segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

O que é o populismo


O que é o "populismo"? Por qual razão há cada vez mais movimentos políticos acusados de ser "populistas"?

O populismo (do Inglês populism, tradução do Russo narodničestvo) é uma atitude política e cultural que exalta princípios e programas geralmente baseados no Socialismo, mas não numa forma específica do mesmo.

Na América Latina designa um conjunto de práticas políticas que consiste no estabelecer uma relação directa entre as massas e uma liderança política sem a mediação de instituições políticas como os partidos. Em qualquer caso, o termo é utilizado em forma menosprezativo: os movimentos acusados de ser populistas recusam tal adjectivação.

O populismo antes

A origem do populismo pode ser encontrada no bonapartismo (altura de Napoleão I) e na Revolução Francesa, especialmente em facções que tinham sido fortemente influenciadas pelas ideias políticas do filósofo Jean-Jacques Rousseau, como os Jacobinos.
Populistas na Ucrânia em 1868
No entanto, o termo "populista" nasceu com o movimento desenvolvido na Rússia na segunda metade do século XIX e que propunha uma melhoria das condições de vida das classes rurais e dos servos, através da criação dum Socialismo baseado na comunidade rural russa, em contraste com a sociedade industrial ocidental.

Um Partido do Povo (People's Party) foi fundado em 1891 nos Estados Unidos por grupos de trabalhadores e agricultores que lutavam para a livre cunhagem da prata, a nacionalização dos meios de comunicação, limitações na Finança, impostos de herança mais favoráveis, eleição do Presidente, vice-Presidente e Senadores com voto popular direto.

O termo passou depois a ser utilizado em relação às práticas políticas de Juan Domingo Perón (o "Peronismo"), o bolivarianismo e o chavismo, já que muitas são enfatizadas as consultas e os plebiscitos populares para que as pessoas possam decidir directamente nos limites da Constituição.
O populismo hoje

O amplo uso que os políticos e os meios de comunicação fazem do termo "populismo" tem ajudado a divulgar um significado fundamentalmente desprovido de significado: o actual "insulto" de "populista" pouco ou nada tem a ver com o movimento originário, tendo perdido com o tempo também as referencias aos princípios socialistas.

Hoje é "populista" quem é um político com uma linguagem não-ortodoxa e agressiva, que demoniza as elites e exalta "o povo"; o termo é utilizados entre os adversários políticos para denegrir os outro; "populismo" é muitas vezes considerado pelos políticos quase como sinónimo de "demagogia", o que é um erro (demagogia: uma forma de actuação política na qual existe o interesse em manipular ou agradar a massa popular, incluindo promessas que provavelmente nunca serão realizadas, apenas para conquistar o poder político).

Na realidade, o sentido moderno de "populismo" é extremamente vago, tornando-o conveniente como uma categoria residual boa para catalogar uma variedade de esquemas difíceis de ser classificados de maneira mais precisa. No entanto, há alguns elementos em comuns: o nacionalismo, a retórica anti-imperialista, o apelo constante às massas e o poder dum líder carismático. Pelo que, no populismo moderno entram Benito Mussolini, Hitler, Salazar, os já citados Perón e Chaves, Nasser no Egipto, Nehru, na Índia.

Em qualquer caso, a utilização do termo "populista" se encontra em constante crescimento tal como a literatura dedicada ao fenómeno. Qual a razão? Provavelmente há mais do que uma explicação: eis algumas das possíveis.
As razões do populismo

Um dos problema é que o mundo político está atrasado: raciocina segundo esquemas do século
passado (ou ainda mais velhos). As democracias contemporâneas também ficaram paradas: um atraso mental que obriga a raciocinar como se estivéssemos ainda no século XX, ou até no XIX. Oferecem soluções ambiciosas mas totalmente desligadas da realidade.

Isso abre um imenso espaço de frustração entre os cidadãos, os quais voltam às origens: pedem uma política que fique mais perto deles, das suas necessidades.

