sábado, 6 de agosto de 2011



Obama: acordo não é o desejado, mas encerra longo processo

Apenas 48 horas antes da data fatídica, na qual o governo poderia deixar de cumprir suas obrigações financeiras, Obama informou que o acordo eleva o teto da dívida (atualmente de 14,3 trilhões de dólares) e propõe cortes de aproximadamente 2,5 trilhões nos gastos públicos, ao longo dos próximos dez anos. Embora não seja o acordo desejado, disse Obama, ele põe fim a um processo demasiadamente longo e desordenado. O artigo é de David Brooks, do La Jornada.

Após uma intensa negociação de última hora entre a liderança política suprema do país, o presidente Barack Obama anunciou na Casa Branca, em mensagem transmitida ao vivo ao mundo: líderes de ambos partidos em ambas câmaras conseguiram chegar um acordo que reduzirá o déficit e evitará a suspensão de pagamentos, que provocaria um efeito devastador sobre nossa economia. Apenas 48 horas antes da data fatídica, na qual o governo poderia deixar de cumprir suas obrigações financeiras, Obama informou que o acordo eleva o teto da dívida (atualmente de 14,3 trilhões de dólares) e propõe cortes de aproximadamente 2,5 trilhões nos gastos públicos, ao longo dos próximos dez anos. Embora não seja o acordo desejado, disse Obama, ele põe fim a um processo demasiadamente longo e desordenado.....



Obama convocou os legisladores a aprovar a proposta negociada nos próximos dias. O acordo terá que ser votado nas duas câmaras do Congresso e depois promulgado por Obama, processo que iniciará nesta segunda-feira. A duração deste processo dependerá das dificuldades em negociar votos suficientes para a aprovação do acordo, sobretudo na Câmara de Representantes. Ali, tanto legisladores democratas liberais [mais à esquerda, na linguagem política norte-americana] quanto republicanos ultraconservadores expressaram sua rejeição ao acordo firmado.

O acordo inclui uma primeira etapa de cortes de pouco menos de 1 trilhão de dólares nos gastos federais, e estabelece uma comissão bipartidária para recomendar outros 1,5 trilhões de dólares em cortes no orçamento, que serão aplicados mais trade por ação legislativa ou de maneira automática (se o Congresso falhar nesta ação), e que deverão afetar desde o gasto militar até os programas sociais.

Poucas horas antes, com os indícios de um acordo iminente, mudou o clima em Washington e Wall Street ao se perceber que a cúpula política estava finalmente a ponto de resolver o que quase se converteu em uma crise nacional. Os mercados financeiros começaram a responder de maneira positiva ante a expectativa do anúncio de um acordo e de uma votação legislativa sobre o assunto.

Mas as consequências políticas continuarão se manifestando daqui em diante. Após semanas de intensa disputa sobre o assunto, que alarmou os mercados financeiros e extenuou os cidadãos, o espetáculo político em Washington poderia ter severas consequências eleitorais tanto para o presidente Obama como para a liderança republicana. De fato, para alguns analistas, tudo o que ocorreu foi mais teatro político com fins eleitorais do que uma disputa em torno do assunto da dívida. Elevar esse teto é quase sempre um procedimento automático e ocorre em média quase duas vezes por ano desde 1940, sem que tenha se verificado nada parecido ao que aconteceu nesta ocasião, assinalam.

"O perigo que o déficit público representa é zero"

Em entrevista ao jornal Washington Post, o economista norte-americano James K. Galbraith, critica a receita ortodoxa que recomenda o corte de gastos públicos como maneira de enfrentar a crise. Para ele, trata-se de uma receita totalmente falaciosa e que está sendo imposta neste momento a vários países. "Isso está ocorrendo agora na Europa e é desolador. Exige-se que os gregos cortem 10% do gasto público em poucos anos. E se supõe que isso não afetará o PIB. É evidente que afetará. E estão obrigando a Espanha a fazer o mesmo", critica.

“A idéia de que as dificuldades de financiamento (do Estado) emanam dos déficits públicos é um argumento apoiado em uma metáfora muito potente, mas não nos fatos, não na teoria e não na experiência cotidiana.”

“A receita que se sugere agora, de que é possível cortar o gasto público sem cortar a atividade econômica é completamente falaciosa. Isso está ocorrendo agora na Europa e é desolador. Exige-se que os gregos cortem 10% do gasto público em poucos anos. E se supõe que isso não afetará o PIB. É evidente que afetará. E afetará de uma maneira tal que eles não terão os ingressos fiscais necessários para financiar sequer um nível mais baixo de gasto público. E estão obrigando a Espanha a fazer o mesmo. A zona do euro caminha para o abismo.”


Um dos principais economistas de nosso tempo destrói sem contemplações o mito do déficit público e zomba da incompetência de seus colegas. Ezra Klein entrevistou James Galbraith para o jornal Washington Post. Reproduzimos a entrevista abaixo:

WP - Você acredita que o perigo representado pelo déficit no longo prazo está sendo superestimado pela maioria dos economistas e jornalistas econômicos?

JG - Não. O que eu acredito é que o perigo é zero e não que esteja sendo superestimado. Essa questão está muito mal posta.

WP - Por que?

JG - Qual é a natureza do perigo? A única resposta possível é que este déficit maior possa causar um aumento das taxas de juro. Bem, se os mercados achassem que isso representa um risco sério, as taxas de juro sobre os bônus do Tesouro a 20 anos não seriam de 4% e começariam a mudar agora mesmo. Se os mercados pensassem que as taxas de juro sofrem pressões por problemas de financiamento daqui a dez anos, isso se refletiria já em um aumento dos juros para os bônus de 20 anos. O que tem ocorrido, ao invés disso, é que os juros têm baixado em conseqüência da crise européia.

Assim, há duas possibilidades. Uma é que a teoria está equivocada. A outra é que o mercado é irracional. E se o mercado é irracional, não faz sentido desenhar uma política para adequar-se aos mercados, porque não cabe adequar-se a uma entidade irracional.

WP - Mas por que a maioria de seus colegas está tão preocupada com isso então?

JG - Aprofundemos um pouco os prognósticos do Escritório Orçamentário do Congresso. Trata-se de um conjunto de projeções. Uma delas é que a economia voltará a níveis normais de elevado emprego com baixa inflação nos próximos dez anos. Se é verdade, seriam notícias muito boas. Algumas linhas abaixo, vemos que também prevêem taxas de juro de curto prazo em alta até 5%.

O que gera esses prognósticos de enormes déficits futuros é esta combinação entre taxas de juro altas no curto prazo e inflação baixa. E esses prognósticos se baseiam na suposição de que os custos da assistência de saúde crescerão para sempre a uma taxa maior do que qualquer outra coisa, e também na suposição de que os juros de devolução da dívida representarão algo entre 21 e 25% do PIB.

Neste ponto, a coisa se torna completamente incoerente. Não se pode passar cheques para todo o mundo sem que o dinheiro entre na economia e aumente o emprego e a inflação. E se isso ocorre, então a proporção da dívida em relação ao PIB tem de decrescer, porque a inflação afeta o volume de nossa dívida. Todas essas cifras hão de se agrupar numa história coerente, e os prognósticos do Gabinete Orçamentário do Congresso não a oferece, de maneira que qualquer coisa que se diga, baseada neles é, falando estritamente, sem sentido.
WP – Não poderia haver um meio termo entre o levantamento do Gabinete Orçamentário do Congresso e a idéia de que a dívida não representa problema algum? Parece claro, por exemplo, que os custos da assistência em saúde seguirão crescendo mais rapidamente que os outros setores da economia.

JG – Não. Não é razoável. A proporção dos custos da assistência em saúde em relação ao PIB e a inflação cresceriam até que a taxa de inflação se aproximasse da assistência em saúde. E se a assistência em saúde se tornar tão cara terminemos pagando 20% do PIB, enquanto outros pagam 12%, poderíamos comprar Paris e todos os seus médicos e trasladar nossos idosos para lá.

