segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Como os futuros padres enfrentam os obstáculos da sexualidade

Toda entrevista de trabalho tem seus momentos incômodos, mas, nos últimos anos, a entrevista padrão para homens que procuram uma vida no sacerdócio católico romano fez desse momento incômodo uma exigência.
A reportagem é de Paul Vitello, publicada no jornal The New York Times. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"Quando foi a última vez que você fez sexo?", pergunta-se a todos os candidatos ao seminário. (A resposta preferida: "não" há três anos ou mais).
"Que tipo de experiências sexuais você já teve?" é outra pergunta comum. "Você gosta de pornografia?".
Dependendo das respostas e dos resultados dos testes psicológicos padrão, a entrevista pode avançar para águas mais profundas: "Você gosta de crianças?". E "você gosta de crianças mais do que você gosta de pessoas da sua idade?".
Isso faz parte de um percurso de revelação dos obstáculos pessoais que os futuros seminaristas são obrigados a passar após uma crise de abusos sexuais que as autoridades da Igreja decidiram enfrentar, em parte, limpando de suas academias os potenciais molestadores, de acordo com as autoridades da Igreja e os psicólogos que avaliam candidatos em Nova York e no resto dos EUA.
Mas muitas das perguntas também são dirigidas a uma outra missão, igualmente sensível: decidir se os candidatos gays devem ter sua admissão negada de acordo com as recentes e complexas "guidelines" [linhas-guia] do Vaticano, que não banem explicitamente todos os candidatos homossexuais, mas exclui a maioria deles, até mesmo alguns que são célibes.
Estudos científicos não encontraram nenhuma ligação entre a orientação sexual e os abusos, e a Igreja tem o cuidado de descrever suas duas iniciativas como mais ou menos separadas. Um alto assessor dos seminários norte-americanos caracteriza-as como "dois círculos que se sobrepõem aqui e ali".
Além disso, desde que a crise dos abusos sexuais estourou em 2002, restringir a entrada de homens gays ao sacerdócio se tornou uma das maiores prioridades da Igreja. E essa tarefa caiu sobre os diretores de seminários e um grupo de psicólogos que dizem que a seleção de candidatos se tornou um árduo processo de testes, entrevistas e tomada de decisões – baseado na ciência social, no dogma da Igreja e no instinto.
"A melhor forma em que eu posso descrever isso é que não é algo preto e branco", disse o assessor Pe. David Toups, diretor do secretariado do clero, da vida consagrada e das vocações da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos. "É como uma daquelas coisas que é difícil de definir, mas que eu sei quando a vejo".
Muitas autoridades da Igreja têm sido relutantes em discutir o processo de triagem, e seus detalhes diferem de diocese para diocese. Na densamente povoada diocese de Brooklyn, as autoridades estão confiantes em seus resultados em um aspecto.
"Nós não temos nenhum homossexual no nosso seminário neste momento", disse o Dr. Robert Palumbo, psicólogo que selecionou candidatos ao seminário no Cathedral Seminary Residence, em Douglaston, Queens, durante 10 anos. "Eu tenho quase certeza disso". Se isso reflete um veto rigoroso ou a relutância dos gays em se candidatar, ele não sabe dizer. "Estou apenas relatando o que acontece", disse ele.
A preocupação com os gays no sacerdócio surgiu na Igreja há séculos, e tem se intensificado nos últimos anos por causa das afirmações de alguns estudiosos católicos de que 25% a 50% dos padres nos Estados Unidos são gays. A Igreja nunca fez sua própria pesquisa, mas outros especialistas estimam que o número seja muito menor.
"Cultura gay"
O escândalo dos abusos sexuais levou alguns bispos conservadores a colocar a culpa da crise em uma "subcultura homossexual" no sacerdócio. Embora ninguém tenha proposto a expulsão dos padres gays, a crise tem oposto esses tradicionalistas a outros católicos que atribuem o problema aos padres, gays e heterossexuais, com personalidades disfuncionais.
Em 2005, o Vaticano se esquivou desse debate ideológico, mas pareceu satisfazer os conservadores ao emitir orientações que limitariam estritamente a admissão de homossexuais nos seminários católicos.
As linhas-guia, que reforçaram as regras existentes que não haviam sido amplamente aplicadas, definiu a homossexualidade de forma clara assim como ambígua: homens que ativamente "praticam a homossexualidade" devem ser barrados. Mas deixava-se aos reitores de seminários o discernimento do significado de instruções menos óbvias para rejeitar candidatos que "mostram tendências homossexuais profundamente enraizadas ou apoiam a chamada cultura gay".
Embora alguns católicos viram brechas nessa linguagem para se admitir homossexuais celibatários, o Vaticano apresentou em 2008 um esclarecimento. "Não é suficiente ter certeza de que ele é capaz de se abster da atividade genital", declarou a Congregação para a Educação Católica do Vaticano, que publicou as linhas-guia iniciais. "Também é necessário avaliar sua orientação sexual".
Alguns diretores de seminário ficaram confusos com a palavra "orientação", disse Thomas G. Plante, psicólogo e diretor do Instituto de Saúde e Espiritualidade da Universidade Santa Clara, que avalia os candidatos ao seminário para várias dioceses da Califórnia e de todo o país.
