sexta-feira, 26 de setembro de 2014

GEOPOLÍTICA DO PETRÓLEO E GÁS NATURAL.







A agressividade militar exibida pelo imperialismo é intrínseca à sua natureza. Mas a sua exacerbação e os focos em que incide denunciam a sua voracidade relativamente a matérias-primas essenciais, desde combustíveis fósseis a alimentos, a metais básicos e especiais, etc., bem como comando do seu comércio, suas rotas e destinos.
A turbulência de situação interna em muitos países e nas relações internacionais tem frequentemente subjacente problemas relativos ao aprovisionamento energético. No centro dessa problemática situam-se os combustíveis fósseis, que ao longo dos passados dez anos asseguraram uma elevada e estacionária fracção — 87% — da energia primária consumida globalmente. A contribuição da energia hidráulica cresceu ligeiramente para 7% e da nuclear decresceu ligeiramente para 4%; as novas renováveis subiram para não mais do que 3%. O peso relativo das fontes primárias não sofreu alteração fundamental nesta década, ao contrário do que os discursos oficiais sugerem, e ainda que a tendência global de crescimento da produção e consumo tenha persistido ao ritmo de 3% ao ano. Crescimento que só foi possível porque a retracção da economia em muitos países da OCDE (o dito «mundo ocidental») foi ultrapassada pelo crescimento das ditas «potências emergentes» e muitos países ditos «em vias de desenvolvimento». É um mundo em profunda mudança.
A energia, colocando severos problemas técnicos quanto ao seu armazenamento em larga escala, carece de vastas infraestruturas de transporte e distribuição permanentes, dispendiosas e vulneráveis. Rotas marítimas e terrestres colocam questões geostratégicas; oleodutos e gasodutos são alvo de disputa. Embargos, militarização e guerras visam assegurar ou negar acesso a recursos e seu escoamento dentro da presente arquitectura imperialista.