WP – Mas deixando de lado a inflação, por acaso o hiato entre receitas e despesas não teria outros efeitos perversos?

JG – O fato de que não tenhamos financiado previamente nosso orçamento militar trouxe consigo alguma consequência terrível? Não. Há uma só autoridade orçamentária e creditícia, e a única coisa que importa é o que esta autoridade paga. Suponha que eu seja o governo federal e queira pagar a você, Ezra Klein, um bilhão de dólares para construir um porta-aviões. O que faço é transferir dinheiro para sua conta bancária. O Banco Central preocupar-se-á com isso? Terá que se preocupar com o IRS [Internal Revenue Service, a Receita Federal dos EUA]? Para gastar, o governo não precisa de dinheiro: isso é tão óbvio como que uma pista de boliche não descarrilha.

O que preocupa as pessoas é que o governo federal não seja capaz de vender títulos da dívida. Mas o governo federal não pode nunca ter problemas para vender sua dívida. Ao contrário. O gasto público é o que cria demanda bancária de títulos da dívida, porque os bancos querem rendimentos maiores para o dinheiro que o governo põe na economia. Meu pai dizia que o processo é tão sutil que a mente se bloqueia perante sua simplicidade.

WP – Que implicações políticas isso tem?

JG – Que deveríamos nos focar nos problemas reais e não nos fictícios. Temos problemas graves. O desemprego está em 10%. Muito melhor seria se nos dispuséssemos à tarefa de desenvolver políticas de emprego. E podemos fazê-lo, imediatamente. Temos uma crise energética e uma crise climática urgentes. Deveríamos nos dedicar durante toda uma geração a enfrentar esses problemas de um modo que nos permita reconstruir paulatinamente o nosso país. Do ponto de vista fiscal, o que há que se fazer é inverter a carga tributária, que atualmente é sustentada pelos trabalhadores. Desde o começo da crise eu venho defendendo uma isenção fiscal temporária, de modo que todos experimentem um incremento em suas rendas líquidas e possam encurtar suas hipotecas seria uma coisa boa. Também há que se incentivar aos ricos para que reciclem seu dinheiro, e por isso estou a favor de um imposto sobre os bens imóveis, um imposto que tradicionalmente tem beneficiado enormemente as nossas maiores universidades e a organizações filantrópicas sem fins lucrativos. Essa é uma diferença entre a Europa e nós.

WP – Bem, creio que isso responde a minhas perguntas.

JG - Mas eu ainda tenho mais uma resposta! Desde 1970 com que frequência o governo deixou de incorrer em déficit? Em seis curtos períodos, todos seguidos de recessão. Por que? Porque o governo necessita do déficit; é a única maneira de injetar recursos financeiros na economia. Se não se incorre em déficit, o que se faz é esvaziar os bolsos do setor privado. No mês passado estive num congresso em Cambridge em que o diretor executivo do FMI disse ser contrário aos déficits e partidário do arrocho fiscal: mas ambas são a mesma coisa! O déficit público significa mais dinheiro nos bolsos privados.

A forma como agora se sugere o corte de gastos sem retrair a atividade econômica é completamente falaciosa. Agora mesmo isso é desolador na Europa. Exige-se dos gregos que cortem 10% do gasto em poucos anos. E se supõe que isso não afetará o PIB. Evidentemente que o fará! De tal maneira que não disporão de receitas fiscais necessárias para financiar sequer o nível mais baixo de gasto. Ontem obrigou-se a Espanha a fazer o mesmo. A zona do euro está num despenhadeiro.

Por outro lado, olhe para o Japão. O país teve déficits enormes ininterruptos desde o crash de 1988. Qual foi a taxa de juros da dívida pública japonesa desde então? Zero! Não tiveram o menor problema em financiar-se. O melhor ativo que se pode possuir no Japão é o dinheiro a vista, porque o nível dos preços cai. Te dá um rendimento de 4%. A idéia de que as dificuldades de financiamento se originam nos déficits é um argumento sustentado numa metáfora muito potente, mas não nos fatos, não na teoria e não na experiência cotidiana.
James K. Galbraith é profesor de economia na Lyndon B. Johnson School of Public Affairs, da Universidade do Texas, em Austin.

Entendendo a "Guerra de Longa Duração" dos EUA

O Iraque é apenas um front imediato, com o Afeganistão e o Paquistão sendo fronts expandidos, numa única guerra maior, do Oriente Médio para o Sul da Ásia. No lugar de pensar no Iraque como o Vietnã, uma guerra que definitivamente acabou, é melhor pensar no Iraque como um atraso ou um impasse num campo de batalha mais amplo, onde a vitória ou a derrota são dolorosamente duras para definir, ao longo de um intervalo de tempo de cinco décadas. A análise é de Tom Hayden.

O conceito de “Guerra de Longa Duração” é atribuído ao ex-comandante da CENTCOM [United States Central Command], General John Abizaid, num discurso em 2004. O líder da contra-insurgência no Iraque, combatente veterano e agora encarregado do Centro por uma Nova Segurança Americana[Center for a New American Security] escreveu que “há um entendimento crescente de que os conflitos mais prováveis dos próximos cinquenta anos serão de conflitos irregulares num “Arco de Instabilidade” que abrange o Oriente Médio e partes da África e da Ásia Central e Sul”. O Relatório Quadrienal de Defesa (2005) do Pentágono atribui uma maior ênfase à luta contra o terrorismo e às insurgências nesse “arco de instabilidade”. O Centro para o Progresso Americano repete essa formulação, argumentando por um aumento das tropas e pela permanência por dez anos no Afeganistão, dizendo que a “infraestrutura da jihad” deve ser destruída “no centro do 'arco de instabilidade' ao longo do Sul e do Centro da Ásia e no grande Oriente Médio”.

As implicações dessa doutrina são assombrosas. A própria noção de guerra de 50 anos supõe o consenso do povo estadunidense, que ainda tem de ficar sabendo do plano, pelas próximas seis eleições nacionais. O peso da carga de 50 anos surpreenderá e consternará muita gente do movimento antiguerra. A maioria dos estadunidenses vivos hoje estará morta antes que a guerra de 50 anos tenha fim, se tiver. Os mais novos, nascidos hoje, terão atingido a meia-idade. Gerações ainda não-nascidas arcarão com o peso dos impostos ou lutarão e morrerão nessa “guerra irregular”.

Há uma chance, é claro, de se evitar a Longa Guerra. Ela pode ser um produto insustentável do excesso de autoconfiança imperial. A opinião pública pode se encher com o atoleiro de uma guerra e com seus custos – mas só se houver um comprometimento de 50 anos do movimento pacifista.

Desde essa perspectiva, o Iraque é apenas um front imediato, com o Afeganistão e o Paquistão sendo fronts expandidos, numa única guerra maior, do Oriente Médio para o Sul da Ásia. No lugar de pensar no Iraque como o Vietnã, uma guerra que definitivamente acabou, é melhor pensar no Iraque como um atraso ou um impasse num campo de batalha mais amplo, onde a vitória ou a derrota são dolorosamente duras para definir, ao longo de um intervalo de tempo de cinco décadas.

Eu proponho começar com o exame das doutrinas militares que deram origem às noções de Guerra de Longa Duração. O movimento pacifista frequentemente adota o ditado bíblico “não estudar mais a guerra”, mas neste caso pode ser útil nos tornarmos estudantes de estratégias e táticas militares. (Aqueles que estiverem interessados em se tornar estudantes da teoria da Guerra de Longa Duração podem consultar a bibliografia no fim deste ensaio).

1. A Nova Contra-Insurgência é um Retorno às Guerras contra os Índios
No artigo “A Nova Contra-Insurgência”, que publiquei em 24 de setembro de 2007 em The Nation, eu escrevi que o plano de Petraeus para o Iraque era tão velho como o nosso plano das longas guerras contra os índios. Essa tese foi confirmada nos textos do neoconservador Robert Kaplan, no seu artigo de 21 de setembro de 2004, no Wall Street Journal, “Nação de Índios” [Indian Country].

