quarta-feira, 16 de junho de 2010

A diplomacia da paz

É verdade que o pacifismo não impediu as novas guerras. Estas parecem que irão colorir de sangue o século XXI. Mas sempre que houver o risco de um novo conflito, haverá quem se levante tentando evitá-lo. Assim fez, a diplomacia brasileira e turca. O futuro dirá quem tinha razão.

Imagina-se que ser diplomático é conduzir os conflitos de modo que eles que não prosperem, transformando-se em algo de difícil controle.

Os sensos comuns também dizem que o comportamento diplomático é recheado de maneirismos e palavras delicadas que fogem do confronto verbal e da realidade nua e crua. Tal modo de se comportar indicaria uma habilidade especial de falar em várias línguas sobre problemas difíceis, sem ferir suscetibilidades. Os diplomatas seriam os campeões da paz, intermediando conflitos e propondo soluções sem o uso da força.

Não é bem isto o que ocorre no mundo real. A diplomacia vem sendo a arte da guerra. Nos conflitos do século passado, essa função governamental serviu para preparar a guerra. Raramente, dedicou-se a lutar pela paz. Como se sabe, depois da Segunda Guerra explodiram conflitos militares entre nações em inúmeras regiões do planeta. A intermediação diplomática os preparou, ajudando aos governos mais belicosos da face da Terra a escolher o melhor momento de atacar.

A retórica das diplomacias serviu aos Estados e seus interesses empresariais associados que desejavam invadir, bombardear, oprimir povos e se apoderar de suas riquezas. O neocolonialismo do presente replicou o velho colonialismo, a diplomacia da canhoneira, a política do porrete, do espaço vital, do destino manifesto etc. Não interessa mais criar colônias. Deseja-se ter áreas de influência e impedir a autodeterminação dos povos. Eles não podem escolher seus futuros. Têm que ser monitorados e aceitar os mitos das nações dominantes. Não importa que seja uma farsa e que eles em nada se pareçam com que os domina. O significativo é que se mantenham sobre as asas da “liberdade” como em uma irônica leitura de um certo hino.

Tudo, nesta fase, é feito com luvas de pelica, isto porque os diplomatas, bem como os governantes, não pegam em armas. Raramente são atingidos por balas, bombas e gazes. Quando isto chega a acontecer, a condenação internacional é rápida e unânime. Trabalham sob a proteção do Estado e de organizações internacionais. Possuem imunidades acreditadas até mesmo por países rivais. Há, neste assunto, um acordo de respeito mútuo. Por que não pode haver o mesmo, no que interessa a um povo?

Prender ou matar um diplomata só não é um crime sério, quando ele é verdadeiramente um campeão da paz. Se ele trabalha para a guerra, contará com a admiração dos governos de que faz parte e dos aliados destes, como também de todos os ‘falcões’ que imaginam ser impossível um mundo sem guerras. Eles são ‘intocáveis’ se estão a serviço da guerra. Quando mudam de lado, tudo pode acontecer. Os industriais, comerciantes e banqueiros que enchem os seus cofres com os esforços de guerra são eternamente gratos a este tipo de diplomacia. Esta se confunde com a disseminação da cizânia, do ódio entre povos e nações e da espionagem internacional.

Além da guerra propriamente dita, pode-se falar das ‘guerras’ comerciais, bastante violentas, travadas entre os países modernos. Nem sempre, eles empunham armas, como no passado, para defender seus interesses. Entretanto, a disputa de mercados reveste-se em algo muito forte, gerando uma espécie de guerra sem balas, canhões e explosões. Nelas a diplomacia pode estar em posições opostas, dependendo dos interesses que defende. Alguns lutam pelos direitos de sobrevivência e expansão econômica de suas nações ou dos blocos a que estão associados. Outros tentam de todo o jeito impor a lógica dos países mais ricos sobre os mais pobres. 

Os diplomatas representam os governos de seus países, mas também são seres humanos, podendo oscilar em direções diversas. Não é incomum ser diplomata de um país e defender interesses de seu antagonista. No hemisfério sul, se conhece inúmeros casos de pessoas que serviram a interesses em oposição. Estes agiram e agem por convicções ideológicas ou, mais usualmente, para receber vantagens econômicas pessoais auferidas fora do país.