I — Produção e investimento

O acesso a fontes de energia e a disponibilidade de equipamentos de extracção, conversão e transporte exigem investimentos muito avultados, cujo montante global a Agência Internacional de Energia — AIE estima em US$ 40 milhões de milhões no período 2014 a 2035, um ritmo de investimento superior ao do passado recente, que foi US$ 1,6 milhões de milhões no ano 2013, que já representara uma duplicação relativamente ao ano 2000. A parte do investimento no aprovisionamento de combustíveis fósseis duplicou de 2000 a 2008, após o que o seu crescimento abrandou, atingindo US$ 970 mil milhões em 2013; deste total, a exploração e produção (E&P) na indústria petrolífera absorveu US$ 700 mil milhões; refinação e transporte (pipelines, petroleiros, metaneiros e terminais associados) US$ 200 mil milhões; carvão US$ 70 mil milhões. Este passado e o cenário da AIE ilustram o esforço crescente que o aprovisionamento de energia vem exigindo para assegurar o funcionamento da economia.
Mais de metade do investimento será requerido para mera reposição da produção de petróleo e gás em campos em declínio e substituição de grandes equipamentos em fim de vida técnica útil. Significativamente, quase dois terços do investimento localizar-se-á em economias emergentes e na Ásia, África e América Latina. O relatório da AIE também assinala a acentuada importância da OPEP e do Médio Oriente no aprovisionamento futuro de petróleo quando, a partir da próxima década, outras regiões produtoras entrarem em declínio de produção. Incluem-se nestas a Rússia e os EUA; o petróleo da Sibéria Ocidental estará a atingir a sua capacidade de extracção máxima, com reflexo no volume disponível para exportação; nos EUA, o actual «boom» de produção não convencional («shale» e «tight») poderá atingir não mais do que 4 Mb/d (milhões de barris por dia) cerca de 2020, longe de poder inverter a tendência de declínio em curso desde há quatro décadas.
O agravamento do esforço a montante — «upstream» ou seja exploração e produção, abreviadamente E&P — da indústria petrolífera em manter e quanto necessário ampliar a produção de petróleo e gás natural, significa agravamento de custos e requer agravamento de preços. Apesar da tendência ascendente dos preços do petróleo e gás, as empresas do sector petrolífero têm registado retornos sobre o capital médio aplicado (ROACE) que são hoje menores, estando os preços de petróleo a flutuar acima de US$ 100/b, do que eram em 2001, quando os preços do petróleo estavam a menos de US$ 30/b Os custos de extracção mais do que quadruplicaram desde 2000 para mais de US$ 21/b; e os custos de exploração (descoberta de recursos adicionais) e de desenvolvimento (de recursos já identificados) têm seguido uma trajectória semelhante, atingindo quase US$ 22/b em 2013. Daqui se infere que a obtenção do barril (ou quantidade de gás equivalente) tende a exceder já US$ 60.
O esforço de investimento acumulado em E&P nos últimos seis anos somou US$ 5,4 milhões de milhões, contudo relativamente pouco resultou dele. Os custos da indústria petrolífera a montante subiram três vezes desde 2000, contudo a produção aumentou meramente 14%. O insucesso só tem sido disfarçado, e por enquanto, na medida em que as grandes petrolíferas ainda continuam a extrair das reservas de baixo custo que herdaram — as jazidas gigantes de petróleo e gás convencional descobertas há mais de quarenta anos. Todavia a produção de campos convencionais atingiu o pico em 2005, e nem um só novo grande projecto foi adicionado à produção a custo inferior a US$ 80/b. em quase três anos.
O «syncrude», extraído das areias betuminosas de Alberta, Canadá, tem custo de produção de pelo menos US$ 80. Quanto ao óleo e gás de shales e outras rochas compactas, cuja extracção nos EUA se acelerou em anos recentes, o custo marginal de produção é superior a US$ 85/b em alguns dos empreendimentos. Mais geralmente, a indústria prevê aplicar US$ 1100 milhão de milhões ao longo da próxima década em projectos que exigirão preços acima de US$ 95/b para serem remunerados. A indústria foi levada a procurar novos recursos em águas profundas ao largo da África, Sul América, Sudeste Asiático e Árctico, onde é muito mais difícil de pesquisar e produzir; alguns dos projectos em águas profundas do Árctico requerem no mínimo US$ 120/b.

