quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Um gosto pela ironia

História é uma velha senhora com um gosto às vezes cruel pela ironia.Por exemplo.O populismo de direita cresce na Europa Central, ou nos antigos satélites da União Soviética, em parte porque lá não houve nada parecido com a revolução cultural que sacudiu o conservadorismo político e social dos anos 50 na Europa Ocidental. E não houve nada parecido com 1968 na Europa Central porque os tanques soviéticos não deixaram.
O resultado da intervenção soviética, principalmente na Hungria e na Tchecoslováquia, foi que o modelo dominante de revolta para os jovens ficou sendo o nacionalismo à antiga, pré-Segunda Guerra Mundial, e não o modelo libertário do pós-guerra na França e em outros países. Portanto, nas origens do fascismo que volta na Europa Central com todos os seus maus costumes — antissemitismo, perseguição a ciganos e outras minorias etc. —, está o mesmo exército que resistiu heroicamente à máquina de guerra nazista e ajudou a derrotá-la.
Os milhões de russos mortos na luta contra o fascismo não estão achando muita graça.
Outra da História: a reforma agrária no Japão, que desmantelou uma estrutura feudal de séculos e serviu de exemplo para outras reformas parecidas, não foi obra de nenhuma esquerda, mas do general americano que mais se assemelhava a um senhor feudal, Douglas McArthur, imperador de fato do Japão durante a ocupação depois da Segunda Guerra.
Outra: se o capitalismo praticado na Alemanha atual e seus arredores econômicos — leia-se a União Europeia — é mais democrático do que o americano, com maior participação de empregados no controle de empresas, isto também se deve à derrota do fascismo e a questões geopolíticas decorrentes da Segundona.
Ainda vivemos todos num post-scriptum de 1945. Assim como McArthur quis acabar com o poder de uma aristocracia que instigava os sonhos imperiais do Japão, os americanos encorajaram os alemães a desenvolver um mercado socialmente responsável, distributivista, se é que existe a palavra, completamente diferente do seu próprio complexo industrial-militar, para descentralizar a economia e impedir a volta do poder a grandes industrialistas como os que tinham apoiado Hitler.
Aquela frase sobre escrever direito por linhas tortas, ou escrever torto por linhas bem intencionadas, diz respeito a Deus, mas também se aplica à História. No fim, são dois gaiatos.
Luis Fernando Veríssimo

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