Kaplan é obsecado com a desagregação anárquica das sociedades de bases tribais no mundo pós-colonial, e enfatiza a necessidade de pequenas guerras, “fora das câmeras”, por assim dizer. Kaplan endossa a opinião de um oficial dos EUA, segundo a qual “você pretende prender os caras do mal discretamente e encobrir seus ataques com projetos de ajuda humanitária”. A comparação que Kaplan faz entre a atual Guerra de Longa Duração e nossa guerra contra os índios é que os “inimigos” são nações tribais altamente descentralizadas que tiveram de ser derrotadas numa campanha atrás da outra. Ele sabe que a guerra convencional contra os índios das Grandes Planícies e das tribos do oeste foi uma estratégia insustentável e que os povos nativos foram esmagados pela logística abundante dos colonos brancos e pela tecnologia superior, como as estradas de ferro.

2. A Estrutura da Estratégia Militar: a Longa Guerra de 50 anos

Assim como as guerras contra os índios, vencer a Guerra de Longa Duração requer angariar vantagens nos postos mais profundos dessas sociedades tribais, nos aspectos de religião, etnicidade, raça e geografia. Os esforços de muitos líderes indígenas para formar uma confederação efetiva contra a expansão dos EUA nunca deram certo. Por outro lado, as estratégias do exército norte-americano de pagar tribos para implementar “sistemas de segurança” que iriam manter informados e combater outras tribos foi bem-sucedido. A principal estratégia das Guerras de Longa Duração é atrair um grupo étnico ou tribal para combater seus rivais, em benefício do ocupante estrangeiro. Nagl previu, acuradamente, que “vencer a vontade do povo iraquiano de se voltarem para seus vizinhos terroristas marcará o ponto de virada na derrota da insurgência”.

A contra-insurgência é apresentada ao público como uma forma mais civilizada, e mesmo intelectual, de guerra, dirigida pelos profissionais da Liga Ivy, com uma ênfase específica nos direitos humanos, na persuasão política e na proteção dos inocentes. Todo civil insultado pela derrubada de uma porta, quer dizer, é causa perdida, então se cria um motivo militar para serem respeitosos com as populações locais. O novo manual do exército dos fuzileiros é cheio de sugestões desse tipo.

Porém, esses tratamentos dos “corações e mentes” subestimam o que o vice-presidente Dick Cheney chamou de uso “do lado obscuro” [dark side]. Antes de voltarem para a sua vizinhança, para usar a imagem de Nagl, o exército de ocupação deve ser visto como derrotando essas “vizinhanças”, matando e ferindo os supostos insurgentes em número significativo; enfraquecendo ou destruindo a infraestrutura nas suas cidades, e criando um êxodo de refugiados (no Vietnã isso ficou conhecido como “urbanização forçada”, um termo do tardio professor de Harvard, Samuel Huntington). Enquanto isso, a população considerada “amistosa” é firmemente resguardada, no que costumam ser chamado de hamlets estratégicos e, no Iraque, tornaram-se conhecidos como “comunidades porta de entrada”: por trás dos arames farpados, muros malditos e torres de observação, e com todos sujeitos a controle de câmeras. As linhas entre o inimigo, o amigo e o neutro, nesse contexto, são fluídas o suficiente para garantir que muita gente será alvo descuidadamente, como simpatizantes “incorrigíveis” com os insurgentes. Traçar perfis e cercar pessoas que “tenham o tipo” leva aos campos de prisioneiros indivíduos fichados sem qualquer evidência aproveitável contra eles. Como disse um militante talibã ao New York Times, talvez ultra-confidencialmente:

“Eu conheço o experimento de Petraeus lá. Mas conhecemos os nossos afegãos. Eles vão pegar o dinheiro do Petraeus, mas não estarão do seu lado. Há muita gente trabalhando com os afegãos e os estadunidenses que estão na sua folha de pagamento, mas eles nos informam, vendendo-nos armas.” (5 de maio de 2009)

A verdade é que a guerra convencional travada pelas tropas estadunidenses contra as nações muçulmanas é politicamente impossível, por duas razões que sugerem uma fraqueza inerente. Em primeiro lugar, a população local se inflama contra estrangeiros, criando melhores condições para a insurgência. Em segundo, os estadunidenses são céticos a respeito de guerra no solo envolvendo baixas imensas, custos e possivelmente o recrutamento militar. A contra-insurgência se torna o rompimento da opção militar do ocupante que não é bem-vindo. A contra-insurgência tem baixa visibilidade de necessidade, dependendo da dissimulação psicológica e da guerra de informações, tanto no exterior como em casa.

3. O que aconteceu no "Dark Side" no Iraque
No Iraque, o lado obscuro foi envolvido primeiro no biênio 2003-2004, sob o patrocínio dos EUA, nas rondas e nas torturas, só vazadas para a opinião pública e para a mídia por um sentinela estadunidense em Abu Ghraib.

Além disso, algo como 50 000 jovens iraquianos, a maioria sunita, foi posta em condições extremas nos centros de detenção ao longo do país (alguns deles agora estão sendo libertados depois do pacto negociado entre Bagdá e Washington). Então, houve as matanças extrajudiciais não-reportadas e ultra secretas, descritas assombrosamente por Bob Woodward no seu “A Guerra por Dentro” [The War Within], que foram tão efetivas que supostamente deram “orgasmos” ao principal assessor do General Petraeus, Derek Harvey. Woodward escreve que essas matanças nas quais o Pentágono era o juiz, o juri e o executor, baseadas pesadamente em informantes locais, foram “muito provavelmente o maior fator de redução” da violência iraquiana em 2007. É provável que estivesse acontecendo uma versão revivida dos esquadrões da morte na versão de um “Programa Global Phoenix”, como advogou o assessor de contra-insurgência do General Petraeus, David Kilcullen, no Small Wars Journal (30 de novembro de 2004). Jane Mayer, em The Dark Side, confirma que o [Programa] Phoenix se tornou um modelo depois do 11 de Setembro, a despeito do fato de que os historiadores militares chamem-no de assassinato em massa sancionado pelo estado, e da clara evidência de que 97% das suas vítimas Vietcongs eram de “importância insignificante”.

É ainda muitíssimo mais conhecido que o General Petraeus reduziu a insurgência sunita quando contratou uns 100 000 sunitas, a maioria ex-insurgentes, para protegerem as comunidades deles e para combaterem a Al Qaeda no Iraque. Isso estava de acordo com a estratégia de outro assessor próximo do General Petraeus, Steven Biddle, em 2006:

“Usar os interesses das forças xiitas e curdas treinadas e financiadas pelos EUA para compelir os sunitas à mesa de negociações a fim de que também os xiitas e curdos negociem poderia levar ou a um levante, prematuramente, um movimento que conduziria o país à desordem ou de volta ao sunitas” (Foreign Affairs, Março-Abril 2006). 

Agora, esses assim chamados “Filhos do Iraque”, antes conhecidos como “Kit Carson Scouts” estão cada vez mais frustrados com a recusa do governo al-Maliki, bancado pelos EUA, de integrá-los na estrutura estatal, pagando-lhes salários decentes. Não está claro o que o futuro guarda para o Iraque quando as tropas norte-americanas começarem a retirada. Alguns quadros militares, talvez inclusive o General Raymond Odierno, estão sabidamente insatisfeitos com o ritmo da retirada, e negociam com o governo do Iraque um atraso no prazo de seis meses para reposicionar as tropas americanas para acampamentos fora das cidades iraquianas. Parece que nem a guerra convencional (2003-2006) nem a contra-insurgência (2006-2009) resolveram o problema fundamental da pacificação do nacionalismo insurgente, mobilizado pela própria invasão de 2003.

No Iraque, a estratégia dos EUA foi a de acelerar o relógio iraquiano enquanto reduzia a velocidade do americano, como Petraeus gostava de dizer. Isso significava a aceleração de um compromisso político entre xiitas, sunitas e curdos, seguindo a linha do Relatório Baker-Hamilton de 2007, enquanto se esfriava a impaciência do eleitorado estadunidense com promessas de que a paz estava bem próxima das eleições de 2008. Foi por volta desse período que o Centro para uma Nova Segurança da América [Center for a New American Security, em inglês] - CNA se formou, com defensores democratas da segurança nacional profundamente preocupados com a possibilidade de que o eleitorado pudesse decidir terminar a guerra “prematuramente”.

