sábado, 14 de fevereiro de 2015

Das origens do carnaval à paixão nacional




Postado por Juremir em 14 de fevereiro de 2015 - Uncategorized
Fui ver, faz alguns anos, o carnaval de Veneza e quase morri de tristeza. Vi pessoas nas esquinas geladas com lindas fantasias. Mas meu corpo exigia o carnaval brasileiro. Vi carnaval em Paris e quase morri de frio. A minha alma sucumbiu ao vento gelado e à saudade dos trópicos. Vi carnaval em Berlim e fiquei paralisado. Meu coração queria um carnaval negro e verde-amarelo. A culpa era do inverno. Ou da minha paixão pela nossa brasilidade. No começo, porém, como no futebol, os negros estavam excluídos das festas de fevereiro. As alas das baianas surgiram por apropriação da participação de mulheres negras, vestidas de branco, entoando seus cantos em procissões. Felizmente os negros tomaram o carnaval e o futebol dos brancos.
Nos primeiros tempos dos desfiles, o carnaval foi instrumentalizado por interesses cívicos estatais. Já no Estado Novo, a ditadura de Getúlio Vargas, a Portela ganhou quase tudo fazendo o papel de porta-voz do patriotismo na avenida. O historiador do carnaval Haroldo Costa destaca o fato de que, nos primórdios, negros alforriados foram exibidos em carros alegóricos. Mangueira e Salgueiro foram as primeiras escolas de samba a abraçar realmente a cultura negra. Em 1960, o Salgueiro fez de Zumbi dos Palmares o seu herói libertador. O que seria das baterias – a própria essência de uma escola de samba – sem a influência da cultura afro-brasileira?
Joaquim Nabuco, talvez o mais importante intelectual da história brasileira, não cansava de exaltar a contribuição dos negros para a construção da riqueza material e imaterial brasileira. Fizeram tudo. Ainda não saldamos essa dívida de um passado vergonhoso. A escravidão foi abolida a meros 127 anos. Os africanos escravizados ergueram o Brasil. É terrível constatar que a maioria dos seus descendentes continua marginalizada, só no carnaval encontrando algum espaço para figurar como protagonista da sua brava história. Não sejamos, contudo, tão melancólicos. Pensamos na festa de momo.
O antropólogo Gilberto Freire fez um estudo sobra verdadeira estrela do carnaval: a bunda. Aceitemos essa palavra tão familiar com a familiaridade e a intimidade exigidas pelos festejos e pela informalidade da nossa língua. Sem moralismo. A bunda é a paixão nacional. O grande erudito concluiu com um gingado que, para Roberto da Matta, o destaque do carnaval, s rainha, é “sempre uma vedete de formas perfeitas”. Daí o questionamento antropológico do autor de “Casa Grande & Senzala”: “E sua bunda? É parte ou não dessa perfeição? Se, como recorda de música de Chico Buarque, o típico brasileiro carnavalesco espera ‘o carnaval chegar’ para ‘pegar em pernas de moças’, como não destacar-se seu ensejo maior de apalpar bundas de mulher?” Com o consentimento das escolhidas, interessadas ou desejadas. Freyre garante que a bunda brasileira é africana.
Ou é o mais belo produto da nossa mestiçagem. Pode ser até que alguém se ofenda com isso, mas eu vejo nisso mais uma contribuição extraordinária ao patrimônio brasileiro. Digo mais: não tem preço.
Postado por Juremir em 14 de fevereiro de 2015 - Uncategorized http://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/?p=6947

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