sexta-feira, 30 de julho de 2010

OS REVOLUCIONÁRIOS E AS ELEIÇÕES

Enviado por João Rocha , de Caraguatatuba. Longo, mais um ótimo texto para reflexão 

Prezados companheiros (as).
Em antigos textos podemos tirar lições e adaptalas em situações atuais. Neste trabalho de Hugo Blanco,   o que me chamou a atenção é referente a importância do momento eleitoral, a ascensão concedida da esquerda ao governo, o controle dos meios de produção. 
"Não podemos esquecer que Lula ganhou o governo não ganhou o poder. O governo se ganha no voto, o poder se ganha na luta."
OS REVOLUCIONÁRIOS E AS ELEIÇÕES
Hugo Blanco*
1.    Estado e Sociedades de Classes
Em todas as sociedades divididas em classes o domínio de uma minoria exploradora sobre a maioria da sociedade se manifesta através do Estado: poder político, jurídico, militar, ideológico e administrativo que garante o domínio econômico.
Nas antigas sociedades de classe essa minoria atuava de forma clara, em nome de si mesma, sem aparentar representar os interesses do conjunto da sociedade; os patrícios romanos atuavam em nome de si próprio sendo este também o caso dos cidadãos gregos, opressores dos escravos.
Os reis da época Feudal diziam que haviam sido recomendados por Deus para governar e que a forma como o faziam não podia ser discutida, por ser um mandato divino.
Quando os povos se rebelaram contra o feudalismo e seu estado, foi a burguesia que encabeçou a rebelião. Ao fazê-lo não atuou somente em nome próprio, mas em nome de todos os setores oprimidos pela sociedade feudal. Que autoridade brandiu a burguesia contra o mandato divino em que se amparavam os reis? O mandato do povo, a soberania de sua vontade, a democracia. Por isto a burguesia foi a República Democrática. A justificativa do governo e do Estado era que emanavam da vontade popular.
No entanto a República Democrática não serviu somente aos interesses de todos os setores explorados pelo feudalismo, em direção à sua derrubada, como cada vez mais feudal, servia aos interesses da burguesia enquanto nova classe opressora, contra a classe operária e as demais classes exploradas.
Evidentemente, à burguesia não interessava dizer que governava contra as classes oprimidas. Não era tola para perder sua legitimidade, lhe convinha que o governo continuasse aparecendo como representante de todo o povo, eleito democraticamente por este. Sem este manto corria o perigo de perder inicialmente seu domínio ideológico sobre toda a sociedade e como conseqüência, todos os outros poderes.
Quanto mais apodrece a sociedade burguesa, mais lhe é difícil manter a máscara democrática, pois as classes exploradas utilizam a democracia burguesa para votar em seus próprios representantes ou então nos partidos burgueses que não são exatamente os preferidos pela burguesia. Nestes momentos a burguesia se vê obrigada a impor seus autênticos representantes pela força, justificando geralmente esta atitude como uma medida temporária, de emergência.
Estas interrupções violentas ou golpes de estado se verificam mais freqüentemente em países coloniais e semi-coloniais que são os que sofrem mais fortemente as crises econômicas do capitalismo.
Um dos indicadores da crise mundial do sistema capitalista reside justamente no fato de que, em vários países, estas exceções estão se convertendo em regra.
Isto é perigoso para o sistema uma vez que vai destruindo sua justificativa ideológica o que, como já dissemos, pode custar a perda de seu domínio.
As sociedades deste século, educadas sob a ideologia democrático-burguesa, dificilmente podem suportar muitas décadas sem eleições. O medo por si só é um instrumento de opressão, mas não suficientemente efetivo em longo prazo.
A burguesia necessita da ferramenta de sua ideologia democrático-burguesa assim como do terror repressivo.
Como produto desta crise, deste equilibrismo na corda bamba, no Peru como em outros países há alternância entre períodos de governos eleitos e de ditaduras militares.
 2.    Eleitoralismo

Uma das conclusões do que foi anteriormente dito, é que as eleições dentro da sociedade burguesa não são nada mais do que a máscara democrática da ditadura de classe do capitalismo.
Pensar que a burguesia, para manter esta máscara irá permitir a sua auta destruição é uma ingenuidade.
Esta ingenuidade é cometida pelos esquerdistas que acreditam que a burguesia lhes irá permitir chegar ao governo pela via eleitoral para que derrubem o domínio de classe do capitalismo.