Uma peça importante no CNA foi Michelle Flournoy, que foi indicada pelos veteranos do Pentágono para a equipe de transição de Obama e agora serve como Sub-Secretária de Defesa. Contrariamente a muitas perspectivas no movimento antiguerra e no Partido Democrata, a operação de Petraeus em 2007-2008 foi bem sucedida na sua missão política de reduzir bruscamente as baixas, tanto norte-americanas como iraquianas. Contudo, a operação militar dos EUA incluiu a onda de terror extrajudicial em massa, sobre a qual Woodward escreveu, assim como o pagamento a dezenas de milhares de sunitas para não atirarem nas tropas americanas. Nenhuma dessas coisas pode ser levada em conta para estabilizar o Iraque no longo prazo.

No final de 2008 a administração Bush foi forçada a aceitar o que o governo al-Maliki descreveu como “pacto de retirada”, de acordo com o qual os EUA iriam retirar gradualmente suas tropas no máximo até 2011. À medida que as forças dos EUA não “venceram” a guerra militarmente, há pouca evidência de que o Iraque irá se tornar um modelo estável pró-ocidente que alguns buscam para a sua Guerra de Longa Duração. Mesmo que uma outra insurgência ou guerra civil seja evitada, o Iraque estará alinhando aos interesses regionais do Irã por algum tempo no próximo período. O presidente Obama estará sob forte pressão dos oficiais das Forças Armadas dos EUA no Iraque e dos seus aliados, como os neoconservadores em Washington, para retardar sua prometida retirada, ou será acusado de “perder” o Iraque.

As forças de segurança do Iraque consistem agora de 600 000 soldados, incluindo 340 000 membros de uma organização xiita maior, frequentemente descrita como sectária ou incompetente. Atualmente os EUA continuam a enfrentar o dilema descrito por James Fallows em 2005:

“A necessidade crucial de aumentar a segurança e a ordem no Iraque põe os EUA numa posição impossível. Não pode deixar honrosamente o Iraque – em oposição à simples evacuação no estilo Saygon – enquanto seus militares tiverem de providenciar força humana, armas, sistemas de inteligência e estratégicas usadas contra a insurgência. Mas não pode, de uma perspectiva sensata, permanecer, quando a mera presença de suas tropas é um fator de irritação crescente do público iraquiano e um ponto de convergência para os oponentes nacionalistas – para não falar da crescente pressão dentro dos EUA pela retirada”. 

4. A Guerra de Longa Duração se move do Iraque para o Afeganistão e o Paquistão

As mesmas estratégias de contra-insurgência estão sendo transferidas para o Afeganistão e o Paquistão, com as tropas batendo o nível de 70 000, fazendo com que a totalidade das forças ocidentais alcancem níveis cada vez mais próximos do declínio total no Iraque. No Afeganistão, as forças estadunidenses expandidas vão se concentrar na destruição dos campos de papoula e nas cidades dominadas pelos talibãs no sul de Kandahar e nas províncias Helmund, uma estratégia de privação de recursos que vem das guerras contras os índios. Muitos americanos estão na expectativa de serem mortos ou feridos nesse esforço para assegurar e manipular a população rural contra o Talibã. Muitos talibãs provavelmente serão mortos entre os civis locais, enquanto seus dirigentes militares se retiram para se reposicionarem em outro lugar.

A prisão Bagram está sendo maciçamente estendida, ao passo que as ordens do presidente Obama para as instalações de detenção de Guantánamo não se aplicam. Bagram agora conta com aproximadamente 600 prisioneiros que, diferentemente daqueles de Guantánamo, têm “quase nenhum direito”, inclusive o de acesso a advogados. “Militantes dos direitos humanos e jornalistas são estritamente proibidos lá”, de acordo com a reportagem de 28 de janeiro de 2009 do Der Spiegel International.

De acordo com o relatório da RAND, usando os dados do Banco Mundial, o Afeganistão ocupa talvez a posição mais baixa no ranking dos sistemas de justiça no mundo. “Em comparação com outros países na região – como o Irã, Paquistão, Rússia, Tadjiquistão, Turcomenistão e Urbequistão – o sistema judicial afegão mostrou-se como um dos menos efetivos”. Bagram é apenas uma das muitas instalações de detenção em todo o país; o Talibã “libertou” mais de 1000 presidiários, inclusive 400 dos seus quadros militares, da prisão de Kandahar agora no ano passado.

A teoria da contra-insurgência, baseada na experiência britânica na Malásia, requer um período de dez a vinte anos para impor sofrimento suficiente e exaustão que forcem a população a aceitar os termos de paz do poder dominante. Esse é precisamente o calendário apresentado por Kilcullen perante o Senador John Kerry na Comissão das Forças Armadas do Senado em 5 de fevereiro:

“[Levará] dez a quinze anos, inclusive mais dois anos de combates significativos no front...trinta mil soldados a mais no Afeganistão custarão algo como 2 bilhões de dólares por mês, além dos aproximadamente 20 bilhões que já foram gastos; esforços adicionais em governo e desenvolvimento custarão ainda mais....[mas] se falharmos na estabilização do Afeganistão neste ano, não haverá futuro.”

Kilcullen e outros apoiam o plano atual de expandir o total das forças de segurança do Afeganistão de 80 000 para um total de 400 000, custando 20 bilhões de dólares ao longo de seis ou sete anos.

No Paquistão, onde a tortura e o abuso extrajudicial também são prevalentes, os EUA gastaram 12 bilhões de dólares, ao longo da última década, numa ditadura de [Musharraf], um décimo do que foi gasto nos projetos de desenvolvimento. Essas políticas só aprofundam o anti-americanismo das nações muçulmanas, alienam a oposição de classe média e deixam os pobres infestados na pobreza. Além desses problemas auto-impostos, o Pentágono está engajado num esforço frenético e crescente para mudar a doutrina de estratégia militar do Paquistão, da preparação para uma outra convencional (ou mesmo nuclear) guerra contra a Índia à guerra de contra-insurgência contra o Talibã escondido no seio de sua própria população do país, especialmente nas áreas extremamente empobrecidas da fronteira com o Afeganistão.

A probabilidade de que os EUA convençam o Paquistão a enxergar a ameaça doméstica como maior do que aquela que vem da Índia é duvidosa. O Paquistão lutou três guerras contra a Índia, e vê os EUA como aliado da expansão dos interesses da Índia no Afeganistão, onde o exército do Paquistão tem apoiado o Talibã como aliado contra a Índia. As forças da Aliança do Norte dos Tajiks, Hazaras e Uzbeks foram fortemente apoiadas pela Índia em 2001 contra os aliados paquistaneses do Talibã, e a queda de Cabul para a Aliança do Norte foi uma “catástrofe” para o Paquistão, de acordo com Juan Cole. Desde 2001, a Índia enviou centenas de milhões em assistência ao Afeganistão, inclusive fundos para os candidatos políticos afegãos em 2004, assistência a parlamentares com assento, Consulado Indiano em Jalalabad, Heart e Kandahar, e projetos de construção de rodovias, de acordo com o governo indiano, para ajudar às forças armadas do país a “encontrarem suas necessidades estratégicas”.

Pesquisas mostram que uma vasta maioria de paquistaneses vêem os EUA e a Índia como ameças muitíssimo maiores do que o Talibã, a despeito da impopularidade do Talibã com boa parte da população paquistanesa. Enquanto for improvável que o Talibã chegue ao poder no Paquistão, pode ser impossível para quem quer que seja impedir o controle pelo Talibã das áreas tribais e de uma crescente base dentre as tribos Pashtun (28 milhões no Afeganistão, 12 milhões no Paquistão).

As opções que restam começam a fazer com que os EUA pareçam Gulliver amarrado dentre os Lilliputianos.

