Ao longo destes primeiros meses do ano, o governo Dilma passou por várias e importantes mudanças. Maiores, provavelmente, do que todos esperavam:...
Surpreende tanto quem o aprova, quanto quem desgosta dele. Em pequenas e grandes coisas.
Quando, ano passado, se discutia a cara que teria um possível governo Dilma, o que se imaginava era que seria um governo Lula sem o próprio. Uma experiência de “rotinização do carisma”, para usar um conceito proposto pelo sociólogo alemão Max Weber, mestre de Fernando Henrique Cardoso.
(A ideia tinha sido formulada por Weber para dar conta dos processos de sucessão nas situações em que o fundamento da autoridade é o carisma. Com a saída de cena do líder, como substituí-lo por alguém sem seus atributos excepcionais? Se é, essencialmente, pessoal, como transferi-lo? Somente através de algo paradoxal: rotinizar o extraordinário.)
Para a oposição, Dilma era fraca e não teria condições políticas e apoio partidário para fazer um governo à sua semelhança. Daí, imaginaram que ela presidiria (pouco mais que cerimonialmente) um governo 100% dominado pelo PT, no qual as diversas correntes do partido se digladiariam em busca da hegemonia. A começar pelo “PT do Lula”, sua principal tendência hoje em dia.
Com isso, o que se dizia é que ela, no fundo, continuaria a ser a gerente de Lula que tinha sido nos últimos quatro anos, incapaz de imprimir marca pessoal ao governo. Que o governo Dilma não teria nada de novo a dizer.
Entre seus eleitores e no bloco governista, apesar da torcida em favor, as expectativas terminavam por não ser muito diferentes. A defesa da continuidade, que a elegera, explicava porque não se deviam esperar novidades. Só que isso não era considerado ruim, pelo contrário.
Para os simpatizantes, o governo Dilma seria um “aprofundamento” do antecessor: prosseguiria o que tinha sido iniciado, ajustaria programas e os administraria com mais dedicação e empenho.
A manutenção de muitos nomes da equipe de Lula foi lida como uma sinalização de que esses cálculos estavam corretos. O tom lulista do ministério confirmava que quase nada iria mudar.
Hoje, ninguém (a sério) acha isso. Muita coisa mudou.
Para Dilma, não houve o dia de atravessar o Rubicão. Ou gesto heróico, manifestação grandiloquente. Não convocou a imprensa, não fez pronunciamento em rede nacional.
Mas, aos poucos, foi fazendo um governo diferente do imaginado.
Isso vale para a formação e o conteúdo do governo. Em lugares chave, ela se desvencilhou de colaboradores que a atrapalhavam, sem se deixar paralisar pelos vínculos que tinham com o ex-presidente. As demissões de Palocci e Jobim, que muitos (talvez eles mesmos) julgavam imexíveis, foram exemplares.
Em termos programáticos, o governo está encontrando sua fisionomia. Na política financeira e monetária, ficaram alguns atores, mas o enredo mudou. Como, aliás, estava claro desde cedo, com a saída de Meirelles do Banco Central.
A política industrial anunciada esta semana é uma inovação, que nada (ou muito pouco) tem a ver com o que foi feito por Lula. O programa a ela dedicado, chamado Brasil Maior, atende reivindicações da indústria que ficaram sem resposta durante anos.
Onde a marca de Lula é mais forte, nas políticas de transferência de renda, um programa recém criado, o Brasil Sem Miséria, pretende fazer uma revolução. Medidas de grande alcance na área da saúde estão no estaleiro. Vão mudar as políticas que lidam com a principal preocupação da população.
Com sua gente, fazendo a seu modo as suas coisas, Dilma realiza um governo inesperado. Sua disposição de enfrentar os focos de corrupção espalhados na administração é o símbolo mais visível do que está em curso.
Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
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