Na época da ditadura militar, a diplomacia brasileira era um tentáculo do governo espalhado pelo mundo. Houve os que aceitaram sem qualquer pejo este papel, em nome do ‘patriotismo’ e outros que o relativizaram e, até mesmo nos limites de suas funções, buscaram situar-se fora do controle militar. Os diplomatas são pessoas que podem aderir a visões de mundo bastante diferentes. Isto facilmente ocorre em organismos internacionais. Estes possuem em seus quadros pessoas que não necessariamente aceitam as políticas dos mesmos. Podem até se rebelarem. Obviamente, a direção destes organismos, bem como os governos centrais, conseguem sempre impor suas diretivas.

Em um quadro hegemônico de uma diplomacia para a guerra, as posições do Brasil e da Turquia fundaram um marco nos acontecimentos recentes. Defenderam habilmente a paz e fizeram um enorme esforço para que a tensão entre os EUA, seus aliados e o Irã não degenere em mais uma lamentável guerra. É verdade que a retórica da república teocrática do Irã é pouco cuidadosa e bastante equivocada. Negam o passado europeu ou, simplesmente, não o compreendem, considerando, apenas, o presente papel racista e imperialista de Israel no Oriente Médio. O país move-se em torno de paradigmas religiosos fundamentalistas que o isolam do mundo contemporâneo.

Todavia, como já lembrou Chomsky, o Irã reconstruído a partir de uma revolução socioreligiosa que derrotou uma ditadura sanguinária ocidentalizada, jamais invadiu a outro país. Apenas, defendeu-se da agressão iraquiana fomentada pela diplomacia norte-americana. Uma guerra aérea ou terrestre só irá complicar a situação interna e externa do país e de toda uma região. Se o Irã for bombardeado, como punição por não aceitar ficar de joelhos, isto gerará ainda mais ódio de conseqüências terríveis, inclusive, para os EUA. O fundamentalismo islâmico reproduz a triste lógica do fundamentalismo puritano que também pouco se importou com os civis nos conflitos recentes. O extremismo de ambos são faces diferentes da mesma moeda.

É bom lembrar que a Al-Qaeda não nasceu no Irã. Ao contrário, é dirigida por um príncipe saudita fanático, vindo de um país ditatorial amigo dos EUA. Criou suas bases na luta, no Afeganistão, contra a ocupação soviética. Neste episódio, contou com o amplo apoio do gigante do Norte. Tudo leva a crer que esta organização bastante misteriosa seja talvez o último fruto da Guerra Fria. Tratar-se-ia de um filho pródigo que aprendeu e se rebelou contra seus mestres. A diplomacia belicista do mundo de antes de 1989 explica que ainda se esteja colhendo os frutos podres da preparação diplomático-militar da III Guerra, que, felizmente, foi sepultada pela história.

A diplomacia da paz é tributária do esforço imenso dos pacifistas de todo o mundo que lutaram e lutam para que não mais existam conflitos bélicos de qualquer natureza. Apesar de ser bem antigo, o desejo de paz mundial ressurgiu com muita força depois de 1945. Este movimento popular sem bandeiras nacionais venceu em parte. Criou uma consciência universal sobre o problema das carnificinas anti-humanas. Conseguiu contribuir para impedir uma nova e mortífera guerra mundial, talvez, a última da humanidade. Foi vitorioso em alguns conflitos, como na Guerra do Vietnã, que terminou sob forte pressão popular norte-americana e mundial.

É verdade, que o pacifismo não impediu as novas guerras. Estas parecem que irão colorir de sangue o século XXI. Contudo, a existência deste marco político cria um problema para os ‘falcões’ de sempre, autênticos vampiros, que se alimentam de sangue e de sofrimentos inauditos. Sempre que houver o risco de um novo conflito, haverá quem se levante tentando evitá-lo. Assim fez, a diplomacia brasileira e turca. O futuro dirá quem tinha razão.

Luís Carlos Lopes é professor e escritor.

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