domingo, 20 de fevereiro de 2011

A luta contra o crack



Até as pequenas cidades do interior, antes ilhas de tranquilidade, enfrentam hoje os problemas provocados pelo uso de drogas, especialmente o crack, a mais devastadora de todas, porque é barata, fácil de achar e  por causar forte dependência. Nos grandes centros, como São Paulo, o crack avançou assustadoramente e já é comum ver os viciados zanzando qual zumbis, em vias públicas, em plena luz do dia.
Um estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), inédito na literatura médica internacional, divulgado nesta semana, mostra que os viciados em crack ficam mais tempo presos do que em tratamento contra a droga. A pesquisa, que acompanhou, por 12 anos, 107 dependentes, indica que, nesse período, em média, os usuários ficaram presos por um ano e oito meses, e permaneceram em tratamento, em média, por três meses.
“Os usuários passaram mais tempo presos do que em tratamento, o que nos faz questionar a política repressiva voltada para os usuários da droga, quando a questão deveria ser tratada como um problema de saúde pública”, afirma a pesquisadora da Unifesp, Andréa Costa Dias, coordenadora e responsável pelo estudo.
A pesquisa verificou que, após 12 anos, 29% dos usuários estudados estavam abstinentes, sem usar a droga havia cinco anos ou mais; 20% relataram períodos de consumo alternados com períodos de abstinência; e 13% mantiveram o consumo de crack por mais de uma década, com uso mais controlado e em menores quantidades e frequência.
Dos 107 pacientes acompanhados, após o período de análise, dois estavam desaparecidos, 13 estavam presos no período da entrevista e 27 tinham morrido, sendo que 59% das mortes foram homicídios. Apesar do alto índice de violência relacionado ao uso da droga, o estudo detectou que os dependentes têm conseguido, com o tempo, evitar situações de risco.
“É claro que existe todo um contexto de risco e violência em torno do crack, mas foi o usuário que foi aprendendo, aos poucos, a se adaptar a esse contexto, a não se colocar tanto em risco, seja em risco de overdose como em risco de se envolver em situações de violência, como brigas entre companheiros de consumo ou conflito com a polícia ou mesmo contraindo dívida de droga”, explica a pesquisadora.
Dos pacientes acompanhados, 88,5% eram homens e 11,5% mulheres. Dentre eles, 63,3% tinham idade entre 15 e 24 anos. Os solteiros integravam a maioria (67%) da amostra e 27% deles eram casados.
A pesquisa mostra ainda que há fatores comuns que fizeram com que dependentes conseguissem se afastar do consumo do crack. A procura por tratamento, a religião e a inserção no mercado de trabalho ajudaram, de modo geral, os usuários a se distanciarem da droga.
“Foram importantes também 'pontos de virada', como entrar em uma faculdade, a gravidez, encontrar uma namorada ou se casar, enfim, situações que, para aquela pessoa, foram significativas o suficiente para que ela, então, conseguisse ir se desprendendo do consumo”, explica Andréa Costa.
O problema parece ter sensibilizado o governo federal, que planeja investir pesadamente na luta contra o crack. A própria presidente Dilma Rousseff abriu o seminário sobre a implantação dos centros regionais de Referência em Crack e Outras Drogas, em Brasília, na quinta-feira. Segundo disse, os investimentos feitos pelo governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas universidades federais e, em especial, no corpo docente dessas entidades são fundamentais para enfrentar o crack.
“Essa é uma droga que apresenta o desafio de não ter, no plano mundial, um acervo de conhecimento e acúmulo de metodologia de tratamento”, disse Dilma, dirigindo-se aos representantes de 46 instituições federais de ensino superior responsáveis pelos 49 projetos que capacitarão mais de 14 mil pessoas para atuar na área.
“Precisamos formar profissionais. Sabemos que essa é uma droga que tem uma capacidade de propagação muito elevada e que, atrás do eixo da prevenção, pelo qual precisamos impedir que mais pessoas sejam vítimas do crack, são necessárias intervenções visando tratamentos, clínicas e enfermarias especializadas, além de políticas de reinserção”, afirmou.
“Voces estão em um lugar privilegiado, que estrutura as condições de enfrentamento da droga, para compreender e entender seus mecanismos. Atrelar todas as variáveis dos diferentes saberes nesse projeto vai ser uma das maiores armas nesse enfrentamento”, disse a presidenta. “Espero que voces decifrem para que a gente possa, em termos sociais, desenvolver o projeto”, completou.
Dilma também destacou o papel relevante da Polícia Federal (PF) nas ações do governo contra as drogas. “Tudo passa também por um processo de combate ao crime organizado. A PF será reforçada para esse combate sem quartel, porque a entrada se dá pelas fronteiras e pela estrutura de distribuição do crime organizado.” 

Agência Brasil, via crônicas do motta

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