Os EUA vão solicitar que as forças armadas paquistanesas combatam o Talibã, cujos militares estadunidenses introduziram no Paquistão. O Paquistão vai pedir bilhões de dólares em ajuda aos EUA, sem dar garantias de que mudarão seus dispositivos de segurança de acordo com a vontade de Washington. Os EUA deixarão claro que irão às últimas consequências para evitar um cenário no qual o arsenal nuclear do Paquistão caia nas mãos do Talibã. Ninguém do lado dos EUA admite que esse desastre em espiral foi provocado pelas políticas dos EUA ao longo da última década.

5. O Atoleiro de Crises
Em suma, o “arco de crises” está se tornando um “atoleiro de crises”. A atual estratégia militar dos EUA no Paquistão é uma mistura contraditória de guerra aérea de aviões não-tripulados [“Predators”] combinada com forças especiais estadunidenses tentando organizar uma guerra tribal em busca da Al Qaeda. As políticas dos EUA já levaram a Al Qaeda para fora do Afeganistão, em parte com apoio do exército paquistanês. Como resultado, tanto os militantes da Al Qaeda como os do Talibã montaram acampamento nas áreas tribais mais remotas e selvagens do Paquistão. Até agora os EUA orçaram 450 milhões de dólares para a base tribal “Frontier Corps” na região de fronteira. Essa estratégia não apenas fracassou em evitar que o Talibã tenha o controle virtual da região tribal, como os esforços que mataram centenas de civis provocaram um aprofundamento da oposição pública, e levaram a insurgência talibã para o leste, no Paquistão.

Os EUA enfrentam uma crise militar que a secretária Hillar Clinton chamou recentemente de “uma ameaça mortal” à segurança americana; a possibilidade de que o Talibã ou a Al Qaeda acessem o arsenal nuclear paquistanês, na hipótese de que a situação venha a se deteriorar mais adiante. Isso gerará uma intensa campanha política para “fazer alguma coisa” a respeito da verdadeira ameaça que as políticas dos EUA criaram.

Os EUA e a OTAN dificilmente invadirão o Afeganistão, que tem 32 milhões de pessoas espalhadas em 250 milhas quadradas a mais do que o Iraque. O Paquistão, com 172 milhões de pessoas vivendo em mais de 310 000 milhas quadradas, simplesmente não pode ser invadido. Mas, numa crise, é concebível que conselheiros americanos e mesmo tropas terrestres possam ser enviados para ocupar 10 000 milhas quadradas no lado paquistanês da fronteira. Isso pode resultar numa revolução anti-americana nas ruas do Paquistão.

Então, o que a contra-insurgência obteve até agora? Na melhor das hipóteses, um beco sem saída no Iraque, depois de seis anos de combate, além de uma década brutal de sanções. Não muito no Afeganistão, onde a guerra convencional empurrou a Al Qaeda para a fronteira com o Paquistão. Não muito no Paquistão, onde o exército paquistanês é resistente a mudar seu foco principal da Índia.

O plano de guerra de Kilcullen para o Afeganistão cobre de dez a doze anos, começando em 2009. A guerra no front paquistanês está só começando, o que significa que a administração Obama está administrando três guerras no interior da Guerra de Longa Duração, sem levar em conta as batalhas campais como a das Filipinas ou o que pode acontecer no Irã, China e outros lugares de conflito ao longo do Arco de Instabilidade. Hpa gente na comunidade de inteligência que iria inclusive gostar de expandir a ameaça “terrorista” a imigrantes e rotas de drogas pela América Central e na América Latina.

Mesmo que o Presidente Obama deseje levar a cabo uma estratégia de recuo dos “lamentos do império”[Sorrows of Impire], ele vai se deparar com a pressão significativa do complexo militar-industrial, e com a falta de um público informado. O caminho de menor resistência, pode parecer a Obama no curto prazo, é incrementar o envio (mandando 20 000 estadunidenses a mais), enquanto encaminha passo a passo a busca por uma emenda diplomática. Mas aumentar o envio de tropas pode parecer mais um drink para um alcoolista, e mesmo que essa estratégia requeira um passo atrás na doutrina da Guerra de Longa Duração. Os “falcões” do American Enterprise Institute e seus aliados, como John Mc Cain e Joe Lieberman estão pressionando pela vitória no lugar de salvar as aparências diplomáticas.

As motivações profundas dessa crise certamente envolvem a questão americana e ocidental do petróleo, as desigualdades históricas entre o Norte e o Sul globais, o Ocidente e o mundo muçulmano. Mas é importante enfatizar a dimensão da estratégia militar, particularmente a visão estratégica diretriz da guerra de cinquenta anos. Agora, a Guerra de Longa Duração tem impulso por conta própria. O impacto da Guerra de Longa Duração sobre outras prioridades americanas, como a saúde e as liberdades civis é provavelmente devastador. À medida que muitos estadunidenses, especialmente os militantes dos movimentos de paz e justiça estiverem atentos às questões domésticas e às questões gerais da paz e da guerra, é importante começar se concentrando no grande déficit do entendimento popular de que a Guerra de Longa Duração já está aqui, erguendo-se sobre a dinâmica da anterior guerra fria e da nomenclatura da era Bush relativa à “guerra contra o terror”.

Continua...Pensamentos sobre o Movimento Pacifista de Longa Duração.

Bibliografia e Leituras
Os velhos clássicos. Para quem tem muito tempo eu recomendaria Sun Tzu e Carl Von Clausewitz, para uma introdução a doutrinas opostas, ainda estudadas intensamente.

Para o clássico Ocidente dominando o Mundo Árabe, T.E.Laurence: “The Seven Pillars of Wisdom”.

Os clássicos recentes incluem:Che Guevara e Mao Tse-Tung. No lado Ocidental, sugiro os textos “Defeating Communist Insurgency”, de Sir Robert Thompson; Low Insurgency Operations, de Frank Kitson; Counterinsurgency Warfare, de David Galula; The War of the Flea, de Robert Taber e o lento mas brilhante estudo da Algéria de Alistair Horne, A Savage War of Peace.

Para trabalhos de importância imediata: John Nagl, Learning to Eat Soup with a Knife (a frase vem de Lawrence); e David Petraeus, Nagl et al, The US Army/Marine Corps Counterinsurgency Field Manual (em colaboração com o Centro Caar de Harvard). Um brilhante contraponto a esses trabalhos é William R. Polk Violent Politics (ver também o seu Sorrows of Empir – [Lamentos do Império]).

Livros importantes sobre a Al Qaeda e o Islã, ver The Devil's Game [O jogo do diabo], de Robert Dreyfuss, Al Qaeda, de Jason Burke, Marching to Hell, de Michael Scheuer; Messages to the World: The Statements of Osama Bin Laden, de Bruce Lawrence, ed. E The Taliban, de Ahmed Rashid.

Outros livros decisivos incluem Ressurrecting Empire e Sowing Crisis, de Rashid Khalidi; Engaging the Muslim World, de Juan Cole; Insurgency and Counterinsurgency in Iraq, de Ahmed Hashim; Good Muslim, Bad Muslim, de Mamood Mamdani; The Duel, de Tariq Ali, e Descent into Chaos, de Rashid Khalid.

Para seguir as discussões dentre os estrategistas de segurança dos EUA, vá ao blog www.smallwarsjournal.com ou ao Center for American Progress: www.centerprogress.org

(*) Ex-senador e membro do Nation Institute's Carey McWilliams, desempenhou um papel ativo na política estadunidense e na história, ao longo de três décadas, começando como estudante, militante dos direitos civis e ativista antiguerra nos anos 60.

“Tom Hayden mudou a América”, escreveu Nicholas Lemann, correspondente nacional para o The Atlantic, a respeito do papel de Hayden nos anos 60. Richard Goodwin, autor dos discursos de John Kennedy e Lyndon Johnson, disse que Hayden “mesmo sem saber, inspirou a alta sociedade”. Hayden foi eleito para a legislatura estadual da Califórnia em 1982, onde atuou por dez anos na Assembléia antes de ser eleito para o Senado, em 1992, onde atuou por oito anos.

