Estava eu perambulando pela internet quando me deparo com a notícia:
“Crianças e adultos subnutridos estão morrendo enquanto caminham para campos de refugiados e R$ 2,1 bilhões (US$ 1,4 bilhão) são necessários para conter a fome que está fora do controle, afirma Valeria Amos, secretária-geral de crise humanitária da ONU. Em torno de 12,4 milhões de pessoas em Quênia, Etiópia, Somália e Djibuti necessitam de ajuda e a situação está piorando.”
Muito triste, realmente. Todos sabem das dificuldades na África, mas também temos a noção de que perto de nossas casas há situações não muito mais confortáveis. Alguns dias depois, leio outra notícia:
“Donna Simpson, 44, é mais uma norte-americana a ganhar dinheiro com a internet. A diferença é que ela não criou nenhuma empresa lucrativa ou inovadora. Donna obtém renda vendendo assinaturas em seu site pessoal.Seus assinantes pagam para vê-la comendo em frente à webcam, na tentativa de se tornar a mulher mais obesa do mundo. Os mais de 7.000 fãs rendem por volta de US$ 100 mil ao ano.”
Eis a face insensível e insensata do capitalismo. Pagam para ver uma mulher comer até explodir, enquanto africanos morrem por não ter nada para comer. E antes que me argumentem que muitos destes “patrocinadores” talvez contribuam com alguma instituição de caridade, sejamos lógicos: você acha que uma pessoa que paga para ver outra comer até morrer é o perfil de alguém que contribui com algum tipo de caridade?
Muitos dirão, com razão, que as pessoas ganham seu dinheiro e com ele fazem o que quiser. Nada mais justo. Eu também vejo com gosto aqueles atores milionários em suas luxuosas mansões. Fico realmente feliz, ainda, quando vejo no trânsito aquele senhor mais velho montado em sua Harley Davidson que custa o preço de uma casa. Em geral, as pessoas trabalharam muito na vida para chegar neste ponto. E, claro, elas não possuem nem obrigação legal e nem moral para dividir isso com quem quer que seja. Mas, vamos refletir.
Recentemente, um bilionário árabe decidiu escrever seu nome bem grande no solo arenoso de uma ilha de forma que pudesse ser visto do espaço. Uma excentricidade desnecessária. Dinheiro que teria sido melhor usado se tivesse servido como papel higiênico em banheiro público. Para minha surpresa, o referido bilionário, contudo, mantém instituições de caridade e de pesquisas na área da saúde. Ele está devolvendo à sociedade menos favorecida parte do dinheiro que ele nunca conseguirá usar (ou alguém aí consegue gastar bilhões e bilhões antes de morrer?).
Bill Gates, com sua fundação, pensou o óbvio: tenho muito dinheiro. Mais do que preciso. Vou, então, financiar pesquisas e outros projetos para melhorar o mundo. Warren Buffet, multibilionário que ainda vive no mesmo sobrado há décadas, juntou-se à Gates e decidiu doar sua fortuna também.
Infelizmente, nem todos percebem isso. Compram iates que são quase do tamanho de transatlânticos. Compram casas, terras e carros que, muitas vezes, sequer irão usufruir. Compram joias e bizarrices, como aparelhos de celulares cravejados de diamantes. E, depois de tudo isso, ainda sobram milhões em suas contas bancárias que se multiplicam numa velocidade impressionante. E o que eles fazem? Passam os dias pensando em como gastar, gastar e gastar mais depressa do que os rendimentos fazem suas fortunas aumentarem. E lá estão alguns milionários em meio a milhões de miseráveis, colecionando dinheiro enquanto os outros morrem de fome.
E sem ter no que gastar, eles decidem comprar merda. Sim, de verdade! Isso não é força de expressão. Em maio de 1961, o “artista” Piero Manzoni defecou em 90 pequenas latas e etiquetou-as com o texto Merde d'artista ("Merda de Artista"). Cada lata tinha cerca de 30g e o artista as vendeu de acordo com valor do mesmo peso em ouro. E compraram. Em 2008, para ter uma ideia, na casa londrina de leilões Sotheby's, uma lata foi vendida por £97.250. Isso deveria ser quase R$ 300.000 na época.
Eu entendo que arte é algo muito subjetivo, mas vamos ser pragmáticos: estão comprando merda a peso de ouro enquanto pessoas morrem de fome. É isso que quero frisar aqui. A insensibilidade e a chacota, para dizer o mínimo, dos ricos para com os pobres. É a face cruel do capitalismo.
Eu não sei como pensa a cabeça de um rico. Eu chego a sentir quase que uma espécie de culpa quando percebo minha situação em relação a outras pessoas. Por exemplo, vi uma mãe revirando o lixo da rua enquanto sua filha, um bebê com aproximadamente a idade da minha sobrinha, estava sobre a pilha de lixo brincando com um telefone quebrado que foi encontrado por ali mesmo. Eu realmente faço minha parte, mas é pouco. Poderia ser mais, daí a sensação de culpa.
Depois de ver uma cena destas, venho para casa e leio que há pessoas comprando merda a preço de ouro e pagando para uma obesa mórbida continuar comendo até morrer. Ué? O que está acontecendo com o mundo, afinal?
Uma visão do mundo
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