II — Comércio internacional e petrodólar

A produção mundial de «todos líquidos» classificados como petróleo atinge 90 Mb/d (1 Mb/d = 1 milhão de barris por dia), dos quais já somente 65 Mb/d é petróleo convencional.
O comércio internacional de petróleo atinge cerca de 40% desse montante — o restante sendo consumo interno dos países exportadores. Os dois maiores exportadores destacados são a Arábia Saudita e a Rússia (8,8 e 7,2 Mb/d em 2012); outros grandes exportadores são os Emiratos Árabes, Kuwait, Iraque, Nigéria, Qatar, Irão, etc. Do lado dos importadores destacam-se os EUA, a China e o Japão (7,4, 5,9 e 4,6 Mb/d em 2012); outros grandes importadores são a Índia, Coreia do Sul e Alemanha, etc.
A produção mundial de gás natural ascende já a 9,3 Gm3/d de «gás seco» (1 Gm3/d = mil milhões de metros cúbicos por dia) — produção equivalente a 61 Mb/d de petróleo. O respectivo comércio internacional atinge 3,0 Gm3/d, ou seja cerca de 30% da produção — em menor proporção que o petróleo; a menor portabilidade do gás explica também a mais acentuada regionalização do seu comércio através de gasodutos; porém o volume transaccionado por via marítima na forma de gás liquefeito (GNL) em metaneiros já abrange cerca de 30% do comércio internacional. Os maiores exportadores são a Rússia e Qatar (0,57 e 0,33 Gm3/d em 2012); outros exportadores de relevo são a Noruega, Canadá, Holanda, Argélia, Turquemenistão, etc. Quanto aos importadores, relevam o Japão e a Alemanha (0,33 e 0,25 Gm3/d em 2012); outros grandes importadores são a Itália, França e China, etc; os EUA registaram saldo importador de 0,12 Gm3/d.
O dólar (US$) é utilizado na cotação do petróleo e do gás natural no comércio internacional. Em 1971, os EUA negociaram com a Arábia Saudita um acordo segundo o qual, em troca de armas e protecção diplomática e militar, este país passaria a realizar todas as transacções de petróleo em US$; de seguida, outros países da OPEP aderiram a acordos semelhantes, consolidando um mercado que se vinha delineando desde o fim da II Guerra Mundial, e que garantiria uma procura global e continuada de dólares norte-americanos. Pela mesma altura, os EUA terminaram definitivamente a convertibilidade do dólar no tradicional padrão-ouro; a partir daí o dólar consolidou a sua posição de privilégio entre as demais divisas. Por esse tempo os EUA eram os maiores produtores, consumidores e importadores de petróleo do mundo, e o ano 1971 assinala também a passagem do máximo absoluto de produção de petróleo nesse país. Os grossos fluxos de dólares com origem no comércio de petróleo passaram a ser designados de petrodólares. Os incrementos de cotação do petróleo em 1973 e 1979 (datas de choques petrolíferos) viriam a avolumar grandemente os fluxos de petrodólares e a sua aplicação pelos principais membros da OPEP em investimentos externos.
O preço do barril de petróleo, depois de exibir saltos substanciais em 1973 e 1979, oscilou na banda US$ 15-40 entre 1983 e 2004, com um pico singular em 1990; desde então exibe tendência ascendente, tendo ultrapassado uma grande oscilação em 2008, e encontrando-se agora a oscilar um pouco acima de US$ 100/b.
Essas variações reflectem tensões entre oferta e procura, inevitáveis dilacções de investimento na exploração e desenvolvimento de recursos e na capacidade de refinação instalada, e bem assim, expansões ou recessões económicas em espaços alargados. E é evidente a sua interdependência com incidentes geopolíticos e episódios económico-financeiros, com destaque para intencionais manipulações, embargos e outras agressões económicas. Na década de 80, a competição por cotas de exportação entre países do Médio Oriente membros da OPEP, gerando o incremento das respectivas exportações invocando incrementos (não comprovados) das respectivas reservas que serviam de base ao cálculo das cotas, manteve o preço do barril artificiosamente baixo e submergiu o mundo em petrodólares. O colapso da URSS ocorreu de par com a respectiva sobreprodução e sequente quebra drástica de produção petrolífera, de quase 50%, de 12 para 7 Mb/d, no período entre 1988 e 1995. Depois, entre 1995 e 2003, o programa «oil for food» imposto pela ONU ao Iraque serviu entre o mais para continuar a manipular a cotação e o comércio internacional do petróleo. Após o que a cotação disparou.