Tem sido descrito como “a consciência do Senado” pelo colunista Dan Walters do Sacramento Bee, e como “o rebelde liberal”, por George Skelton, do Los Angeles Times. “Ele imprimiu uma marca ao papel de cão de guarda”, de acordo com o San Francisco Chronicle.

É autor de onze livros, incluindo sua autobiografia, Reunion; um livro sobre espiritualidade e meio ambiente, Lost Gospel of the Earth [O Evangelho Perdido da Terra]; Uma coleção de ensaios a respeito da fome dos irlandeses, Irish Hunger (Roberts Rhinehart) e um livro sobre sua herança irlandesa, Irish on the Inside: In Search of the Soul of Irish America (Verso); Radical Nomad, uma biografia de C.Wright Inside (Paradigm Publishers); e, mais recentemente, Ending the War in Iraque (2007). Uma coletânea do seu trabalho, Writings for a Democratic Society: The Tom Hayden Reader, foi publicada neste ano.

Este artigo foi publicado em The Nation em 7 de maio de 2009

A rendição de Obama aos super-ricos

Baudelaire brincava dizendo que o diabo ganha justamente no momento em que consegue convencer a todos de que ele não existe. As elites financeiras de hoje vão ganhar a guerra de classes no momento em que conseguirem convencer o eleitor de que não existe tal guerra. E Obama está tratando de ajudar-lhes. No momento em que o presidente planeja reeditar os cortes de impostos para os super-ricos implementados por George Bush há dez anos é hora de os Democratas definirem até que ponto vão se opor a uma administração que começa a parecer mais algo do estilo Bush-Cheney 3ª parte. É como se Obama estivesse fazendo campanha para sua própria derrota. O artigo é de Michael Hudson.

Agora que o presidente Obama está quase celebrando seus renovados desejos bipartidários de reeditar os cortes de impostos para os super-ricos implementados por George Bush há dez anos, é hora de os Democratas definirem até que ponto vão se opor a uma administração que começa a parecer mais algo do estilo Bush-Cheney 3ª Parte. É isso que esperavam da promessa de Obama de ficar acima da política de partidos, quando agora governa em nome de Wall Street – que é, aliás, o principal contribuinte às campanhas de ambos os partidos?

Trata-se de um exemplo de como a atual luta de classes levada a cabo somente por uma das partes converteu-se precisamente no que disse Warren Buffet: que seu “bando” está ganhando sem se que trave uma verdadeira luta. Ninguém protestou realmente quando o presidente e seu assessor David Axelrod soltaram um balão de ensaio nas últimas semanas, insinuando que os cortes de impostos de Bush para os 2% mais ricos vão se prolongar “somente” durante os próximos dois anos. Para todos os efeitos, o eufemismo “durante os próximos dois anos” significa, na verdade, para sempre – ou ao menos o tempo suficiente para que os super-ricos tenham tempo de mobilizar os recursos necessários e financiar os Republicanos necessários, para que estes, uma vez eleitos, façam dos cortes algo permanente.

Privilégios para 2% da população

É como se Obama estivesse fazendo campanha para sua própria derrota. Graças em grande parte ao resgate de Wall Street no valor de 13 bilhões de dólares – enquanto a dívida dos EUA seguia crescendo para o resto dos 98% mais pobres do país. Este agraciado setor de 2% da população recebe agora aproximadamente três quartos de todos os dividendos que produz a riqueza nacional (entre lucros, rendas e ganhos de capital). Isso é quase o dobro do que recebiam uma geração atrás. Enquanto isso, o resto da população é chamado a apertar o cinto, com montes de hipotecas em via de execução que estão deixando muita gente sem suas casas.

Baudelaire brincava dizendo que o diabo ganha justamente no momento em que consegue convencer a todos de que ele não existe. As elites financeiras de hoje vão ganhar a guerra de classes no momento em que conseguirem convencer o eleitor de que não existe tal guerra. E Obama está tratando de ajudar-lhes.

Trata-se da velha demagogia desavergonhada. Chegou o momento em que se deveria acabar com as isenções fiscais para o setor financeiro. Mas Obama vai em frente e pretende nos convencer de que “dois anos mais” vão nos ajudar a sair desta crise creditícia. Mas os planos dos Republicanos são avançar no Congresso e no Senado em 2012, na medida em que os eleitores de Obama vão optando por ficar em casa, como fizeram no início de novembro. Assim que “dois anos” significa, em termos políticos, para sempre. Por que votar em um político que promete “mudanças”, mas logo transforma essa promessa em uma mera exclamação, que na verdade segue com as políticas de Bush e Cheney no Afeganistão e no Iraque e também as do Wall Street’s Democratic Leadership Council, da ala direita de seu partido? Depois de tudo, um dos líderes desse Conselho foi precisamente Joe Lieberman, o mentor de Obama no Senado.

Alguém precisa construir os iates
O segundo pretexto alega que cortar os impostos dos super-ricos é necessário para conseguir o apoio republicano suficiente para incluir também a classe média nestas isenções fiscais. É como se os Democratas nunca tivessem ganho uma votação com minoria (recorde-se de George W. Bush com seus meros 50%, levando adiante políticas extremistas sob a lógica do “tenho capital eleitoral e vou usá-lo”. O que tinha, claro, era o apoio do Democratic Leadership Committee). E tudo isso é para “criar postos de trabalho”, começando pelos empregos dos trabalhadores dos estaleiros que vão fazer os iates para os novos ricos e terminando com os dez milhões de estadunidenses que não conseguem cumprir com os prazos de suas hipotecas. Soa muito keynesiano – ou pelo menos reminiscente de Thomas Robert Malthus que, como porta-voz da aristocracia latifundiária inglesa, argumentava que os proprietários de terra iam usar suas rendas para adquirir peões, construir carros ou contratar mordomos, e assim, iam manter a economia funcionando.

Mas o quadro é ainda pior. Os cortes de impostos à la Bush de Obama são só a primeira parte de um assalto em dois tempos para deslocar o peso arrecadatório do sistema na direção dos assalariados. Os economistas do Congresso estimam que prolongar esses cortes de impostos para os 2% mais ricos da população custará ao Tesouro público algo entre 700 e 750 bilhões de dólares ao longo de aproximadamente dez anos. “E como vamos cortar esses 700 bilhões?” - perguntava o próprio Obama a Steve Kroft durante sua entrevista semana passada no programa 60 minutos, da CBS.

Era, é claro, uma pergunta retórica. O presidente colocou em marcha uma comissão bipartidária (gente da ala direita de ambos partidos) para “sanear” a situação orçamentária federal por meio de cortes nos gastos sociais, para assim poder pagar ainda mais resgates financeiros aqueles que arruinaram a economia. A Comissão Nacional para a Responsabilidade e a Reforma Fiscal poderia muito bem chamar-se “Comissão da Nova Guerra de Classes para Colocar de Novo o Custo da Seguridade Social e o Medicare sobre os Assalariados e assim Deixar mais Arrecadação Fiscal para Presentear os Super-Ricos”. Sem dúvida um nome maior que aquele posto por seus amigos dos meios de comunicação, a Comissão para Reduzir o Déficit, mas às vezes faltam muito mais palavras para chegar ao centro do cérebro.

O peixe grande come o peixe pequeno

O axioma político que está operando aqui é “o peixe grande come o pequeno”. Com a chegada das vacas magras não há arrecadação suficiente para seguir inchando as fortunas dos super-ricos e, ao mesmo tempo, pretender dispor de recursos suficientes para pagar as pensões e os auxílios sociais prometidos tanto aos cidadãos estadunidenses quanto aos europeus. Alguém tem que ceder e os ricos demonstraram ser bastante espertos para tomar a iniciativa. Para ter uma visão antecipada do que vai acontecer nos EUA, fixem-se na luta da Europa neoliberal desencadeada contra a classe média e trabalhadora na Grécia, Irlanda ou Letônia. Ou melhor ainda, o Chile de Pinochet, onde as contas da seguridade social recém privatizadas foram rapidamente saqueadas ao final dos anos 70 por uma cleptocracia bem assessorada pelos Chicago boys, cujo monetarismo acabou de ser abraçado de novo por Bem Bernanke, a pessoa que Obama pôs a frente do FED (o Banco Central dos EUA).

