segunda-feira, 5 de maio de 2014

A globalização na política


É espantoso ver uma liderança da
'sociedade civil' ensinando um 
ditador a abolir eleições diretas


O texto abaixo refere-se a um telegrama de 14 de agosto de 1965, um ano e alguns meses após o golpe de 1964. Foi enviado pelo então embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Lincoln Gordon. Reproduz conversas com o dono das Organizações Globo, Roberto Marinho. Ambos já morreram.

A transcrição do essencial do documento (o original na íntegra pode ser encontrado facilmente pelo Google) serve para muita coisa. Oferece aos que não usam a internet — sim, existem estas pessoas — o acesso a um instante da história que até hoje atormenta o país. Demonstra, também, que nem sempre as chamadas teorias conspiratórias representam fantasias. São muitas vezes práticas conspiratórias com nome, endereço e autores conhecidos.

Neste caso, de consequências trágicas, não deixa de ser espantoso ver uma liderança da "sociedade civil" ensinando um ditador a abolir eleições diretas para permanecer no poder. De graça não deve ter sido. As conclusões ficam a cargo do leitor.
"Para: Departamento de Estado



14 de agosto de 1965



Confidencial.



Este é um relato de um encontro extremamente confidencial com Roberto Marinho, publisher do Globo', sobre os problemas da sucessão presidencial. A proteção da fonte é essencial.



Marinho estava convencido de que a manutenção de Castello Branco como presidente é indispensável para a continuidade das políticas governamentais presentes e para evitar uma crise política desastrosa. Ele tem trabalhado silenciosamente com um grupo incluindo o general Ernesto Geisel, chefe da Casa Militar, general Golbery, chefe do Serviço de Informações, Luiz Vianna, chefe da Casa Civil, Paulo Sarazate, uns dos amigos mais íntimos do presidente.



No início de julho, Marinho teve um almoço privado com o presidente. Marinho achou Castello bastante resistente a qualquer forma de continuidade de mandato ou sua reeleição. Marinho também pediu a volta do embaixador Juracy Magalhães para ser o ministro da Justiça. Objetivo: ter Juracy como um possível candidato a sucessor de Castello e melhorar o funcionamento daquele ministério, cujo ocupante, Milton Campos, é extremamente respeitável, mas dócil demais.



No dia 31 de julho, Marinho teve um segundo almoço reservado com o presidente no qual ele insistiu que eleições presidenciais diretas em 1966 sem ter Castello como candidato poderia trazer sérios riscos de retrocessos. Tudo bem pensar em Juracy Magalhães ou Bilac Pinto como sucessores, mas a eleição deles não estava garantida. E a indicação, pelo PTB, do marechal Lott com uma plataforma abertamente antirrevolucionária e com o apoio dos comunistas ilustrava os perigos.



Marinho falou ao presidente que entendia o desejo de Castello de manter a promessa de deixar o poder no começo de 1967, mas se isso fosse feito ao custo de uma volta do Brasil ao passado, Castello estaria violando a confiança que a nação tinha depositado nele. Para Marinho, Castello deveria pesar as alternativas e riscos cuidadosamente. Embora Castello não tivesse indicado explicitamente, Marinho saiu satisfeito no final da conversa. Achou que o presidente não se oporia e mesmo daria sua colaboração a medidas que permitissem sua reeleição, provavelmente na forma de eleição indireta.



Nestas bases, o grupo planejou uma estratégia para transformar a eleição presidencial de 1966 em eleição indireta e viabilizar a candidatura de Castello Branco. Os próximos passos eram ganhar alguns membros chaves do Congresso tais como Pedro Aleixo, Bilac Pinto, Filinto Muller e líderes do PSD. Marinho enfatizou que muitos obstáculos inesperados poderiam surgir nesta estratégia, que com certeza terá a oposição de Lacerda por um lado e de forças antirrevolucionárias por outro lado.



Comentário. As colunas de fofoca política estão cheias de especulações sobre mudanças no regime. Eu considero as informações de Marinho muito mais confiáveis.



Lincoln Gordon."
PS: E eram mesmo...

Ricardo Melo
No fAlha
via http://www.contextolivre.com.br/2014/05/a-globalizacao-na-politica.html

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