A prostituição é, dentre todas as profissões existentes, uma das mais antigas na história da humanidade. Entretanto, desde os primórdios ela é cercada pelo preconceito e pela repressão da sociedade, argumentando que tal prática é contrária à moral e aos bons costumes. Na esfera jurídica, há grande discussão a respeito do tema: a liberalidade da prostituição não seria inconstitucional? Existe algum amparo aos profissionais pela norma trabalhista e previdenciária? De que forma o Direito Penal encara essa prática e os locais em que ela ocorre?
Nota-se que o tema engloba diversas áreas do direito, e é de extrema complexidade, visto que afeta toda a sociedade e o modo de vida das pessoas, principalmente das que dependem da profissão para seu sustento. Mas comecemos esse artigo analisando a prostituição pela nossa Lei Maior, a Constituição Federal de 1988.....
Um dos princípios fundamentais instituídos pela Constituição é a dignidade da pessoa humana, ou seja, o tratamento igualitário entre os indivíduos da sociedade, a garantia da autodeterminação para sua sobrevivência e atendimento de necessidades fundamentais como moradia, saúde, educação, alimentação, trabalho etc. de modo a ter uma vida digna. Relacionando o princípio constitucional à realidade da vida de quem se prostitui, Vieira (2009) afirma:
[...] a visão acerca dos profissionais do sexo deve ser despida de preconceitos, uma vez que se trata de uma classe de indivíduos que, como qualquer outra, busca realização pessoal, bem como prover sua família através do fruto de seu trabalho. No entanto, ao não se garantirem as mínimas condições de trabalho, com respeito à integridade moral e física do trabalhador, bem como a uma contraprestação pecuniária mínima, não haverá dignidade que subsista.
Deste modo, é possível concluirmos que a atividade em si é lícita, porém é mister a existência de condições razoáveis para sua prática, garantindo assim o cumprimento dos princípios constitucionais. Ilícita se torna a atividade quando o profissional se subordina a outra pessoa, por conta dos dispostos nos arts. 228 e 229 do Código Penal: “Induzir ou atrair alguém à prostituição ou outra forma de exploração sexual, facilitá-la, impedir ou dificultar que alguém a abandone” e “Manter, por conta própria ou de terceiro, estabelecimento em que ocorra exploração sexual, haja, ou não, intuito de lucro ou mediação direta do proprietário ou gerente”, respectivamente.
O último artigo citado acima trata especificamente da casa de prostituição, na qual o profissional, para exercício de seu labor, se subordina a terceiro, o qual comumente é dono do local, administra-o e ganha algum lucro em cima do trabalho da prostituta. Nestes casos a prática da prostituição deve ser abolida, assim como impõe a norma penal. Além disso, a falta de condições dignas para o trabalho nesses locais é de fácil constatação, principalmente em áreas periféricas e de baixo nível social.
Sobre as casas de prostituição, Greco (2008, p. 581) diz que sua existência gera descrédito e desmoralização para a Justiça Penal, “pois que, embora sendo de conhecimento da população em geral que estas atividades são contrárias à lei, ainda assim o seu exercício é levado a efeito com propagandas em jornais, revistas, outdoors, até mesmo em televisão, e nada se faz para tentar coibi-lo”.
Voltando ao ponto referente à ilicitude da subordinação do profissional a terceiro, vale ressaltar que não há, em hipótese alguma, a possibilidade de registro em carteira de trabalho nesse tipo de serviço. Ocorrendo eventual contratação, a mesma será considerada nula, pois não pode haver contrato que infrinja um dispositivo penal.
Em relação ao Direito Trabalhista, atualmente a prostituição é reconhecida como ocupação regular pelo Ministério do Trabalho e Emprego, e a classe atua com autonomia, distinguindo-se da relação de trabalho, na qual é necessária a subordinação entre empregador x empregado, assim como tipifica o art. 3º da CLT: “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.
Mesmo não sendo reconhecida como trabalho, por se encaixar como ocupação regular, toda pessoa pertencente a essa classe deve, obrigatoriamente, contribuir para a Previdência Social, tendo resguardados direito a salário-maternidade, auxílio doença e também aposentadoria. Mas, por não haver vínculo empregatício, demais direitos como 13º salário, seguro desemprego e férias não são dados a elas.
O que pode acontecer é a confusão entre profissionais do sexo e trabalhadores em casas de prostituição. A jurisprudência é rica em casos nos quais discute-se o vínculo empregatício entre o proprietário do estabelecimento e as pessoas que ali trabalham, às vezes exercendo funções como garçonete, dançarina, zeladora etc., e noutras exercendo tais funções concomitante à de prostituta. Neste sentido, o TRT 3ª Região acordou no RO 1.125/00:
DANÇARINA DE CASA DE PROSTITUIÇÃO – POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO – Restando provado que a autora laborava no estabelecimento patronal como dançarina, sendo revelados os elementos fático-jurídicos da relação de emprego, em tal função, não se tem possível afastar os efeitos jurídicos de tal contratação empregatícia, conforme pretende o reclamado, em decorrência de ter a reclamante também exercido a prostituição, atividade esta que de forma alguma se confunde com aquela, e, pelo que restou provado, era exercida em momentos distintos. Entendimento diverso implicaria favorecimento ao enriquecimento ilícito do reclamado, além de afronta ao princípio consubstanciado do aforismo utile per inutile vitiari non debet. Importa ressaltar a observação miniterial de que a exploração de prostituição, pelo reclamado, agrava-se pelo fato de que “restou comprovado o desrespeito a direitos individuais indisponíveis assegurados constitucionalmente (contratação de dançarinas, menores de 18 anos), o que atrai a atuação deste ministério público do trabalho, através da coordenadoria de defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis – Codin”.
Diante de todo o exposto, é possível chegar à conclusão de que o Direito vem interferir nas relações interpessoais para equilibrá-las, principalmente em assuntos polêmicos como o caso da prostituição e das casas de prostituição. Evidente que mesmo havendo a proibição, todos sabemos que existem muitos estabelecimentos desse tipo pelo país, então será que é necessária alguma atitude diferente para acabar com eles? Ou acabar com as casas de prostituição agravaria o problema social, fazendo com que mais mulheres saíssem pelas ruas se exibindo para garantir a renda?
E se fosse possível o registro em carteira de trabalho, talvez as condições às quais essas pessoas se expõem melhorem, ou a situação fuja de controle? São algumas indagações para refletirmos a respeito e pensar no que pode ser feito para o avanço de nosso país, priorizando o princípio da dignidade humana e assim, contribuindo para uma sociedade acima de tudo feliz.
Artigo das estudantes de Direito da 5a fase da Fameg/Uniasselvi Ana Jéssika Medina, Natacha Zanghelini Borba, Patrícia Köhler, Paula Lima e Toane Sborz.
By: Bacafá
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