É verdade que em certos casos a burguesia permite a ascensão de governos de esquerda pela via eleitoral. No entanto, quando é que isto se sucede? Quando o Ascenso das massas é muito violento e se a burguesia não permitir a subida do governo de esquerda haverá o perigo de uma revolução que destrua o sistema capitalista. No entanto, há outra condição fundamental que a burguesia tenha a garantia da continuidade do sistema capitalista, que mesmo sob um presidente de esquerda as fábricas continuem nas mãos da burguesia e, uma coisa muito importante, que sejam mantidas as forças armadas burguesas. Sob estas condições o capitalismo pode permitir a ascensão de um governo “esquerdista”, que faça algumas reformas, que freie o movimento das massas, e que quando estas estejam debilitadas a burguesia possa derrubá-las em um governo que lhe inspire mais confiança. Este foi o caso de Allende no Chile.

Há muitos elementos de esquerda que se acreditam muito espertos e que, sem assustar à burguesia, subirão ao poder, de onde enganarão ao capitalismo liquidando-o pouco a pouco, com tática.
Todos estes espertos foram esmagados pela burguesia, ou ainda transformaram-se de espertos em fiéis servidores da burguesia.

Também o parlamentarismo é uma forma de oportunismo. Consiste em acreditar que os parlamentares de esquerda podem conseguir a aprovação de leis favoráveis aos trabalhadores graças à sua habilidade. Em primeiro lugar, quando conseguem que alguma lei vantajosa aos trabalhadores seja aprovada, isto não ocorre de sua habilidade parlamentar, mas da pressão das massas, que faz o capitalismo retroceder. Em segundo lugar, jamais conseguirão a aprovação de uma lei que afete substancialmente o sistema capitalista.

3.    Ultra-esquerdismo

Já vimos que uma política eleitoreira é uma forma incorreta de encarar os processos eleitorais. Outra forma incorreta é o ultra-esquerdismo que pode converter-se em um grande entrave para que os marxistas revolucionários aproveitem os processos eleitorais.

A chave do pensamento ultra-esquerdista é seu divórcio da experiência concreta das massas.

O ultra-esquerdismo se baseia em um pressuposto verdadeiro: a burguesia jamais permitirá que os trabalhadores cheguem ao poder mediante eleições. Partindo desta verdade comprovada continuam seu raciocínio de maneira errônea: “Posto que a burguesia não deixará as massas chegarem ao poder pela via eleitoral, não devemos caminhar por esta via, pois seria uma prática eleitoreira, que criaria ilusões nas massas.”

Aos ultra-esquerdistas basta que eles tenham chegado à conclusão que as eleições não são um caminho para a tomada do poder. Em nenhum momento percebem que as massas ainda crêem nas eleições, que é nossa obrigação acompanhá-las em sua experiência e que é precisamente através da nossa participação que mostraremos às massas que as eleições burguesas são uma farsa, que a burguesia não nos permite chegar ao poder de forma pacífica, que usa a violência contra nossos direitos democráticos e que devemos opor a esta brutalidade a ação violenta das massas em defesa de seus direitos democráticos. Ou seja, que somente mediante a revolução as massas tomarão o poder.

Tudo isso as massas não aprendem da noite para o dia, mas através de uma longa experiência, e é nossa obrigação caminhar junto a elas, aprofundando e facilitando sua assimilação desta experiência.

O ultra-esquerdismo abandona sem luta o campo de batalha eleitoral e parlamentar. Deixa as massas abandonadas frente à burguesia e ao reformismo eleitoreiro. Desperdiça as possibilidades de extensão e construção do partido que alcançará sua vida legal mediante a luta das massas.

Os comícios legais, as sedes partidárias, os espaços de TV, de rádio, de imprensa, a vida legal dos partidos operários, etc... Não são uma concessão da burguesia, mas um direito nosso das massas conquistado com sua luta; é nosso dever aproveitá-lo ao Maximo enquanto durem.

Quanto mais agilmente aproveitarmos a abertura legal, quanto mais utilizemos para o crescimento do partido e sua penetração nas massas, mais preparados estaremos para um período de clandestinidade. Nossa penetração de massas nos dará forças para resistir a este período.

Muitas vezes é a jovem intelectualidade que cai neste desvio por contraposição ao reformismo e porque suas elucubrações intelectuais se tornam independentes do que ocorre no mundo real.

