006+89+64: Como engarrafar a democracia

O perigo vermelho*
por Luiz Carlos Azenha

Este é o terceiro e último post da série que decidi escrever a respeito da conjuntura midiática-político-eleitoral.




No primeiro post falei sobre a campanha de 1989, que muitos jovens brasileiros não viveram pessoalmente. Está aqui. Nele, relembrei por alto o clima de guerra que permitiu a Fernando Collor, primeiro como anti-Brizola, depois como anti-Lula, chegar ao Palácio do Planalto nas primeiras eleições presidenciais diretas depois da redemocratização.



No segundo post, tracei paralelos entre 1989 e 2010. Argumentei que a conjuntura de hoje incentiva oposição a repetir táticas do passado e que a tentação de mentir, deturpar e se apropriar de ideias alheias é grande, especialmente pelo fato de que ela conta com a cobertura favorável da TV Globo, Veja e Folha de S. Paulo, sejam quais forem as circunstâncias.



Finalmente, prometi especular sobre se a soma de 2006 + 1989 + 1964 implicaria em golpe para interromper o governo da ex-ministra Dilma Rousseff, se ela vencer a eleição.



Minha resposta curta: Não!



Minha resposta longa:



Como meu colega Rodrigo Vianna argumentou brilhantemente, em um post não tão novo assim, o PSD sempre foi o fiel da balança na política brasileira. O Brasil sempre foi para o lado que o PSD escolheu. Grosseiramente, podemos dizer que o PSD foi o centro e que o centro está hoje majoritariamente no PMDB. A aliança do PSD (PMDB) com Dilma, portanto, é garantia de que, se eleita, ela terá uma coalizão sólida para governar.



Ou seja, se o Instituto Millenium, aquele que organizou um convescote para discutir as ameaças à democracia brasileira, perder em 2010, vai promover o golpe?



Para decepcão de muitos na esquerda brasileira, que viveram sob o regime militar, sofreram os traumas da “ocupação interna” e ainda raciocinam politicamente dentro do antigo molde, a resposta é não.



A resposta pode não fazer sentido para aqueles que consideram o governo Lula um governo genuinamente de esquerda. Pessoalmente, diria que é um governo de centro, que adota algumas ideias progressistas, mas que está plenamente enquadrado na modernização conservadora que é tradição da política brasileira.



O golpe não sai, entre outras coisas, porque o capital internacional odeia instabilidade — e na última vez que andei pelas ruas de São Paulo vi com meus próprios olhos os anúncios do McDonald’s, do Santander, do Citibank e outros. O capital internacional está entrando, não está saindo do Brasil.

Ora, se o Instituto Millenium não vai dar o golpe, qual seria a função dele?

Aqui, valho-me de minha experiência pessoal como correspondente nos Estados Unidos, onde vivi quase 20 anos. Já tinha vivido lá antes, nos anos 70, como estudante em um intercâmbio da American Field Service (AFS), hospedado por uma família de Glen Burnie, subúrbio de Baltimore, no glorioso estado de Maryland.







Na foto, à esquerda, insuspeita família norte-americana que abrigou elemento criptocomunista; à direita, registro do plano diabólico encetado na Old Mill Sr. High School: servir feijoada aos colegas para provocar indigestão nos imperialistas.



Depois que voltei, durante os acalorados debates políticos que travava com meu pai, ele jocosamente dizia que eu tinha bebido a “água negra do imperialismo”, que é como a Coca-Cola chegou a ser chamada então.



Mas, voltando à minha vida de gringo, pude acompanhar de perto o fortalecimento do movimento neoconservador nos Estados Unidos. Ao contrário do que muitos imaginam, os neocons não formam um grupo homogêneo, hierarquizado e que se reúne semanalmente para tramar o fim do mundo. A gênese de uma das vertentes do movimento se deu lá atrás, nos anos 50, com a formação do Committee on the Present Danger (CPD), um lobby que desde os seus primórdios caçava inimigos internos e externos com o objetivo de justificar: 1) gastos militares; 2) combater as correntes isolacionistas da política americana, existentes nos dois maiores partidos.



A primeira vitória expressiva dos neocons se deu com a formação do chamado Team B, nos anos 70: um grupo que faria uma análise “independente” da ameaça soviética. O grupo pregava uma escalada armamentista e acusava funcionários de carreira do governo de serem “moles” com os comunistas (usando a técnica tradicional dos neocons, o assassinato de reputação).



Uma análise retrospectiva mostra que o relatório produzido pelo grupo continha projeções descabidas, mas que serviram perfeitamente à causa: convencer parcelas crescentes da opinião pública de que os Estados Unidos não deveriam buscar acomodação com os soviéticos, mas tinham a obrigação moral de “espalhar a democracia” (menos para as ditaduras aliadas dos Estados Unidos, que ninguém é de ferro).



Foi um avanço contínuo o dos neocons, que desaguou no controle quase completo do Partido Republicano e da máquina de governo durante o governo de Bush Jr. Grosseiramente, podemos dizer que eles trabalharam pela privatização da política externa e das próprias guerras que pregaram, ora contra os comunistas, ora contra Saddam Hussein, ora contra os islamofascistas, seja lá o que isso for. O importante é criar um inimigo, para justicar a destruição dele.



Abrigados em um emaranhado de think-tanks financiados pelos capitães da indústria, os neocons ocuparam espaço na mídia e disseminaram suas ideias através de seminários e grupos de trabalho paralelos à burocracia oficial. Pode-se dizer que nunca tão poucos, sem um voto sequer, conseguiram tanta influência sobre políticas públicas.



O que nos traz de volta a esse arremedo neocon tardio que é o Instituto Millenium, cujo objetivo central é atender aos interesses da minoria com “complexo de maioria”. Quem está vivo e percebe o que se passa à sua volta perceberá quantas vitórias os neocons brasileiros já obtiveram nos confrontos com o governo Lula através da formulação de crises midiáticas.



Na campanha eleitoral, o instituto é apenas a expressão mais vísivel de uma elite aturdida ao mesmo pelo desatamento de forças políticas que não controla, pela competição capitalista que ela nunca enfrentou e pelo capital internacional que não distingue Marinho de Xijuan, Civita de Suarez.



O Instituto Millenium é um lobby de luxo, com seus próprios intelectuais orgânicos, prontos a formular as teorias necessárias à preservação dos bons negócios.



Uma versão moderna e elegante da extorsão praticada pelos delegados da polícia política, que durante o regime militar brasileiro assustavam o empresariado com o perigo vermelho a fim de ganhar algum.



Se a ex-ministra Dilma Rousseff for eleita, ele se prestará não a um grande golpe, como o de 1964. Serão pequenos golpes, diários, em defesa de grandes negócios. Ah, sim, tudo em defesa da “democracia”, ainda que o objetivo difuso seja manter intacta esta nossa “democracia entre amigos”.



* O livro que ilustra este post pertenceu ao seo Azenha. Quando menino, eu me assustava quando homens armados invadiam minha casa em Bauru, em busca de literatura subversiva. Meu pai nos tranquilizava: “Eles vieram apenas cumprir a cota”, o que implicava em levar embora todos os livros de capa vermelha, independentemente do conteúdo. Coisas do Brasil.

Nenhum comentário:

Postar um comentário