III — Shale

A extracção de recursos de óleo e gás não convencionais, de acessibilidade difícil, designadamente os contidos em rochas compactas (baixa porosidade e baixa permeabilidade) — «shale oil» e «shale gas» (rochas predominantemente argilosas) e «tight oil» e «tight gas» (rochas carbonatadas e siliciosas) — permitiu o incremento da produção norte-americana verificada em anos recentes. Tal extracção foi viabilizada por tecnologias — perfuração horizontal e fracturação hidráulica em múltiplas etapas — desenvolvidas e aplicadas há décadas na produção «estimulada» de recursos convencionais. A sua extracção coloca exigências e gera impactos muito significativos: a aquisição de direitos e licenciamento sobre áreas muito vastas, elevado número de plataformas de perfuração e a continuada perfuração de novos poços (mesmo que só para manter o nível de produção); exige caudais de água abundantes e a sua deposição; induz sismicidade e fuga de hidrocarbonetos voláteis, etc.; os riscos são diversos e ponderosos.
Os EUA são pioneiros no desenvolvimento destes recursos. Entre 2006 e 2012, a produção de hidrocarbonetos não convencionais nos EUA aumentou: gás treze vezes para 750 Mm3/d (1 Mm3/d = 1 milhão de metros cúbicos por dia), o equivalente a 4,8 Mb/d de petróleo; e petróleo sete vezes para 2 Mb/d. Esta produção adicional viabilizou os EUA assumirem um importante protagonismo na manutenção do nível da produção mundial. Enquanto algumas formações geológicas — Barnett, Haynesville, Marcellus e Fayetteville — foram as principais contribuintes para a expansão do «shale gas», Bakken e Eagle Ford são os principais contribuintes para o «tight oil». A importante bacia Pérmica, em fase atrasada no que toca a recursos não convencionais, está a ser agora desenvolvida; prevê-se uma taxa média de investimento de US$ 30 mil milhões/ano entre 2014 e 2018, e que venha a contar um máximo de 5500 poços em 2017; com produtividade por poço de 200 a 1000 b/dia, admite-se que em 2020 alcance a taxa de 1,8 Mb/d, ultrapassando a produção de «tight oil» de campos congéneres. Em sentido contrário, recursos identificados na formação «Monterey Shale», Califórnia, supostos os mais vastos de shale nos EUA, foram recentemente reavaliados pela Energy Information Agency — EIA, e o volume recuperável reduzido drasticamente, de 13 700 para 600 Mb, o que ilustra a margem de incerteza e risco incorridos na avaliação de recursos não convencionais.
De acordo com a EIA, o considerável potencial de óleo e gás não convencional em rochas compactas deverá habilitar os EUA a aumentar significativamente e manter a sua produção de hidrocarbonetos ao longo dos próximos 15 anos: a produção de gás não convencional poderá chegar a 1,12 Gm3/d (equivalente a 7,3 Mb/d de petróleo) em 2035 (50% da produção total de gás natural nessa data). E a produção de petróleo não convencional poderá crescer de 2,3 Mb/d em 2012 (cerca de 35% do total de ramas) até 4,8 Mb/d em 2021 (cerca de 50% de então) para declinar depois, ao passar ao desenvolvimento de áreas menos produtivas. Ao contrário do que certas entidades querem fazer crer, mesmo que os EUA pudessem efectivamente tornar-se exportadores de gás a partir de 2020, a auto-suficiência em termos de petróleo é uma meta de todo irreal.
Embora a extracção de hidrocarbonetos de rochas compactas tenha aumentado a bom ritmo, os operadores têm incorrido em rápido endividamento, posto que o custo e a continuidade do investimento requerido não é remunerado pela receita gerada. A fracção gasosa extraída tem sido secundarizada porque a respectiva remuneração é menos favorável do que a da fracção líquida; todavia é a mais propagandeada, posto que os EUA são quase auto-suficientes em gás natural, e poderiam teoricamente vir a tornar-se exportadores, se efectivamente dispusessem das infraestruturas de transporte e terminais para procederem à exportação — o que não é o caso nem concretizável senão a médio prazo. A «revolução do shale» terá de confinar-se aos denominados «sweet spots» de mais alta produtividade, a ritmos de extracção comensuráveis com os volumes de recurso acessível e recuperável, e aos tempos de vida técnica e de eventual retorno do capital.
«Quem pode, ou vai querer, financiar a perfuração de milhões de hectares e centenas de milhar de poços em prejuízo permanente?», escreveu Ivan Sandrea, investigador no Oxford Institute for Energy Studies, num relatório no mês passado. «A benevolência dos mercados de capitais dos EUA não pode durar para sempre.» A despesa não pára nunca, disse Virendra Chauhan, analista de petróleo na Energy Aspects. Como o output de poços de shale declina drasticamente logo no primeiro ano, os produtores têm de continuar a perfurar mais e mais poços para manter a produção; o que implica vender activos e angariar mais crédito. «Todo o “boom” em shale é na realidade uma tarefa infindável de dispêndio de capital e de endividamento». O acesso ao mercado de obrigações de alto rendimento tem permitido às empresas de E&P gastar mais dinheiro no shale do que conseguem gerar. Empresas de E&P classificadas de lixo gastaram US$ 2.11 por cada US$ 1 ganho no ano passado, segundo uma análise de 37 empresas feita pelo Barclays (extracto/transcrição da Bloomberg, 30 de Abril 2014).
A competição dos EUA com a Rússia e outros grandes produtores do Médio Oriente para o aprovisionamento do mercado mundial é puramente virtual. Embora os recursos sejam muito amplos, as áreas com teor elevado e produtivas são escassas, e a taxa de recuperação realizável modesta. Outras vastas jazidas de shale existem na Rússia (formação Bazhenov na Sibéria Ocidental), China (bacia Sichuan), Argentina (bacia Neuquen), Colômbia/Venezuela (bacia Maracaíbo), México (bacia Burgos), Líbia (bacia Syrta), etc., sem que contudo tenham sido alvo de desenvolvimento tão significativo. Também na Europa (Polónia, Ucrânia, França, Reino Unido, etc.) estes recursos têm sido promovidos, mais por razões políticas do que viabilidade económica, suscitando viva contestação popular pela sua escala extensiva e pelos impactos ambientais da fracturação hidráulica e da utilização intensiva de água; ainda sem concretização.

