sábado, 9 de janeiro de 2010

Avatar: Qual é a mensagem subliminar do filme



Minha crítica ao filme “Avatar” gerou como eu esperava uma forte reação negativa de quem gostou do filme. O argumento deles é sempre o mesmo: filmes como esse devem ser unicamente avaliados como peças de entretenimento. Ponto final.

Eu não concordo. Ainda mais no caso desse filme, que traz em seu bojo uma pretensa mensagem política e ecológica. Para mim, quanto mais pretensioso é o filme em seus objetivos, maior deve ser a cobrança sobre ele. E quanto maior for sua pretensão, maior deve ser o cuidado do cineasta em embasar sua obra com conteúdo suficiente para que ela sobreviva a uma análise mais profunda e crítica.

Uma vez eu vi uma entrevista com o diretor John Carpenter onde ele era questionado sobre as possíveis conotações políticas do filme “Era Uma Vez Na América”, de Sergio Leone. Ao que o diretor de “Fuga de Nova York” responde: “Todo filme tem conotação política, até mesmo eu suponho ‘Plan 9 From Outer Space’”. Eu assino embaixo.

Muitas vezes um filme pode parecer que é apenas “entretenimento”, porém traz embutido nele centenas de mensagens, conceitos e valores sociais ou morais que vão manipular e moldar a mente do espectador. Algumas vezes, esses conceitos são explícitos, mas na maioria eles ficam implícitos. E em grande parte das vezes, os conceitos implícitos são diferentes dos explícitos embora, em última instância, sejam os últimos que vão formar a opinião de espectadores incautos.

“Avatar” é um desses casos. Apesar de possuir uma suposta mensagem altamente explícita contra o capitalismo, o exército e a favor da natureza e da ecologia, o que vale realmente é o que está por trás de tudo isso e que, na minha modesta opinião, vai contra ao que o autor da obra supostamente quer ensinar.

E como eu cheguei a essa brilhante conclusão? Bem, não é fácil explicar, mas vejamos se eu consigo.

Em primeiro lugar, filmes com mensagens pretensiosas que querem provocar a reflexão da platéia devem, como eu disse, embasar seus argumentos de maneira forte e coerente. “Avatar” para começo de conversa passa longe disso. Assim, ao invés de personagens complexos e humanos (leia-se, com problemas, dúvidas, fraquezas e conflitos), temos personagens unidimensionais (os bons, os maus, os ingênuos) e caricatos (maus são violentos ou gananciosos, bons são pacíficos, ingênuos querem o bem, mas fazem o mau por tabela, e assim por diante). Isso, já de cara, dilui completamente qualquer mensagem que o filme quer passar porque reduz tudo a um festival de clichês que não exige reflexão por parte da platéia e impede que nos identifiquemos com os personagens. Além disso, qualquer um é capaz de adivinhar o que vai acontecer até o final depois de 20 minutos de projeção.

Alguns podem argumentar que o protagonista, Jake Scully, seja matizado, afinal começa “vilão” (servindo aos interesses dos militares) e depois se torna “herói”. Poderia até ser, porém o arco que o personagem passa é por demais primário e suas motivações nunca são expostas claramente para tornar sua “jornada” da direita para a esquerda sequer perto de algo interessante.

Compare, por exemplo, com o arco sofrido pelo personagem de Val Kilmer no filme “Coração de Trovão”. Naquele filme, Kilmer também começa à direita, fazendo o serviço sujo do governo dos EUA numa reserva indígena, para depois voltar-se para a esquerda, ajudando os nativos revolucionários que lutavam contra latifundiários que queriam explorar suas terras. A “jornada” do “Coração de Trovão” é extremamente complexa, pesarosa e cheia de conflitos – ele é filho de um nativo alcoólatra, rejeita sua herança e sempre se portou como um mauricinho de Washington até mergulhar de cabeça no mundo dos nativos e sujar suas mãos com o sangue de seus antepassados. Embora consiga desmascarar os envolvidos no esquema de morte e repressão dos nativos (inclusive dentro do próprio FBI) ele obtém uma mera vitória de Pirro e o filme termina de forma melancólica, deixando claro que as injustiças e as perseguições políticas denunciadas pelo filme continuariam ocorrendo.

Já em “Avatar”, o que ocorre é justamente o contrário. O protagonista sai da direita (representada por um comportamento desumano, frio, insensível, preconceituoso, egoísta, violento) e vai para a esquerda (o contrário de tudo aquilo) num piscar de olhos, sem passar por qualquer conflito ou drama interior. Ele começa caricato e termina caricato. Nem em “Star Wars” a jornada do herói é tão vazia e raza assim, pois lembremos que Luke Skywalker, além de sofrer o diabo nos três filmes da série, ainda descobre que o malvadão máximo da trilogia é ninguém menos do que seu pai! Eu vi “O Império Contra-Ataca” nos cinemas quando tinha uns 10 anos e lembro bem até hoje do impacto que essa revelação teve na gente.

