No momento em que o senador Aloysio Nunes Ferreira (SP) expõe publicamente, via Twitter, a carência de um rumo claro para o seu PSDB, a professora americana Frances Hagopian, uma estudiosa dos partidos brasileiros, se arrisca a oferecer um norte aos tucanos: ocupar o espaço da centro-direita no espectro ideológico.
Para a professora Hagopian, se tucanos tiverem coragem podem se destacar na centro-direita Leonardo Soares/AE |
Hagopian não está sozinha. "Ela disse a verdade", endossou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ao ser informado pelo Estado da entrevista concedida pela americana.
"Acredito que eles (os tucanos) podem se destacar nesse espaço de centro-direita, se tiverem coragem para fazer isso", afirma a professora da Universidade Harvard. "Precisam mostrar o que fizeram, ser fiéis a si mesmos", completa ela, referindo-se às transformações capitaneadas pela PSDB na gestão FHC (1995-2002)
A receita, no entanto, não é nova, avisa ela. "Na Inglaterra, Tony Blair levou os trabalhistas para o centro e deixou os conservadores sem chão. No Chile, a Concertación criou uma ampla agenda que confundiu os partidos."
Em São Paulo, onde participou com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de um debate no Centro Ruth Cardoso, ela falou ao Estado semana passada: "Por toda parte há muita insatisfação com a política, mas isso é parte do jogo. As coisas ficaram assim por causa da rapidez da globalização. Não temos um governo mundial, mas temos uma economia mundial, em que as soluções nacionais são lentas e ineficazes". Click em mais informações e leia a entrevista
Há uma grande insatisfação, no Brasil, com os partidos e os políticos. O governo tem uma aliança de 14 partidos, manda demais, domina o Legislativo...
É a mesma queixa que se faz no Chile, em países da Europa, até nos Estados Unidos. Lá a Casa Branca envia uma reforma da saúde, ou leis para o meio ambiente, e elas ficam 18 meses, até mais, encalhadas. Isso de fato complica a democracia, pois os governos acabam não dando respostas a questões urgentes da sociedade. Mas acho que, no geral, a democracia amadureceu por aqui, está melhor do que há 20 anos. Os partidos, pelo menos os grandes, se fortaleceram. Refiro-me a dois ou três, os âncoras, com grandes bancadas e com presidenciáveis.
Um desses âncoras, o PSDB, vive um momento difícil. O PT incorporou as bandeiras da social-democracia e ele perdeu espaço, votos e o discurso. De que modo deveria reagir?
Nos anos 90, na Inglaterra, ocorreu o mesmo. Tony Blair levou o Partido Trabalhista para o centro e os conservadores ficaram sem chão – e isso durou 15 anos. Também no Chile se fez a Concertación e foi a mesma coisa. Isso é parte do jogo.
Mas aqui o PSDB precisa encontrar um rumo. De que modo?
O que a democracia social viveu aqui foi interessante. Por razões ideológicas, que eu entendi, o partido deu um primeiro passo à direita, para reformar o Estado. Perceberam que não dava para avançar em saúde ou educação com um Estado desestruturado, na bancarrota. Precisavam recuperar a solvência fiscal, vender as empresas de aço, depois outras, fazer uma reforma administrativa, a previdenciária. E veja, foi o PSDB que deu essa guinada para a centro-direita. Pois agora devia assumir o que fez, valorizar metas como os investimentos na infraestrutura, sanear o sistema fiscal. Acredito que eles podem destacar-se nesse espaço, de centro-direita, se tiverem coragem para fazer isso.
Mas uma guinada para a direita, por menor que seja, é política e eleitoralmente arriscada. No Brasil ‘é proibido’ ser de direita...
Não estou dizendo que um partido da social-democracia deva "se reinventar" como partido de direita. A coragem de que falo é para debater metas concretas, ousadas. Seria um bem para o País. O debate político aqui tem áreas de consenso, como melhorar a educação, que é tarefa urgente para se chegar à justiça social. Mas você pode ter um grande projeto, que inclua novas reformas, modernizar portos, atacar de fato toda a infraestrutura. Isso pode ser feito de diferentes maneiras, e uma delas é diminuindo o tamanho do Estado, para recuperar recursos e destiná-los, aí sim, às urgências sociais. Como se vê, estas são causas da social-democracia. Sei que isso nos leva a outra questão, que é a de definir o que é uma social-democracia em 2012. É um bom debate. Sabemos que ela é certamente diferente dos anos 90 ou dos anos 70. O País teria muito a ganhar abrindo essa discussão.
Como fica o PT nesse cenário?
O problema das esquerdas, como já se viu na Europa, sempre foi descobrir como se manter fiel às suas bases e moderar o discurso para ganhar eleições. O PT fez isso em 2002. No longo prazo, esse movimento para o centro pode matar sua identidade como partido de esquerda. Se isso se agravar, aparece outro partido de esquerda e lhe toma o lugar. A propósito, lembro-me de um artigo do Thomas Friedman, que veio ao Brasil e escreveu que Lula e FHC faziam uma dança do tipo nado sincronizado. E atribuiu essa dança à globalização.
Marina Silva tentou criar uma alternativa, em 2010, e chegou aos 20% do eleitorado. Há os indignados na Espanha e protestos de jovens por toda parte. Para a sra., o que isso representa?
Não acho que a crise seja no modelo político. Eu não ligaria os votos de Marina aos indignados da Espanha. Se há uma crise, é econômica, uma crise de globalização. Não temos um governo mundial, mas sim uma economia mundial. A economia muda mais rápido do que os governos conseguem regular. Pactos vão caindo e as pessoas se sentem inseguras. Mas não vejo como superar isso com políticas nacionais ou de partidos.
Enfim, a sra. acha que a insatisfação política no Brasil é apenas parte de uma crise maior?
Eu não acho que o Brasil esteja vivendo uma crise. Há diferenças de opinião, dentro da normalidade. E olhe que, hoje, a normalidade não é pouca coisa.
Gabriel Manzano e Roldão ArrudaNo Estadão
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