sábado, 18 de fevereiro de 2012

Guia prático para fugir, sem culpa, do carnaval

“Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu”Caetano Veloso 
Nem morto eu sairia pulando atrás de um trio elétrico. Não encontro disposição para me esfregar na quentura suada dos foliões com cachaça até a tampa. Na verdade, falta-me um bocado de paciência para suportar farras carnavalescas em logradouros públicos onde pessoas urinam nos canteiros e calçadas, quando não despejam ali mesmo os seus gametas entreaspernas das moças e dos efeminados no meio da galera. 
Você tem razão. Eu estou exagerando um bocado, que é pra azeitar o texto. Já me explicaram como uma festa consegue estancar um país continental durante quatro dias, no mínimo: tudo não passa de tradição e cultura. 
Por exemplo: na Espanha, o povo se excita com as touradas centenárias e as farras do boi, deixando as cambadas de protetores dos animais com os cabelos em pé. 
Em vários países da África, é o maior barato mutilar as genitálias das meninas, antes da puberdade, para que elas jamais sintam prazer sexual. Há famílias que promovem almoços festivos incríveis para comemorarem a extirpação dos clitóris de suas filhas, algo parecido com as farofadas de testículos que os nossos antepassados faziam nas fazendas do interior do Brasil, após um dia inteiro de castração bovina. 
No Brasil — reduto planetário onde o povo é pacato, generoso e também ignorante — prevalecem o samba, o carnaval, o futebol, muito séquissi-apiu e um bocado de corrupção. Exagerei novamente? Fiz uma comparação grosseira e deselegante? Eu mereço cinquenta chibatadas sauditas? Simplesmente, não dá pra remar contra a cultura de um povo, né verdade?! 
Mas a gente rema. Todo ano é a mesma coisa: chega o carnaval, o país para, e um punhado de gente que não se interessa pela folia fica assistindo à explosão de alegria e se sentindo um marciano (e se, além de água e bactérias, as sondas espaciais encontrarem samba e axé em Marte?!). Siga o roteiro a seguir ou faça terapia. Conheço psicoterapêutas do borogodó. 
Aproveite o feriado e tenha um orgasmo tântrico com quatro dias de duração. Não. Eu não faço ideia como isto funciona. Pesquise na uiquipédia. 
Saia a pé pela principal rua da sua cidade, às sete horas da manhã, e grite a plenos pulmões “quem manda aqui nesta joça sou eu”. 
Está estressado? Vá pescar. Se não fisgar nenhum peixe, melhor ainda. Se o anzol ao menos beliscar, aproveite o momento para inspirar uma atmosfera pura, sem a fuligem de metais pesados. 
Sente-se na sarjeta e converse com um morador de rua. Pergunte o que ele pensa do Prefeito, do Governador, da Presidente e de você mesmo.
Ajude a picar legumes para qualquer sopa solidária que tiver notícia. Alimente os seus cãezinhos de raça, mas o faça também com seus pares humanos. Acima de tudo, ponha comida na boca da sua alma faminta. Se não acreditar em almas, alimente uma ilusão qualquer, mas não deixe de fazer uma boa ação. Se tiver uma coragem ducaralho, faça como Eduardo Dusek: troque seu cachorro por uma criança pobre. 
Desligue a TV, a internet, o ai-fone e demais equipamentos eletrônicos. Brinque com seus filhos pequenos como se a vida fosse um gueime. Este é um tipo de amor indescritível. 
Compareça em peso à missa das sete. Padres adoram ver suas igrejas lotadas em pleno carnaval. Só não gozam porque é pecado. 
Pegue um cinema. Pegue um devedê. Pegue na mão da pessoa amada e saia pela cidade pra pegar uma brisa no rosto. Não pegue gripe ou gonorreia neste carnaval. No SUS, mais da metade das equipes médicas faltará aos plantões. 
Trabalhe um pouco. Não é loucura nem vergonha trabalhar aos feriados. Seus olhos não vão secar. Suas mãos não ficarão tronchas. Ninguém vai lhe chamar de idiota. No máximo, vão acusá-lo de não saber viver. 
Faça um retiro espiritual. Se não acreditar em espíritos, ao menos procure um retiro onde possa se balançar numa rede, tomar café e comer pães de queijo. Confira a chuva caindo mansa sobre o capim. Sinta-se tentado a abandonar tudo e viver no campo. 
Não crie mais subterfúgios. Visite os seus pais. Visite um parente idoso e o presenteie com goiabada cascão, desde que ele não seja um diabético. Diabetes mata. Ingratidão idem. Faça as pazes com um inimigo que já foi seu amigo. 
Cheire lança-perfumes, mas cheire também flores de laranjeira. Não me delate à Polícia Federal por apologia às drogas. Isto é apenas uma crônica. 
Leia um pouco de História da Humanidade para compreender por que razões até hoje tem gente que morre de fome no planeta. 
Inteire-se a respeito da crise econômica na Europa, da recessão estadunidense, do avanço gigantesco da China, da ameaça nuclear iraniana, da inépcia educacional brasileira, da letargia em Cochichola da Paraíba. Aproveite a folga para estudar um pouco de política. Se você é daqueles que odeia política, saia desta crônica imediatamente, vista uma fantasia de pirata ou colombina, e corra atrás de um trio elétrico.  
Pedale como se fosse um Homem livre. Pedale alegremente como se estivesse carregando a namoradinha do bandido no filme “Butch Cassidy and The Sundance Kid”. Pedale como se fosse Peter Fonda rasgando a América em sua moto estradeira. Não importa o motivo: o essencial é tomar conta da cidade abortada dos automóveis. 
Tome um ônibus. Prefira os bancos dianteiros. Apesar da placa “Proibido conversar com o motorista”, encha-o de perguntas, piadas e conversa fiada. Aprecie a paisagem. 
Há quanto tempo você não lê poesia? Entenda muito desta vida lendo Drummond ou Quintana. 
Visite uma propriedade rural. Reveja uma vaca (Pasmem! Muitos adultos urbanóides não saberiam diferenciar um boi de uma vaca...). Pise sem nojo na terra barrenta. Permita que os átomos da sua carcaça ignorante se acoplem aos do planeta. 
As eleições municipais vêm aí. Tente se lembrar em quem votou para vereador no último pleito. Se você não conseguir, coloque os dedinhos fura-bolo para o alto e saia desfilando no Bloco do Zé Pereira. Afinal, políticos são todos iguais. Eleitores também. 
Pra terminar, mais sério que nunca: já que você não curte mesmo o carnaval, aproveite o feriadão para separar documentos do Imposto de Renda. As águas vão rolar e, esteja certo, o Leão vai mordê-lo. A Receita não acredita em fantasias.
revistabula

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