segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O dia em que o Muro de Berlim caiu



por Luiz Carlos Azenha

O dia em que o muro de Berlim caiu eu estava em Berlim. Fazia parte de uma equipe da TV Manchete que foi privilegiadíssima. Eu, o Domingos Mascarenhas, o Hélio Alvarez e o Paulo Bolivar Carneiro acompanhamos ao vivo o fim da Guerra Fria.

Acompanhamos todo o processo, a partir do segundo mandato de Ronald Reagan nos Estados Unidos (nossa base era Nova York).

Não dá para analisar esse período da História sem voltar no tempo. Sem voltar ao Team B, um dos primeiros projetos dos neoconservadores em Washington. Todo ano a Central de Inteligência Americana fazia uma avaliação do poderio militar soviético. Nos anos 70, um grupo de intelectuais que atuava fora do governo começou uma campanha acusando a CIA de subestimar o poderio soviético.

Foi o primeiro "projeto" do gênero em que os neoconservadores utilizaram uma estrutura paralela ao Estado para forçar o governo americano a tomar uma decisão. Podemos dizer que foi o embrião da privatização da política externa americana, deslocando o controle dela de dentro de instituições federais para institutos privados financiados pela indústria bélica.

O anticomunismo fazia, então, o papel agora preenchido pelo "islamofascismo", o "bolivarianismo" e a "guerra contra as drogas".

A União Soviética andava mal das pernas. Em 1988, na nossa primeira visita ao país, dava para notar claramente a decadência econômica e consequente atrofia política. A propaganda americana fazia da URSS, no entanto, um adversário muito mais ameaçador que de fato era. Ao longo dos anos 70, mas especialmente depois da vitória do democrata Jimmy Carter em 1976, a turma do Team B tratou de turbinar a ameaça. O nome, equipe B, surgiu do fato de que se tratava de uma equipe formada paralelamente à da CIA para fazer as estimativas do poderio soviético. Foi George Bush, o pai, na época diretor da CIA, quem convocou o Team B.

A invasão soviética do Afeganistão, em 1979, não foi interpretada como um sinal de fraqueza da URSS diante das turbulências causadas pela revolução islâmica no Irã. Foi usada pela propaganda dos falcões como exemplo do poder militar soviético, embora o Kremlin tenha usado apenas armas convencionais e o exército Vermelho dado amplas mostras de incompetência.

Quando Reagan assumiu o poder, em 1980, os neocons chegaram junto ao poder. Reagan adotou o projeto guerra nas estrelas, para levar a guerra ao espaço e aumentou os gastos militares seguindo as recomendações do Team B. Reagan inventou grandes ameaças regionais, como os sandinistas da Nicarágua, precursores de Hugo Chávez. Com a justificativa de combatê-los, Reagan promoveu regimes brutais na América Central e guerras que, em nome de combater o comunismo, na verdade se destinavam a sufocar movimentos sociais em Honduras, na Guatemala e em El Salvador.

O fato é que a política de Reagan não só fortaleceu a linha dura em Washington, fortaleceu também a linha dura no Kremlin. A aventura militar no Afeganistão sangrou os soviéticos lentamente, da mesma forma que sangra hoje os norte-americanos.

Quando Mikhail Gorbatchev assumiu o poder, o fez claramente sob pressão para entregar os anéis e salvar os dedos. A rapidez com que ele e Reagan se entenderam, nas negociações de paz -- que nossa equipe acompanhou na Islândia, em Moscou, Nova York e Washington -- deixava claro que o império soviético estava ruindo.

Quem, como nós, tinha acompanhado esse processo, sabia que mudanças profundas viriam mais cedo ou mais tarde. Quando desembarcamos em Berlim Ocidental para fazer um programa sobre o fim da Guerra Fria para a TV Manchete não se sabia, ainda, que o Muro de Berlim seria fisicamente derrubado. Mas, quando a notícia nos pegou de surpresa, não dá para dizer que foi exatamente uma surpresa.

Pelas estimativas da CIA, o muro de Berlim jamais cairia. A essa altura, as estimativas da agência sobre o poderio soviético já estavam em linha com os objetivos politicos dos falcões da política externa, dos neocons e da indústria armamentista.

Já as estimativas originais do Team B se revelaram completamente exageradas -- porém, já tinham servido a seu propósito. Mais tarde esse modus operandi foi reprisado quando se disse que Saddam Hussein tinha um exército poderoso ou controlava armas de destruição em massa.

Fracassos posteriores da CIA, em prever o colapso da própria União Soviética, a invasão do Kuwait pelo Iraque e o 11 de setembro foram atribuídos às diretrizes adotadas pela agência depois da passagem de George H. Bush, que mais tarde se tornaria presidente dos Estados Unidos. Lá atrás, os neocons haviam compreendido que as estimativas e avaliações da CIA eram essenciais para travar a guerra de propaganda. Se não houver um inimigo externo, eles inventam. Mesmo que for o terrível Manuel Noriega e suas machetes assassinas. Papel aceita tudo.


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