Um homossexual psicologicamente maduro, comprometido com o celibato, pode nunca se tornar padre? Essa foi a pergunta que diversos responsáveis pelas admissões fizeram, segundo o Dr. Plante. A Igreja poderia se dar ao luxo de afastar bons candidatos em meio a uma escassez crítica de padres?
A avaliação
O Vaticano permite que cada bispo e superior de ordem religiosa tome essas decisões, que variam de interpretações mais restritas ou mais liberais das regras. Mas os métodos para tomá-las se tornaram cada vez mais padronizados, dizem os especialistas.
Mons. Stephen Rossetti (foto), psicólogo da Universidade Católica de Nova York, que examinou seminaristas e já dirigiu um centro de tratamento para padres abusadores, disse que a avaliação pode ser "muito intrusiva". Mas acrescentou: "Nós estamos buscando duas qualidades básicas: a ausência de patologias e a presença de saúde".
Para isso, provavelmente a maioria dos candidatos será questionada não apenas sobre suas atividades sexuais passadas, mas também sobre as fantasias masturbatórias, o consumo de álcool, relação com os pais e as causas de rompimentos românticos. Todos devem fazer o teste de HIV e preencher exames escritos como as 567 perguntas do Inventário Multifásico de Personalidade de Minnesota, que analisa, dentre outras coisas, depressão, paranoia e confusão de gênero. Em outro teste, os candidatos devem apresentar desenhos de figuras humanas anatomicamente corretas.
Em entrevistas com psicólogos – que geralmente são escolhidos porque são terapeutas católicos com visões religiosas que vão ao encontro das visões das lideranças da Igreja local –, provavelmente também se perguntará aos candidatos sobre suas estratégias de gestão do desejo sexual.
"Você toma banhos frios? Você faz corridas longas?", disse o Dr. Plante, descrevendo uma chuva de perguntas típicas destinadas tanto a coletar informações, quanto a permitir que os avaliadores vejam a postura e o autoconhecimento do candidato – ou observem seus tiques ou sua falta de contato visual, que podem sinalizar outras coisas.
Nos seminários que buscam seguir estritamente as regras do Vaticano, um candidato pode ser avaliado pelo grau em que ele se define como gay.
A Igreja vê o sexo homossexual como um pecado, e as tendências homossexuais como um distúrbio psicológico, mas não impede que os homossexuais castos participem dos sacramentos. Esse grau de aceitação não se estende à ordenação.
"Seja solteiro ou não, a pessoa que se vê como 'homossexual', em vez de uma pessoa chamada a ser um pai espiritual – essa pessoa não deveria ser padre", disse o padre Toups, da conferência dos bispos.
Bodes expiatórios
Para além de sua afirmação – "eu sei quando a vejo" [a homossexualidade] –, nenhum entrevistado para este artigo foi capaz de descrever exatamente como os avaliadores ou os diretores de seminário determinam a orientação sexual de alguém. Alguns católicos manifestaram receio de que essa imprecisão leve ao preconceito e à arbitrariedade. Outros chamam isso de um desvio do objetivo mais importante de se encontrar padres bons e emocionalmente saudáveis.
"Um critério como esse não pode garantir que você esteja obtendo os melhores candidatos", disse Mark D. Jordan, cátedra R.R. Niebuhr da Harvard Divinity School, que estudou a homossexualidade no sacerdócio católico. "Embora possa lhe oferecer pessoas que mentem ou que estão tão confusas que não sabem nem quem são...".
"E mais uma ironia", acrescentou, "é que essas novas regras estão sendo rigorosamente cumpridas em muitos casos por diretores de seminário que são, eles próprios, gays".
É difícil medir a reação às recentes linhas-guia entre seminaristas e padres gays. Padres que uma vez defenderam o trabalho de homossexuais no sacerdócio tornaram-se relutantes em falar publicamente.
"É impossível que eles se pronunciem neste ambiente", disse Marianne Duddy-Burke, diretora-executiva do DignityUSA, grupo de defesa de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros católicos. "Os bispos têm transformado os padres gays em bodes expiatórios porque os gays ainda são um bode expiatório aceitável nessa sociedade, particularmente entre os que vão à Igreja semanalmente".
Os responsáveis pelo seminário da diocese de Brooklyn e da arquidiocese de Nova York não permitem que um repórter entreviste seminaristas. Mas a diocese de Brooklyn permite que um repórter converse com seu psicólogo, Dr. Palumbo, e seu diretor vocacional, Pe. Kevin J. Sweeney, cujas novas turmas de três a cinco seminaristas a cada ano tornam-o um dos mais bem sucedidos diretores vocacionais do país. Metade dos seminários do país têm um ou dois novos ingressos a cada ano, e um quarto deles não tem nenhum, de acordo com um estudo recente da Igreja.
Pe. Sweeney diz que as novas regras não foram uma ordem de batalha para uma caça às bruxas. "Nós não estamos dizendo que os homossexuais são pessoas más", disse. "E, certamente, os homossexuais têm sido bons padres".
"Mas isso tem a ver com a nossa visão sobre o casamento", disse ele. "Um padre só pode dar a sua vida pela Igreja no mesmo sentido de que um homem dá a sua vida pela sua esposa. Um homossexual não pode ter o mesmo relacionamento. Não se trata de condenar ninguém. Trata-se da nossa visão de mundo".
By: IHU

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