IV — URSS, Rússia e BRICS

Os projectos do imperialismo parecem dar uma elevada prioridade ao aniquilamento económico e político da Rússia, a maior potência energética mundial, seguindo uma abordagem paralela ao sucedido com a desintegração da URSS. Então, a administração norte-americana lançou uma ofensiva militarista conhecida por «guerra das estrelas» e uma ofensiva económica visando deprimir o preço do petróleo de que então dependiam as receitas de comércio externo e o orçamento da URSS; o preço, cuja média ficara por US$ 18 entre 1950 e 1972, de 1973 a 1981 ascendeu até US$ 86, suportando o fortalecimento económico da URSS; pelo contrário, decresceu posteriormente, incluindo um queda abrupta em 1986, até ao nível de US$ 28 em 1989. A depreciação foi prosseguida na década de 90, mantendo o sufoco dos países da CIS e obstaculizando o seu desenvolvimento. A economia real e a crise do sistema financeiro parecem ter depois prevalecido sobre os mecanismos de manipulação do dólar e das commodities. De 2000 a 2013 o preço do petróleo triplicou para cerca de US$ 110 (o do ouro sextuplicou para cerca de US$ 1500), acompanhando os custos de investimento e de produção, e a deslocação do crescimento económico para as «economias emergentes», assim conferindo renovado protagonismo aos países exportadores de petróleo (e outras matérias-primas).
A Rússia tem sido o maior exportador mundial de energia, compreendendo petróleo e gás, e bem assim de combustíveis e serviços nucleares, como também de diversas matérias-primas minerais. Em 2013, as exportações de combustíveis fósseis ascenderam a US$ 362 mil milhões e de combustível nuclear a US$ 72 mil milhões (no total quase 18% do PIB).
Algumas fontes indiciam esse projecto imperialista de conduzir a Rússia à falência e ao caos económico e social. Designadamente aForbes desvenda o propósito de «estabilizar» o dólar por forma a trazer o preço do ouro para US$ 550/onça e do petróleo para US$ 40/b; e adiciona que tanto não seria preciso para terminar com o «aventureirismo» russo, US$ 80/b já seria bastante. A tarefa seria cometida à Reserva Federal na forma de «estabilização» do preço do ouro na COMEX (bolsa de commodities) seguindo um script já previsto numa proposta legislativa («monetary reform bill», H. R. 1576) e que merece na Forbes o título «É tempo de levar a Rússia à falência — outra vez» (assinado Louis Woodhill, 3 de Março, 2014).
Para que esta abordagem possa ser sucedida será fundamental que o dólar mantenha o seu papel hegemónico no sistema financeiro mundial, particularmente como divisa de referência no comércio do petróleo e gás — o que é algo que contraria o entendimento e os interesses das economias emergentes e se encontra no centro de disputa.
Outra abordagem convergente seria saturar o mercado com petróleo de outras origens — um cenário publicitado como eminente, tal propaganda de guerra, sob a designação de «revolução do shale» liderada pelos EUA. O que na realidade é impossível num mercado mundial já estrangulado por força das limitações de capacidade de produção por parte dos países exportadores e da desactivação parcial da produção ou do trânsito em países vítimas de «revoluções coloridas», «primaveras Árabes» ou alvo de sanções económicas.