Não importa se sejam comédia, drama, épico ou terror: filmes bons, que são lembrados com o tempo, são aqueles que conseguem deixar uma marca, uma idéia, uma reflexão, ou seja, algo mais do que simples imagens bonitas e maravilhosos efeitos especiais. Principalmente aqueles que tem a pretensão de nos fazerem pensar. E aí vamos chegando à conclusão do filme, que é onde tudo desanda de vez.

“Avatar”, assim como muitos outros filmes com mensagens fracassadas, erra feio justamente em sua conclusão ao apelar para o bendito final feliz e redentor. Se até então o que vimos na tela estava há mil anos luz de ser uma obra prima da dramaturgia, tudo fica ainda mais abominável quando o encerramento apela para o que há de mais pobre e batido. No caso, a vitória altamente improvável e esmagadora dos “heróis” contra os “vilões” e a transformação final do protagonista, que literalmente vira um dos alienígenas, jogando fora e rejeitando tudo que ela havia sido até então (aqui ainda temos uma mensagem implícita extremamente fascista para as pessoas portadoras de necessidades especiais!).

Que tipo de reflexão isso gera nas pessoas? Será mesmo que alguém saiu do cinema pensando em se engajar politicamente para “salvar o planeta” ou repensando seus conceitos em relação ao capitalismo e sobre o massacre de indígenas que ocorreu na conquista das Américas, que pareciam ser os objetivos do diretor James Cameron? É claro que não! O máximo de comentários que um filme desses gera é sobre seus efeitos especiais “revolucionários” e uma sensação do tipo “alguém precisa salvar a natureza” que se esvai assim que o sujeito chega ao balcão do próximo McDonald’s.

Cito aqui, a título de comparação, outro filme de fantasia e ficção que é o contrário de “Avatar” em tudo, menos na pretensão de nos fazer refletir sobre as injustiças e os absurdos de nossa sociedade capitalista opressiva. É “Brazil”, de Terry Gilliam. Repare que a jornada do protagonista é bem similar à de Jake Sully – sai da direita e vai para esquerda -, porém na obra de Gilliam não há lugar para finais felizes nem redentores. E é justamente quando confrontados com a duríssima realidade político-social do filme que percebemos que aquele absurdo todo visto na tela nada mais é do que um reflexo distorcido da nossa própria realidade.

E, por favor, não venham me falar que “Brazil” é filme cabeça, que só iniciados podem entender, porque eu o assisti quando tinha uns 16 anos e estava no auge da minha modalidade “papagaio da direita”, porém lembro até hoje do impacto que aquela obra – principalmente seu final terrível – teve no início da formação do meu caráter à esquerda.

Os filmes da trilogia "Matrix" também são exemplos de clichês sendo virados de ponta cabeça com o objetivo de gerar reflexão política naqueles que se incomodam de colocar seus neurônios para funcionar.

Mas, tenho certeza, algum leitor mais esperto vai me dizer: “Ora, mas o filme de James Cameron custou US$ 300 milhões! Você acha que o cara ia colocar um final triste desses aí que você gosta só pra fazer meia dúzia de chatos pensarem?”. Pois é. A pergunta que esse babaca ia formular é justamente o que eu precisava para fechar meu texto. “Avatar” é um produto cultural feito para, única e exclusivamente, trazer lucros para as empresas e pessoas que nele investiram seu capital – inclusive seu super bem intencionado diretor. Não é, portanto, o mesmo objetivo da companhia “vilã” que estava explorando Pandora? Quais são então os valores que o filme realmente defende e passa em última instância e de maneira subliminar?

A resposta é simples, não? Simples até demais pro meu gosto...

Mas verdade seja dita: os executivos e acionistas do cinemão comercial estadunidense adoram ver revolucionários felizes e armados até os dentes derrotando opressores capitalistas na tela dos cinemas. Porque isso gera catarse e sensação de redenção (que são garantias de alienação e acomodação) e, acima de tudo, lucro. Já na na vida real os Jake Sullys não podem ganhar de jeito nenhum e são chamados de “terroristas” e outras aberrações do tipo. É ou não é?

E se você acha que tudo isso acontece por coincidência ou acidente, pense de novo. "Avatar" demorou 10 anos para ficar pronto e custou trocentos milhões de dólares. Não há um fotograma no filme que não tenha sido meticulosamente escrutinado e programado para passar o máximo de impacto possível. Na indústria cultural de propaganda do capitalismo não há nada que aconteça por coincidência ou acidente. Nada!

Postado por André Lux

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