domingo, 18 de setembro de 2011

Curso Básico de Jornalismo Manipulativo: Para Entender a Marcha contra a Corrupção

Alguns de nossos alunos ficaram confusos sobre qual posição adotar a respeito da chamada “Marcha Contra a Corrupção”, patrocinada e incentivada por nossos aliados, e realizada no dia 7 de setembro.






O blogueiro da “Veja”, Reinaldo Azevedo, comemorando a adesão ao seu lema pelos participantes da marcha:


* * * * *
A confusão procede: uma ação mais incisiva contra a corrupção poderia chegar a setores nada recomendáveis. Mesmo a aparentemente inócua (para o “nosso lado”) CPI da Corrupção, apoiada por eminentes oposicionistas, …

… poderia ser desvirtuada pela convocação de notórios corruptores, colocando em risco alguns dos principais financiadores do “nosso lado”.
Vamos, então, aos esclarecimentos necessários:
Primeiro, consideramos infeliz a escolha do nome “Marcha”. Civil não faz marcha: faz passeata. A palavra “marcha” lembra um tempo que a maioria da população preferiria esquecer, embora muitos dos nossos colegas sonhem com a volta dos valores e das práticas daquela época sombria.
Segundo, precisamos explicar por que uma marcha contra a corrupção feita em São Paulo não trouxe nenhuma lembrança dos mais notórios casos de corrupção verificados naquela cidade e naquele Estado – a saber, nenhuma faixa sobre:
. O escândalo internacional da Alstom.
. O caso do Rouboanel (denominação criada pelos próprios paulistanos).
. Os postos de arrecadação política dos pedágios.
. As fraudes comprovadas na construção das linhas do metrô.
. A famosa Cratera do Metrô.
. O Caso Paulo Preto.
. Os casos dos parentes do governador Alckmin.
. O aparelhamento de órgãos estatais com políticos do PSDB e do DEM derrotados em outros Estados.
E muitos outros mais.
A explicação é simples. Para todo o Brasil, São Paulo é o símbolo nacional da impunidade, na luta contra a corrupção. Tanto a Câmara Municipal quanto a Assembleia Estadual barram, por ordem do Executivo, qualquer tentativa de apuração de irregularidades e de desvio de verbas.
No Estado, governado pelo PSDB desde 1995, nenhuma CPI investigativa foi instaurada pelos legisladores. Mais de 70 pedidos de investigação repousam nas lixeiras da Casa.
Em nossas marchas, você jamais verá um cartaz desses tendo São Paulo como alvo.

(E se você estranhou a presença de faixas contra o prefeito Gilberto Kassab na Marcha, e também a denúncia do “Estado de S. Paulo” sobre uma concorrência fraudada, feita no dia seguinte, saiba que o prefeito se tornou um inimigo político de José Serra. A crítica, antes proibida, agora está liberada.)
Em São Paulo nada se investiga, nada se pune. Não faria sentido o “nosso lado” apoiar uma marcha que fizesse denúncias contra nossos mais ilustres políticos. Nesse Estado e em todo o País, o foco deve ser o mesmo de sempre: o Governo Federal e os políticos do grupo que substituiu nosso grupo de aliados em Brasília.