Para colocar em perspectiva a baixada de calças de Obama é preciso se fixar nos conselheiros pró-Wall Street que colocou ao seu redor – não somente Larry Summers, Tim Geithner e Ben Bernanke, mas também ao constituir sua Comissão para Reduzir o Déficit com declarados defensores dos cortes nas pensões, no Medicare e em qualquer outro gasto social. Sua jogada consiste em aterrorizar o público pintando um pesadelo de um déficit de 1 bilhão de dólares no sistema de pensões ao longo dos próximos 50 anos – como se o Tesouro e o FED não tivessem acabado de liberar 13 bilhões em resgates para Wall Street sem sequer pestanejar. O presente de 750 bilhões de dólares do presidente Obama aos 2% mais ricos da população será a cereja do bolo que os ricos vão devorar quando as coisas começarem a ficar realmente feias para a classe trabalhadora.

Para ver as coisas em seu conjunto é preciso ter em mente que o juro pago sobre a dívida pública (que quadruplicou na era Reagan-Bush e que duplicou de novo no período Bush-Obama) vai chegar rapidamente à casa de um trilhão de dólares anuais. Isso não é mais que um imposto sobre o trabalho – já que aumenta o custo de vida e os custos da atividade econômica em geral – que está sendo pago por se ter perdido a luta pela reforma econômica e por se ter substituído um sistema fiscal progressivo por políticas neoliberais regressivas. E assim, enquanto o gasto militar no Oriente Médio, Ásia e outras regiões do planeta for o responsável pela maior parte do déficit dos EUA, o Congresso vai seguir aproveitando qualquer ocasião para conjurar não sei que nova ameaça externa que justifique seguir aumentando o poderio do exército.

A lógica das bolhas
Tudo isso é material da pior ciência econômica. É mantendo um déficit público que os atuais governos injetam crédito e capacidade aquisitiva necessários para que as economias cresçam. Quando os governos dispõem de superávit, como ocorreu com Bill Clinton (1993-2000), os bancos é que criam o crédito. E o problema com o crédito bancário é que grande parte dele é emprestado, com juros, sobre um principal que é, por sua vez, crédito. O resultado é que cedo ou tarde se criam bolhas sobre bens ou sobre títulos do mercado de valores. Isso gera ganhos de capital – que o sistema impositivo “original” de 1913 tratava como qualquer outra fonte de renda, mas que hoje em dia são gravados somente em 15% (e somente quando se materializam esses ganhos, o que é muito raro no caso de bens imóveis). É assim que o atual sistema tributário subsidia o crescimento das bolhas imobiliárias ou baseadas no excesso de crédito.
A autêntica traição: a posição da Comissão a respeito das deduções fiscais sobre os juros hipotecários

A Comissão de “Impostos Regressivos” de Obama começou a preparar terreno com sua proposta de retirar as deduções fiscais das hipotecas de casas cujo preço estava já muito encarecido. A proposta ataca somente aos proprietários individuais de casas – a “classe média” – e não os especuladores imobiliários, investidores, corretores de bolsa ou outros agentes do setor bancário ou financeiro.

O IRS (Internal Revenue Service, a administração tributária federal nos EUA) permite que os juros hipotecários sejam dedutíveis fiscalmente sob a premissa de que se trata de um custo necessário para poder desenvolver um negócio. Mas, na verdade, é um subsídio à expansão do crédito partindo de um principal limitado. Este viés fiscal a favor do endividamento em lugar do investimento real (usando os fundos que alguém dispõe) é, em grande medida, o responsável de ter inundado a economia dos EUA com dívida.

Esse mecanismo anima o cassino financeiro com a compra e venda de bônus podres, o que de fato aumenta o juro que deve ser pago para fazer negócios. Esse subsídio ao endividamento é também a maior concessão feita pelo governo aos bancos, ao mesmo tempo que está na origem da deflação creditícia a favor do “livre mercado” enunciado ao longo do século XIX (um “livre mercado” significava livre do parasitismo dos rentistas, encaminhando-se o que Keynes com muita felicidade chamou de “eutanásia do rentista”. No entanto, a Comissão de Obama mantém os rentistas no nível mais alto do sistema econômico mediante um sistema fiscal que reforça seu poder ao invés de limitá-lo – ao mesmo tempo que aperta o restante dos agentes econômicos que estão embaixo).

A Tabela 7.11 das Contas Nacionais (NIPA, National Income and Product Accounts) mostra que o juro total pago nos EUA somou 3,24 trilhões de dólares em 2009. Os proprietários de imóveis pagaram cerca de um sexto desse valor (cerca de 572 bilhões) pelas casas que ocupam. A Comissão de Obama estima que eliminar as deduções fiscais sobre esses juros resultaria em cerca de 131 bilhões de dólares para o Tesouro em 2012.

Há de fato uma certa lógica em eliminar essas isenções. As deduções de juros hipotecários não supõe um autêntico arrocho sobre os proprietários. Mas isso é uma mera ilusão. O que o governo dá ao “proprietário” por um lado, acaba passando ao banqueiro por meio do mecanismo “de mercado” pelo qual quem quer comprar uma casa acaba tendo que ceder toda margem de lucro ao banco caso queira que este realmente conceda o empréstimo. O “equilíbrio” se alcança quando qualquer possível renda líquida acaba indo parar nas mãos dos bancos e, posteriormente, se converte em futuros empréstimos.

Isso significa que o que, em princípio, parece uma forma de “ajudar os proprietários” a pagar suas hipotecas, converte-se simplesmente em um mecanismo que permite que eles possam pagar juros bancários mais altos. Essa isenção fiscal utiliza, pois, os proprietários de imóveis como “mecanismo” para favorecer os bancos.

E é ainda pior. Ao tirar o tradicional imposto sobre bens, os governos estaduais, locais e o federal necessitam aumentar a carga fiscal sobre o trabalho e a indústria, transformando o imposto sobre a propriedade em impostos sobre a renda ou sobre o consumo. Para os bancos, isso implica transmutar arrecadação fiscal em ouro, ou seja, em juros. E a classe média de proprietários de imóveis tem que pagar agora o antigo imposto da propriedade aos bancos na forma de juros, mas além disso, pagar também a maior carga fiscal sobre a renda e o consumo que é necessária para compensar a menor arrecadação fiscal.

Os ricos criam emprego. Criam?
Eu estou de acordo com a eliminação do favoritismo tributário para o endividamento hipotecário. O problema é que a Comissão para o Déficit não torna essa medida extensiva ao restante da economia: o setor corporativo de bens imóveis e o setor empresarial e investidor em geral.

Mais uma vez o argumento volta a ser que “os ricos criam emprego”. Ao fim e ao cabo, alguém tem que construir os iates. Mas o que está por trás disso é um princípio mais fundamental: a desigualdade de renda e riqueza destrói postos de trabalho. Isso é assim porque os muito ricos alcançam rapidamente um limite a respeito do que podem consumir. E aí começam a gastar seu dinheiro comprando ativos financeiros – basicamente bônus, o que acaba endividando a economia. Esse excesso de dívida é que está levando a economia a uma depressão cada vez mais profunda.

Desde os anos 80, os corretores de bolsas tem se endividado com papéis podres com altos juros para se lançar sobre empresas com problemas e ganhar dinheiro desmantelando seus ativos, cortando os investimentos a longo prazo e pagando seus credores com créditos depreciados. Empresas que operam como parasitas financeiros utilizam as receitas comerciais normais para recomprar suas próprias ações e, assim, manter o preço de cotização das mesmas – e, de passagem, o valor das stock options que os altos executivos pagam a si mesmos – endividando-se ainda mais para seguir recomprando ações próprias ou diretamente para pagar dividendos.