Da Bloomberg: «A ideia antes impensável de exportar grandes quantidades de petróleo e gás natural dos EUA ganhou apoio, na medida em que avanços nas técnicas de perfuração colocaram os EUA em vias de ultrapassar a Arábia Saudita e a Rússia como o maior produtor mundial de petróleo em 2015, de acordo com projecções da Agência Internacional de Energia. Em Novembro (2013), os EUA produziram mais óleo do que importaram, pela primeira vez desde 1995.»
Tal análise está completamente falsificada; actualmente os EUA são importadores líquidos de petróleo e de gás; no médio/longo prazo a exportação de gás poderá acontecer, daqui a uma década, se até lá forem geradas sobreprodução e infraestruturas para a exportação marítima; mas a de petróleo não terá nunca qualquer viabilidade, a menos de um colapso do consumo doméstico nos EUA. No ano 2013, os EUA produziram 0,68 Tm3 de gás natural, mas registaram uma importação líquida de 0,037 m3, comparável à importação registada pela Ucrânia. Entretanto, na Europa (35 países), o consumo de gás natural decresceu 10% de 2008 a 2013, atingindo 0,53 Tm3 no ano passado, bem aquém do consumo registado nos EUA — 0,72 Tm3. Já quanto ao petróleo, no início de 2014 a importação de ramas petrolíferas pelos EUA ascendeu a 7,6 Mb/d e o comércio de refinados teve balanço exportador de 1,9 Mb/d, o que resultou numa importação agregada de 5,7 Mb/d, para satisfazer o consumo total de 18,3 Mb/d; portanto o consumo interno dos EUA depende da importação em cerca de 30%; nem as projecções oficiais da Energy Information Agency — EIA prevêem qualquer balanço exportador no futuro.
A recente sexta cimeira dos BRICS (Fortaleza, Julho de 2014), reafirmou e ampliou o compromisso dos seus cinco membros na prossecução dos objectivos fixados nas precedentes cimeiras, incluindo na vertente financeira a criação do Banco de Desenvolvimento e do Fundo de Emergência. Os líderes da UNASUR e da CELAC foram convidados e a oportunidade propiciou numerosos encontros de alto nível — incluindo várias visitas de estado dos presidentes Xi Jinping e Vladimir Putin, e a Cúpula de Líderes da China e de Países da América Latina e Caribe — e numerosos acordos de cooperação bilaterais e multilaterais foram subscritos. Os BRICS assumiram projectos nos domínios de infraestruturas e da energia no continente; nomeadamente um acordo entre a Rosneft e a Petrobras com vista à exploração de gás natural no Amazonas; um outro entre a Rosatom e Argentina para desenvolvimento da produção nuclear neste país; o Brasil e China subscreveram 60 acordos, entre tratados, memorandos de entendimento e contratos entre empresas; o lançamento do plano de ligação ferroviária transcontinental do Pacífico (Perú) ao Atlântico (Brasil) em parceria com a China.
A correlação de forças continua mudando aceleradamente. O petróleo e o dólar continuam a ser protagonistas, alvos e indicadores, dessa mudança.
Fonte: O Militante, via http://blogdeumsem-mdia.blogspot.com.br/2014/09/geopolitica-do-petroleo-e-gas-natural.html

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