Terceiro, façamos uma breve e didática análise do processo da corrupção para que você entenda o sentido desse movimento em nossa luta pelo poder.
O processo da corrupção
A corrupção é um processo, e como todo processo ela se desenvolve por fases. Didaticamente, a prática desse processo desenvolve-se deste modo.
1. A intenção de corromper.
Alguém tem a ideia de lucrar, de maneira ilícita, com uma oportunidade: um amigo bem colocado na estrutura do poder, uma concorrência pública, uma verba recém-aprovada. No processo, esta é a fase “Luzinha acesa sobre a cabeça”.
2. A iniciativa de corromper.
Essa pessoa (ou esse grupo empresarial, como uma empreiteira, um banco, uma holding) toma a iniciativa de buscar ativamente esse benefício. A corrupção deixa de ser subjetiva e passa ao plano objetivo, da realidade, do comportamento. No processo, esta é a fase “Tô chegando”.
3. A proposta de corrupção.
O agente da corrupção faz a proposta à pessoa certa, diretamente ou, na maoria dos casos, por meio de um representante. Essa é a função clássica dos lobistas, profissionais especializados em cor… convencer uma outra pessoa sobre as vantagens mútuas de um negócio ilícito. No processo, esta é a fase “Vamos lucrar?”.
Você já pensou por que quase não se encontram reportagens sobre lobistas na imprensa, essa categoria de profissionais sombrios que infesta as casas legislativas e que promove animadas festas noturnas nas quais…? Bem, você sabe.
4. A aceitação da proposta.
O alvo do corruptor aceita a proposta. No processo, esta é a fase “Oba!”.
5. O fechamento do trato.
As duas partes chegam a um acordo, mutuamente benéfico. No processo, esta é a fase “Unidos venceremos”.
6. O primeiro pagamento.
Em certos casos, um primeiro pagamento consolida o acordo e garante ao corrupto um ganho concreto, mesmo que o resultado futuro não seja o pretendido por ambas as partes. No processo, esta é a fase “Te paguei em confiança. Olha lá, heim?”.
7. O cumprimento do acordo.
O corrupto cumpre o acordo: o negócio ilícito é afinal realizado. Um benefício é concedido a uma pessoa ou empresa, uma concorrência é fraudada, uma verba é destinada a quem não a merece. No processo, esta é a fase “Gostou do resultado?”.
8. O pagamento final.
O corruptor, que tinha iniciado o processo, põe um termo a ele ao fazer o pagamento do serviço prestado. No processo, esta é a fase “Unidos, vencemos”.
Repare como esse processo serve para mapear até mesmo uma corrupção em escala menor, como o suborno de um guarda: pego numa blitz, o motorista tem ideia de sair-se da enrascada sem pagar a vultosa multa (1), engata uma conversa inicialmente cautelosa (2) e, percebendo a receptividade do guarda, faz a proposta (3): uma cerveja caprichada, e estamos conversados. O policial aceita a proposta (4), os dois combinam como o pagamento será feito (5), este é realizado (6-8), e o policial cumpre o acordo de não multar o infrator, em troca de um benefício ilegal (7).
Qualquer análise racional descobrirá o óbvio: o corruptor está no início, no meio e no fim do processo. Sem ele, não existiria corrupção. É ele quem toma a iniciativa de corromper, e é ele quem tem o recurso mais valioso na negociação (o dinheiro), quem estabelece as bases da proposta e quem faz o pagamento que concretiza a corrupção.
A lei reconhece essa verdade simples ao denominar os crimes como corrupção ativa (o crime do agente, do corruptor) e corrupção passiva (o crime do corrompido, daquele que aceita participar do esquema ilícito).
Reza o ditado: “Corruptos são ervilhas; corruptores são pérolas”. De um lado, uma multidão disponível e barata; do outro, poucos endinheirados. Corruptos são substituíveis: se determinado alvo faz jogo duro, cisma de ser honesto, recusa-se a aceitar propostas mutuamente vantajosas, basta uma campanha pela imprensa, um lobby num Ministério, ou mesmo uma ação mais radical, como o assassinato, e está resolvido o problema eventual. Uma autoridade mais compreensiva assume a função, e segue o jogo.
Um exemplo: há poucos anos, no Rio de Janeiro, vários responsáveis pela compra de medicamentos para os hospitais públicos foram alvos de atentado por se recusarem a fazer o jogo das empresas.
Já os corruptores são poucos e poderosos.
Portanto, um movimento inteligente de combate à corrupção focaria em três medidas básicas:
1. Ataque à causa do problema, ou seja, à fonte da corrupção: o corruptor.
2. Redação de leis inteligentes e ágeis, em que as penas fossem proporcionais à responsabilidade: no caso, uma pena bem maior para o corruptor.
3. Punições adicionais que atingissem o “bolso” do corruptor.
Por exemplo, após a condenação, a proibição de realizar, durante 10 anos, outro negócio com o Estado.
No âmbito psicossocial, esse movimento lutaria por uma cena de impacto: a foto da prisão de um corruptor. Uma situação capaz de assustar toda a cadeia (opa!) da corrupção.
Tenho certeza de que você se lembrará de uma foto semelhante, que marcou uma operação da Polícia Federal, há alguns anos (e ele foi algemado, ainda por cima…), como também se lembrará da reação imediata e surpreendente das “altas esferas” que tornou impossível repetir esse procedimento humilhante contra notórios corruptores.
Você já deve ter reparado que os interessados na continuidade do processo da corrupção e na continuidade dos benefícios financeiros, políticos e sociais advindos desse processo intuem a importância primordial de proteger, a qualquer custo, o agente da corrupção: ele é a galinha dos ovos de ouro (e dos relógios, canetas e barras de ouro, das notas verdinhas etc.).
Que fiquem em paz os maiores financiadores da mídia, da política e da advocacia.
Essa atividade de proteção, quando assumida por quem fiscaliza as ações dos homens públicos (os legisladores e a mídia), gera a situação de impunidade. Ou seja, paradoxalmente, a atividade de proteção se manifesta pela inatividade ante a ação criminosa. Basta isso.
Nossa posição quanto ao movimento
Agora você entende por que a nossa Equipe jamais apoirá uma passeata que tenha como alvo a causa da corrupção. Porque, se ela for bem-sucedida em seus desdobramentos, esse sucesso representará um ataque a alguns dos principais anunciantes da mídia, além de colocá-la na constrangedora obrigação de fazer matérias policiais contra eles, e de impor um silêncio suspeito ou uma defesa insustentável dos corruptores aos nossos colunistas.
Essa situação significará também o fim da irrigação dos bolsos dos nossos aliados políticos.
Apoiamos, assim como os principais órgãos da mídia nacional, marchas, passeatas e campanhas que associem a corrupção ao “outro lado”, visando desgastar os atuais ocupantes do Governo Federal. E só.