Quando todo o processo chega ao fim, ameaçam os empregados com o risco de uma quebra que destruirá seus fundos de pensões caso não concordem em “reduzir” suas demandas trabalhistas e substituir seus planos de aposentadoria baseados em benefícios por planos baseados em contribuições (nos quais a única coisa que os trabalhadores sabem é quanto pagam a cada mês, mas não o que vão receber quando se aposentarem). Chegando a esse ponto, os altos executivos já terão pago a si próprios alguns salários e tornado efetivas suas stock options – tudo isso subsidiado pelo tratamento de favor fiscal que o governo confere ao endividamento.

As tentativas de assalto ao McDonalds e a outras empresas durante os últimos anos oferecem importantes lições sobre como funciona essa política de destruição financeira mediante “ativistas das Bolsas de Valores”. E, no entanto, a Comissão para Reduzir o Déficit, de Obama, restringe a supressão dessas isenções fiscais ao endividamento somente para a classe média proprietária, ignorando o restante do setor financeiro implicado. O que faz desta situação algo particularmente absurdo é que dois terços dos proprietários de casas sequer recorrem a essas deduções. O que deixa de ingressar no tesouro, por conta dessas deduções, provém principalmente do setor de grandes investimentos.

Se é correto (e creio que é) o raciocínio de que permitir que os juros sejam dedutíveis fiscalmente somente “libera” arrecadação para que se transforme em maiores juros pagos aos bancos – que logo se capitalizam na forma de empréstimos ainda maiores – então, por que não aplicar com mais ênfase essa supressão das deduções para os Donald Trumps e outros grandes investidores do setor imobiliário que operam usando o “dinheiro de outras pessoas” ao invés do seu? Na prática, esse “dinheiro” resulta ser crédito bancário que atualmente custa aos próprios bancos menos de 1% de juros. O sistema fiscal-financeiro está desviando os recursos dos investimentos comerciais em bens imóveis, aumentando o preço dos aluguéis, das moradias e, por extensão, de toda a atividade empresarial na indústria e na agricultura.

Desgraçadamente, a administração Obama deu seu apoio à política de Geithhner-Bernanke baseada na idéia de que a economia não pode se recuperar sem “salvar” o excesso de dívida. Mas a realidade é que o excesso de dívida é que está destruindo a economia. Assim, estamos diante do fato irreconciliável de que a posição adotada por Obama ameaça reduzir os padrões de vida entre 10 e 20% nos próximos anos – fazendo com que os EUA se pareçam mais com a Grécia, a Irlanda ou a Letônia do que com aquilo que nos prometeu nas últimas eleições presidenciais.

Algo deve ser feito politicamente caso se queira que a economia mude seu curso. Mas, concretamente, o que deve mudar é o atual privilégio dado a Wall Street a custa do resto da economia produtiva. O que fez com que a economia estadunidense perdesse competitividade foi principalmente o grau no qual o serviço da dívida foi erodindo o custo de vida e a capacidade para fazer negócios. A “economia lixo” da era pós-clássica considera o juro como um preço que paga pelo “serviço” de oferecer crédito. Mas o juro (como as rendas sobre a propriedade ou a extração de lucros monopolísticos) é uma transferência de recursos aos bancos pelo mero privilégio que tem de poder emitir crédito. Aqueles que se beneficiam do privilégio tributário com o endividamento são os arqui-ricos da parte mais alta da pirâmide econômica – os 2% que a renúncia fiscal de Obama vai beneficiar com outros 700 bilhões de dólares.

Se o atual curso das “reformas” fiscais não for revertido, Obama estará mostrando seus dentes de crocodilo para a classe média, apoiando o programa da Comissão para Reduzir o Déficit, baseado em cortes na Seguridade Social para evitar que estados e municípios não possam fazer frente aos pagamentos das pensões. No entanto, parece que um terço do total de bens imóveis dos EUA encontra-se em uma situação de quebra contábil, minando seriamente a arrecadação fiscal estatal e local, forçando uma situação na qual seja preciso escolher entre a quebra, a moratória da dívida, ou colocar as perdas nos ombros dos assalariados em benefício dos ricos credores que são precisamente os responsáveis de ter inundado o mercado com dívida.

O helicóptero de Bernanke só voa sobre Wall Street
Os críticos da agenda econômica de Obama-Bush insistem que a Idade Dourada da América, no final do século XIX, foi de fato uma era de polarização econômica e de luta de classes. Naquele momento, o líder democrata William Jennings Bryan acusou Wall Street e os credores de crucificar a economia dos EUA em uma cruz de ouro. A volta do preço do ouro ao seu valor de antes da Guerra Civil levou a uma guerra financeira que tomou a forma de uma deflação creditícia, na medida em que a queda dos preços e das rendas de agricultores e assalariados impediu que estes pudessem fazer frente às suas cada vez mais caras hipotecas. A Lei de Impostos sobre a Renda de 1913 tratava de corrigir isso, concentrando o esforço fiscal no 1% mais rico da população, os únicos que estavam obrigados a fazer declaração da renda e a pagar impostos. Os ganhos de capital eram tratados como quaisquer outros. Desse modo a maior parte da carga tributária recaía sobre o setor das finanças, dos seguros e dos bens imóveis.

Mas os interesses privados passaram todo um século batalhando contra isso. E agora tem a vitória ao alcance da mão, perpetuando os cortes de impostos de Bush para os 2% mais ricos da população, desativando a tributação sobre a riqueza, deslocando a pressão fiscal sobre a propriedade para a renda do trabalho e o consumo e atacando qualquer gasto público que não seja para resgates financeiros e subsídios à emergente oligarquia financeira em que se converteu o novo “bipartidarismo” de Obama.

O que necessitamos é de uma Comissão para o Futuro que nos antecipe o que os ricos vão fazer, agora que conseguiram a vitória total. Tal como a estão administrando Obama e os altos cargos design ados por ele como Tim Geithner e Bem Bernanke, sua atual política é fiscal e financeiramente insustentável. Manter os incentivos fiscais ao endividamento – para que a maioria da população acabe endividada frente aos ricos, para quem aliás desaparece virtualmente toda imposição fiscal – é simplesmente debilitar a economia. Isso levará a crises financeiras cada vez piores, onde os assalariados não conseguirão pagar suas contas e os estados, os municípios e inclusive o governo federal entraram em risco de quebra fiscal.

Os presidentes seguintes terão que pôr em marcha mais resgastes financeiros, usando cada vez mais estratégias parecidas com as das emergências militares. Uma guerra financeira exige que o Congresso atue emergencialmente, como ocorreu em 2008-2009. Os assessores de Obama estão transformando a economia dos EUA em um permanente estado de sítio, um Jogo de Ponzi (*) perpétuo que vai requerer mais e mais injeções de facilidades de crédito para “resgatar” a economia (o eufemismo usado por Obama para falar dos credores na parte de cima da pirâmide econômica) do perigo de cair na insolvência. O helicóptero de Bernanke só voa sobre Wall Street. Seu auxílio monetário não alcança o resto da população.

(*) Este jogo caracteriza-se pelo fato de o agente econômico (seja consumidor, empresa ou governo) renovar continuamente seus empréstimos para pagar não somente o principal, mas também o total dos juros devidos pelo empréstimo, acarretando um crescimento em bola de neve da dívida contraída.

(**) Michael Hudson é ex-economista de Wall Street e atualmente um Pesquisador destacado na Universidade do Missouri, Kansas City (UMKC), e presidente do Instituto para o estudo das tendências de longo prazo da economia (Institute for the Study of Long-Term Economic Trends ISLET). É autor de vários livros, incluindo Super Imperialism: The Economic Strategy of American Empire (new ed., Pluto Press, 2002) [Super Imperialismo: A Estratégia Econômica do Império Ameicano] e Trade, Development and Foreign Debt: A History of Theories of Polarization v. Convergence in the World Economy. [Comércio, Desenvolvimento e Dívida Exerna: Uma História das Teorias da Polarização versus Convergência na Economia Mundial.

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