4.    Sindicalismo ou economicismo
O desvio chamado sindicalismo ou economicismo dá grande importância Às lutas sindicais, especialmente econômicas, dos trabalhadores, desprestigiando a luta no terreno político.
Certamente as lutas sindicais são importantes, mas por si só não bastam para combater o capitalismo. O capitalismo governa politicamente a sociedade e é fundamental traçar uma estratégia para arrebatar-lhe este poder político.
Também temos que levar em conta que nós, revolucionários, temos como responsabilidade lutar pelos interesses diários de todos os setores explorados, e não somente da classe operária organizada em sindicatos, que é uma minoria.
A grande massa de explorados lutará junto à classe operária, participa junto a ela em greves gerais e em ações menores. Se o partido da classe operária se considera como sua vanguarda, é sua obrigação atender aos interesses particulares e coletivos da grande massa. Por isso buscamos consignas de interesse geral de todos estes setores explorados e as consignas políticas têm esta virtude.
Nos momentos em que não está colocada a insurreição, geralmente as consignas sindicais estão dentro dos marcos institucionais burgueses. Por exemplo: aumento de salários, readmissão de demitidos, cumprimento de acordos e leis trabalhistas, etc. Isto não é estranho, pois o sindicalismo se converteu em uma instituição burguesa devidamente registrada em constituições e códigos do aparato capitalista como uma forma de manter os trabalhadores dentro de seu sistema.

Sob estas condições, as consignas políticas que, como dissemos, abarcam a maioria explorada, geralmente também se mantém dentro destes marcos, por exemplo: liberdade de imprensa, direito de greve, etc.
Um aspecto muito importante dos direitos democráticos é a luta por eleições livres e democráticas; isto inclui o direito ao sufrágio universal, incluindo analfabetos e soldados; o direito à legalidade dos partidos políticos; o direito a possuir sedes, imprensa; o direito a realizar comícios; de utilizar espaços gratuitos no rádio, imprensa, televisão, etc.
Estes são direitos de todo o povo, e não somente da classe operária organizada nos sindicatos.
Consignas deste tipo propiciam a unificação dos interesses de todos os explorados.
Há companheiros que acreditam que a luta por estas consignas é, por si só, reformista, como acreditaram, por exemplo, que a luta pelo DS 003 era reformista
Pode ser que a forma como se leva a luta pelo DS 003 e pelas consignas democráticas seja reformista. Nós devemos imprimir-lhe um caráter revolucionário, um caráter de mobilização de massas.
Existem companheiros que dizem que este tipo de consigna é bom para países com tradição democrática e não para os nossos. Muito pelo contrário, precisamente em nossos países a burguesia é mais incapaz de conceder direitos democráticos plenos, de permitir eleições livres e democráticas. Estas consignas são, portanto, mais explosivas em nossos países. Não nos esqueçamos que houve uma ocasião na América do Sul em que os trabalhadores e seus aliados explorados destroçaram o exército burguês e lhe arrebataram as armas. E qual foi o motivo? Exigir o respeito às eleições. Aconteceu na Bolívia em 1952 e se a classe operária não tomou o poder é porque não havia um partido marxista na sua direção.
5.    O marxismo revolucionário

Nós, marxistas revolucionários, não caímos nas ilusões dos eleitoreiros nem no sectarismo dos ultra-esquerdistas.

Os processos eleitorais, precisamente por serem uma manifestação das contradições internas da burguesia, nos oferecem a oportunidade para aguçarmos essas contradições e nos fortalecermos.

1.  Alternativa Geral
Nos momentos não eleitorais (se não se está em um processo revolucionário) os diferentes setores do povo estão pensando e atuando quase que exclusivamente ao redor de seus problemas particulares, setoriais, ou seja: os das demissões, etc., os camponeses dos problemas de água, luz transporte. Nos diferentes partidos burgueses falam ao povo de soluções políticas integrais, para todos os problemas. Neste ambiente de interesse por soluções integrais, nós temos uma oportunidade propícia para mostrar nossa alternativa política geral para as massas.
Os camaradas incorporados neste processo, desde o início conhecerão o essencial de nossa política, mais do que os incorporados a partir de lutas parciais, setoriais.
2.  Liberdades democráticas

Nos momentos eleitorais a burguesia se vê obrigada a conceder maiores liberdades democráticas que normalmente, para dar maior credibilidade ao processo.

É nossa obrigação aproveitar ao máximo esta abertura legalizando o partido, abrindo sedes, realizando comícios políticos, etc., e se for possível, naturalmente,  utilizando a TV e outros meios de comunicação de massa nas mãos da burguesia.

Sem dúvida sabemos que jamais a burguesia concederá liberdades democráticas por completo. Sabemos também que ela poderá retomar as que já concedeu ao ver que soubemos usá-las. Tudo isto deve ser aproveitado também, denunciando a farsa que significam as eleições com liberdades limitadas. Devemos exigir, como nosso direito, as mais amplas liberdades democráticas e tratar de mobilizar as massas em torno desta exigência. É uma imbecilidade resignar-se ante a falta de liberdades, pois sabemos que é natural que a burguesia as tire de nós, isso é, renunciar à educação das massas e à luta por algo que nos pertence. É perder a
oportunidade de prender a burguesia em suas próprias contradições.


