sexta-feira, 4 de junho de 2010

Classe média way of life - Sexta-feira Santa

 
A Classe Média brasileira, como se sabe, tem muito orgulho de sua formação religiosa baseada no catolicismo. Médio-classista que se preze é católico. Católico pra cacete. É católico até quando é espírita. Por isso, mesmo sabendo que catolicismo não é lá algo que se pratique, o aspirante à classe deve estar atento aos poucos momentos em que é necessário provar à sociedade a sua fé: os feriados religiosos.

A sexta-feira santa, ou sexta-feira da paixão, simboliza para os cristãos a lembrança da imolação e morte de Jesus, o filho de Deus para os seguidores dessa fé. A tradição católica prega que, por ter Jesus sofrido muito, todo mundo precisa dar uma sofridinha junto nesse dia, como forma de gratidão e, quem sabe, solidariedade para com o cara.

Para padronizar a coisa toda, algum figurão da Igreja definiu que a penitência a que os fiéis deveriam se submeter, seria se abster do consumo de carne vermelha. A razão disso tem muitas explicações, e nenhuma faz lá muito sentido (coisas do tipo “Jesus sangrou, portanto você não pode comer algo que tenha sangue”). Aí um espertinho, provavelmente um advogado, descobriu uma brecha na lei: peixe não tem sangue (infelizmente não tive acesso à defesa técnica deste achado biológico). Pronto: aceito o argumento, juridicamente, peixe poderia ser comido na tal sexta-feira, sem maiores conseqüências.

Deste ponto em diante, o que se seguiu foi a tradição. Desde então, o dia em que Jesus morreu, se arrebentou e se ferrou dependurado numa cruz é lembrado pelos médio-classistas católicos com muito pesar. Tanto pesar que lhes faz optar por fazer uma penitência pessoal: ao invés de comer um bife ou uma almôndega, o médio-classista, em respeito ao seu deus, contenta-se em se fartar de uma bacalhoada montanhesca, banquetes de frutos do mar, vinho branco a rodo, mais peixe, mais frutos do mar, moqueca, mariscada... Afrouxando o cinto, cabe mais camarão, um pouco de lagosta, peixe ensopado, peixe grelhado, peixe frito. 

Ao fim dessa santa orgia gastronômica, todos podem se bendizer e se orgulhar por honrarem aquele que morreu para lhes proporcionar o direito a esta singela refeição. E você, bom aprendiz de médio-classista, acompanhe-os num animado "pai nosso". E depois, reconheça: a morte do "Jéza" até que valeu à pena.


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