quinta-feira, 18 de setembro de 2014

A natureza dos padrões éticos


natureza dos padrões éticos
No Islã, a culminância do adultério praticado por mulheres ainda acarreta em pena de morte por lapidação. O esquartejamento decorrente de credos que atribuem valor mágico à carne de humanos albinos na Tanzânia, ainda é tolerado por alguns correligionários. Como se isso não bastasse, o heterodoxo comércio de tão macabra “propriedade mágica”, brutalmente adquirida, ainda entra em vias lucrativas num detestável influxo de mercado negro.
Há algum critério normativo capaz de definir se os nefandos comportamentos mencionados configuram algum padrão ético estabelecido nessas diferentes sociedades? É vital esclarecer que o argumento que aqui será exposto não ratifica o relativismo moral, tampouco o abrange. Antes de se reflexionar quaisquer atributos de bem ou mal, certo e errado, no campo disciplinar da Ética, é fundamental sublinhar quais contornos sociais peculiares a determinados povos, os põe em nível fático de conservar “padrões éticos”, sejam eles palatáveis ou não.
Corresponde dizer que, embora seja visível o papel da evolução cultural em engendrar diferentes concepções de consenso moral nas pessoas, este consenso nem sempre estará incrustado numa Ética utilitarista clássica ou preferencial, ou ainda no alvitre de Kant: “Aja somente segundo a máxima através da qual você possa, ao mesmo tempo, desejar que ela se transforme numa lei universal.” Sobretudo, para que esse precípuo consenso moral seja elevado ao nível de padrões éticos culturalmente instituídos, deve haver certas demandas normativas a serem atendidas. Do contrário, este sistema moral não poderá ser apurado sob o preceito do “universalizável”.
Suponha que você selecione dois povos com distintos costumes em seu ordenamento. Após alguns meses ou anos de pesquisa de constantes observações, concluiu-se que as características dos povos em questão são mais assimétricas do que eram esperados como resultado. O povo X demonstrou conduta idônea, preservando a honestidade, a bondade e solidariedade em sua engrenagem social; ao passo que o povo Y (Islã ou Tanzânia) revelou comportamentos altamente volúveis, além de admitir a prática de roubos, reprimendas rigorosas, sovinices, mentiras e desproporcionalidade na ponderação de conflitos, outros.
Qualquer pessoa diria que o povo Y estaria fadado ao estigma de não agir eticamente, ou seja, sob seus próprios padrões éticos. Nosso juízo de valor remeteria a esta conclusão de forma instantânea. (Acresce dizer que, aqui, não se trata de qual povo age de forma certa ou errada, mas se configuram ou não padrões éticos fundamentados.) Assim sendo, nosso senso comum apontaria a conduta do povo X como detentora de padrões éticos em sua estrutura interna.
Todavia, em nada influi o fato de reprovarmos o povo Y apenas pela discrepância de comportamento vigente quando comparado ao povo X. Ocorre um ligeiro equívoco que implica numa falta de imparcialidade ao avaliarmos ambos os povos. Estaremos desqualificando Y pela mera convenção do que julgamos ser justo e injusto, certo e errado, sob nossa concepção de valores éticos. Em suma, sonegamos por completo os padrões de Y.
O critério a ser aplicado a ambos os povos não possui vínculo direto com o que, por convenção, consideramos certo ou errado. Se por alguma razão insólita Y justifica o modelo de sociedade que erigiu, logo, eles estarão vivendo sob seus próprios padrões éticos. Se sustentarem veementemente que roubar, furtar, trapacear é a forma pela qual entendem ser correto agir (não interessa aqui se para nós são atos abomináveis), estarão eles, sim, vivendo de acordo com outro tipo de padrão ético, que não o convencional, isto é, o nosso ou o de X.
Pode parecer controverso, é bem verdade, porém a conexão a ser feita entre a) viver seguindo determinados padrões éticos e, b) defender esses padrões dando-lhe justificativas consensuais, por si, consagra o fato de haver a real existência de pessoas que agem de acordo com Y, consonantes com seus respectivos padrões culturais estabelecidos, e que, por conseguinte, advoguem o que praticam pela rija consideração de que suas ações estão plenamente corretas. O povo de Y, então, dirá que vivem de tal forma por estarem convictos de que esta é a conduta exata a ser aderida, ou seja, “universalizável”. Portanto, estará Y contornado por fronteiras de cunho ético.
É determinante que se expresse justificativas morais assertivas e consensuais para ratificar a existência de valores de elevado potencial éticos, ainda que vistos como errôneas sob nossa perspectiva. Sobre outra plataforma axiológica, se constatarmos que essa conjuntura de Y é prejudicial e os argumentos que a justifique são irregulares, isto não altera o fato de que as mesmas ações sejam levadas à esfera do ético, igualmente a X, ao invés de, pragmaticamente, serem empurradas ao domínio do não-ético. Neste domínio está apenas a convenção social que não consegue apresentar nenhuma justificativa para o que praticam. Esta pode ter sua arrogação de viver sob padrões éticos, arruinada e descartada.
Permeado o primeiro crivo, o resultado abarca outro critério normativo que impõe maior restrição ao que até aqui foi exposto. Como vimos, os padrões éticos seguem uma coalizão social, sejam eles semelhantes ou não ao que preservamos. Implica dizer, neste caso, que uma única pessoa agrupada pelos padrões de Y, não poderá justificar uma ação com base numa alegação pessoal. Qualquer individualismo preocupado em satisfazer seu interesse em particular, apresentando justificativas desvinculadas do público em geral, não validará a ação como “padrão ético”. Isto porque é vital que uma ação transcenda o particular e englobe todos aqueles que serão afetados direta ou indiretamente.
No território de Y, justificar que se cometeu parricídio apenas pelo interesse próprio de acelerar uma herança iminente, se não estiver vinculado aos padrões éticos coletivos de Y, a alegação não será aceita, e portanto, não configurará uma ação ética. Havendo hierarquia mais extensa nos padrões éticos em vigor, o interesse pessoal do parricida em beneficiar a si mesmo, não se torna defensável, tampouco se admite eticamente.

Isso não discute se o caráter aderido por essa convenção Y é certo ou errado. A ideia está em delimitar os aspectos básicos que convertam uma justificativa moral pautada numa coalizão inicial de normas que preceituem o que é permitido e proibido, em um sistema possuinte de “padrões éticos” de aplicabilidade circunstancial universalizável.
A partir do uso dessa fórmula se empregará outros métodos capazes de dissecar o valor de justo, bom, certo, prazeroso e benéfico, encontrados no escopo de Y ou X. A Ética, com imponência e olhar plenamente filosófico, humanístico e secular, se incumbirá de proceder com sua tão graciosa maneira de enobrecer a racionalidade da inteligência humana. Mas, para que isso ocorra antes se prescreve quais ações configuram ética filosoficamente inspecionável.
http://www.bulevoador.com.br/2014/09/natureza-dos-padroes-eticos/

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