3.  Combinação com outras formas de luta

Outro aspecto importante que nós, revolucionários, devemos ter em conta é ligar intimamente a campanha eleitoral e a ação parlamentar à luta diária das massas.

Isto quer dizer que uma das bases da campanha eleitoral e da ação parlamentar será a agitação das lutas existentes, mostrando sempre que o caminho na direção da libertação das massas é precisamente esta sua mobiliza independente por suas próprias reivindicações. A outra face desta política é utilizar a campanha e os cargos conquistados no parlamento para impulsionar as lutas existentes nos diversos setores. Temos que trabalhar da melhor maneira possível esta interação entre as lutas dos distintos setores e a campanha eleitoral e a ação parlamentar.
Quanto mais forte for a organização partidária melhor se poderá aplicar esta política.

4.  Independência de Classe

Um dos aspectos mais importantes da campanha eleitoral dos marxistas revolucionários é usá-la para a educação acerca da independência política de classe.

A campanha eleitoral é uma oportunidade pouco comum para educar aos trabalhadores, sobre a necessidade de sua ação política estar completamente separada e oposta à ação de qualquer setor burguês. É uma oportunidade para diferenciar-nos claramente do reformismo e do centrismo.

Há momentos na luta de classes em que alguns setores da burguesia podem realizar alguma ação conjunta com os trabalhadores por alguma reivindicação comum; há pouco tempo tivemos um exemplo disto, quando alguns setores burgueses se manifestaram contra o fechamento das revistas independentes, ou quando algum setor local da burguesia se enfrenta com o poder central. Em casos como este não é incorreto golpearmos juntos marchando separados. Mas em campanhas eleitorais o problema é outro. Esta colocada a questão do poder político, ainda que saibamos que não o obteremos por esta via. Neste aspecto temos que ser intransigentes: Jamais caminharemos junto com qualquer setor burguês, por mais progressista que este se mostre.

Isto é muito importante, pois se constitui em uma maneira eficaz de educar às massas sobre o perigo da colaboração de classes. Devemos usar os exemplos do Chile, Bolívia, Guatemala, etc. para mostrar que os governos de colaboração de classes são em realidade a ultima defesa da burguesia contra os trabalhadores.

Se os trabalhadores se enfrentarem e derrubarem este tipo de governo, serão golpeados pelos setores mais reacionários da burguesia quando eles considerarem que estes governos já cumpriram o papel de freio do movimento de massas. Depois de cada Allende virá um Pinochet.

A forma que adquire nossa política de independência de classes em processo eleitorais pode variar de acordo com as condições do país, a correlação de forças, etc. Se o partido revolucionário é frágil e a classe operária está dentro dos partidos operários reformistas, pode ser uma tática interessante chamar o voto em seus candidatos, embora criticando seu programa reformista. Neste caso não estamos deseducando os trabalhadores posto que se votam em um partido operário reformista, estão mantendo a independência de classe, mas é fundamental que nos manifestemos contra os programas defendidos por estes partidos, pois soa programas de colaboração de classe.

Quando podemos participar diretamente nas eleições, temos que tomar muito cuidado para manter a pureza programática. Não podemos cair na tentação de negociar nosso programa para obter mais força eleitoral combinando-nos com o reformismo ou o centrismo. É preferível obter menos votos, mas para um programa claro de independência de classe, socialismo governo dos trabalhadores. Já sabemos que o grande benefício que tiramos das campanhas eleitorais é a educação política das massas. Não podemos vendê-lo por uma quantidade maior de votos.

Há também ocasiões em que o marxismo revolucionário pratica o boicote ou chama de voto em branco. Isto acontece, por exemplo, quando só há candidatos burgueses ou quando as massas, em seu conjunto, já superaram as ilusões eleitorais.

5.  Demonstração de força
As campanhas eleitorais e as eleições em si mesmo são importantes como demonstração de força. Se um ato público ou uma passeata bem sucedidos eleva a moral das massas baixa o prestigio do inimigo, as eleições provocam o mesmo efeito, só que em grade maior. Uma votação alta de um partido operário em eleições burguesas eleva a moral dos trabalhadores.

6.  Censo
Os resultados eleitorais também são úteis por seu caráter de censo; mostram-nos onde temos força, onde são fortes as outras correntes de esquerda e a direita, o que é o fundamental importância para traçarmos nossa estratégia geral

*Hugo Blanco
Revolucionário Peruano
Fonte: Perspectiva Internacional
Lima - Setembro/outubro - 1982

Nenhum comentário:

Postar um comentário