No 4º Congresso Nacional do PT, realizado no último fim de semana, o mais importante documento aprovado foi uma “Resolução Política”. Muita coisa foi significativa nos três dias que durou o evento (como a saudação entusiasmada que recebeu José Dirceu, em desagravo ao modo como foi tratado por certa imprensa), mas é ela que vai durar.
Para todos efeitos, é uma espécie de atualização do programa do partido, a mais recente desde o 3º Congresso Nacional, que aconteceu em 2007, após a reeleição de Lula. Nela, o partido toma posição em relação ao governo federal, fornece sua visão do cenário nacional e internacional, e estabelece uma agenda de curto prazo, seja para a atuação de seus parlamentares, seja para as próximas eleições municipais.
Pode-se gostar ou não do PT enquanto partido, mas de uma coisa quase ninguém duvida: está a anos-luz dos demais, em qualquer dimensão relevante de comparação objetiva. É, de longe, o maior e o mais organizado de todos os partidos que tivemos em nossa história....
Pode-se, também, concordar ou discordar do conteúdo da Resolução. Mas é um documento que não pode ser ignorado.
A começar, pelo simples fato de existir. Estamos exageradamente acostumados a que os partidos nada tenham a dizer institucionalmente, e a ouvi-los apenas através de suas lideranças. Sua manifestação formal e oficial é rara, o que é reflexo da dificuldade que têm para construir consensos e encontrar os sentimentos majoritários de seus integrantes.
Nos pequenos, o personalismo dos dirigentes é tão grande que decidem sozinhos e divulgam suas opiniões quando querem e da forma que lhes apraz. Alguns têm tanta consideração por seus correligionários que os informam de decisões partidárias através do Twitter.
Nos grandes, temos alguma vida partidária efetiva. Mas as dissensões inter-pessoais costumam ser tão intensas que apenas raramente é possível chegar a acordos que permitam elaborar ou rever programas e documentos semelhantes.
O PSDB, por exemplo, desde sua fundação em 1988, só sentiu que precisava preparar um novo documento programático em 2007. Ainda assim, o apresentou como um simples “manifesto”. De lá, para cá, não falou mais como partido. Especialmente depois de quando Fernando Henrique passou a publicar com regularidade seus pontos de vista pela imprensa.
Seus artigos, sempre assinados, se tornaram o que de mais perto há no PSDB de documentos programáticos. (O que não deixa de ser coerente: partidos de quadros, documentos individuais, elaborados por “notáveis”; partidos de massa, documentos coletivos, fruto da negociação entre correntes.)
Deixando, por ora, a discussão do conteúdo da Resolução petista, podemos comparar sua linguagem à do texto tucano de 2007. É um modo de ver as diferenças que existem entre os partidos.
Algumas palavras aparecem em proporção totalmente diversa nos dois documentos. “Corrupção”, assunto relevante para o PSDB em 2007 (dois anos depois do mensalão), surge em seu documento 4 vezes. No do PT, escrito agora, 12. “Comunicação”, algo pouco importante para os tucanos, lá está apenas uma vez. Como é preocupação atual do PT, aparece 12 vezes no seu.
“Eficiência” e “gestão” (com suas combinações) são marca tucana: 14 vezes no seu manifesto. Nem tão relevantes para o PT: 4, na Resolução.
Totalmente diferentes as interlocuções: “mulher”, 13 (PT) a 1 (PSDB); “movimento (social, sindical, etc.)” 19 a 2; “negro” 4 a 1; “trabalhador” 13 a 9; “sindicato” 4 a 1. Ambos citam “jovens”(ou “juventude”) em quantidade parecida: o PT por 11 vezes, o PSDB, 9. Nos “empresários”, empate: 1 a 1.
Diferente também a geografia: no documento petista, há 12 menções à America Latina (ou do Sul), enquanto no tucano apenas 2; os Estados Unidos são citados 7 vezes pelo PT (de forma negativa em quase todas) e não aparecem no documento do PSDB. Já a China e a Índia estão nos dois em igual medida: juntas, são mencionadas 6 vezes pelos tucanos e 5 pelos petistas.
Nas suas 11 mil palavras, a Resolução do PT cita Dilma (pelo nome ou pelo cargo) 41 vezes. Lula aparece 33. “Neoliberal” (ou “neoliberalismo”), 26 vezes (todas, é natural, de forma crítica); “socialismo”, 5; “esquerda” (ou “centro-esquerda”), 15. Nenhuma está no texto tucano.
Há quem ache que a leitura dos programas partidários é irrelevante. Não é. Pode ser elucidativa.
Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto de pesquisas Vox Populi
via Com textolivre
Nenhum comentário:
Postar um comentário