Apoiamos também a posição de nossos aliados do PSDB em São Paulo: “CPI contra a corrupção em nosso quintal, jamais!” Um partido que dá 16 anos de garantia de impunidade a seus financiadores cria um ambiente ideal para o fluxo de recursos, das mãos de quem os tem para as de quem precisa tê-los.

Outro ponto importante: este movimento possui duas vias, uma negativa e outra positiva. Na via negativa, a do “combate” à corrupção, procuramos desgastar nossos inimigos políticos: é a via ladeira abaixo. Na via positiva, a do voto distrital, procuramos criar um caminho para a volta dos nossos aliados ao poder: é a via ladeira acima.
Você já deve ter reparado na identidade entre os atores políticos: aqueles que estão à frente do “combate” à corrupção são os mesmos que defendem o voto distrital.







Acima, imagem do blogue de Reinaldo Azevedo. Abaixo, imagem do site oficial da campanha (Eu Voto Distrital, antes pertencente à Associação Comercial de São Paulo, e, depois de denúncia de desocupados na Web, transferido para Luiz Felipe Charles d’Ávila):

Todos do “nosso lado”.
Abram alas para nosso principal think-tank (e chega daquela gracinha: “mais tank do que think”…).

Nome onipresente no Colóquio: o dono do site “Eu Voto Distrital”.

http://www.imil.org.br/divulgacao/sp-7-coloquio-instituto-millenium-voto-distrital-ou-voto-proporcional/
https://registro.br/cgi-bin/whois/?qr=009.512.143/0001-57&#lresp

“Corrupção” e “voto distrital” são as novas palavras de ordem, a serem usadas liberalmente em colunas, artigos, manchetes. O tema corrupção irá desgastando o “outro lado”, enquanto o tema voto distrital irá promovendo o “nosso lado”. Eles descendo, nós subindo.
Apoie o voto distrital, mesmo sem saber como funcionaria essa novidade. Venda-o como vendemos ao povo o Plano Collor, o programa de privatizações, o presidente Fernando Henrique Cardoso e a necessidade de sua reeleição: como a única salvação para o País.
E lembre-se: a manipulação dos movimentos cívicos “espontâneos” (isto é, incentivados, quando não criados, pela mídia) sempre foi uma das formas inteligentes de luta pelo poder: sob a fachada de um valor edificante, as velhas e sórdidas manobras políticas. A juventude ingênua e bem-intencionada ainda não aprendeu essa verdade – melhor para nós, porque assim podemos comandá-la com a ajuda de seus ídolos.


Agora, de posse dessas informações esclarecedoras, você tem todos os elementos necessários para praticar com eficiência o bom e velho jogo da manipulação jornalística, trazendo mais apoiadores para o “nosso lado”.
Às ruas, portanto, porque 2012 já está chegando, e 2014 (nosso foco mais importante) poderá nos reservar boas surpresas, depois de 12 anos sem elas.
By: Maria Frô

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