Outro problema é o facto da Economia e da Finança ter tomado posse da discussão política nos Parlamentos: hoje tudo o é Dívida Pública, orçamento de Estado, interesses das multinacionais, de bancos e Finança. Criou-se uma política escrava duma forma mental que tem como única base o lucro, o que contrasta com a vida real, onde os problemas que devem ser encarados têm outros objectivos.

Mais: consequência parcial (mas não exclusiva) do ponto anterior é a clara sensação de que o mundo político-empresarial represente hoje uma casta, um bloco de interesse fechado que opera de forma impune e não no interesse da sociedade soluções.

Depois não podemos esquecer a falta de alternativas: o actual sistema democrático é visto como único percurso possível, mas ao mesmo tempo é evidente que o mesmo é a causa das inúmeras falhas presentes na sociedade, falhas que não podem ser solucionadas sem pôr em causa todo o sistema democrático tal como é conhecido hoje. E dado que nenhum sistema gosta de auto-destruir-se, as falhas são aceites como partes inevitáveis do sistema, o que alimenta ainda mais a frustração dos cidadãos.

Por fim: o atraso das massas. E as massas somos nós.
Muitos entre os cidadãos continuam a raciocinar como se o tempo não tivesse passado: há ainda fascistas, comunistas, socialistas, conservadores, pessoas que seguem o partido porque convencidas de que este tem as chaves para melhorar a situação. O debate no interior da sociedade (e não em âmbito estritamente político) é quase nulo, delegado a uma minoria que, paradoxalmente, é a parte mais conservadora neste aspecto (independentemente da sua posição política, que pode ser tanto fascista quanto comunista, só para fazer um exemplo).
Anti-política? Nem por isso...

É neste quadro que surgem os movimentos "populistas", muitas vezes definidos como "anti-políticos". Erro: não apenas não são partidos "anti-política" mas até são o que mais perto há da verdadeira política, entendida como esforço para individuar soluções mediante a troca de opiniões, tendo em consideração ideias novas e soluções concretas, sem a pesada capa duma ideologia.

Questões reais exigem respostas reais e, possivelmente, rápidas.

Pegamos num típico caso de "populismo" moderno: o sucesso do movimento Frente Nacional de Marine Le Pen na França. Enquanto as Mentes Pensantes de Bruxelas elaboram inúteis planos para solucionar a crise migratória na Europa, enquanto o Presidente Francês Hollande tenta mediar entre a necessidade de maior segurança no País dele dum lado e o mais progressista "sejam todos bem vindos" do outro, a Frente Nacional elegi a questão da segurança nas ruas como objectivo prioritário e propões soluções práticas.

Podemos concordar ou não com tais soluções, mas não é possível negar que a Frente Nacional apresenta soluções realísticas, simples de entender e de imediata aplicação. Exactamente o que falta às ruminações mentais dos burocratas de Bruxelas ou ao Presidente Hollande.

Há partidos "populistas" um pouco em todos os lados: o Danish People’s Party na Dinamarca, o Finns Party na Finlandia, o Sweden Democrats na Suécia, o já citado Front National na França, o Alternative für Deutschland na Alemanha, o UKIP no Reino Unido, o Movimento Cinque Stelle em Italia, o Podemos em Espanha... são um perigo do ponto de vista democrático?
O erro de base

Um artigo do The Guardian, assinado por Cas Mudde, Professor de Negócios Estrangeiros na Universidade da Geórgia (EUA), autor dum livro no qual são analisados os partidos populistas europeus:
Até um par de anos atrás, o consenso entre as elites europeias de Esquerda e Direita era que o populismo era maioritariamente mau. Foi descartada como uma "patologia da democracia" ou, como tinha escrito o historiador americano Richard Hofstadter em 1960, "o estilo paranoico da política". A ascensão de movimentos populistas tem visto uma mudança no debate público, especialmente empurrado pelos seguidores de Chantal Mouffe e do falecido Ernesto Laclau, que argumentam como o populismo constitui, na verdade, a essência da política democrática. [...]

O principal problema é que o populismo é uma ideologia monista e moralista, que nega a existência de divisões de interesses e opiniões dentro do "povo" e rejeita a legitimidade dos adversários políticos. Como os populistas são a vox populi, ou seja, a voz de todas as pessoas, qualquer indivíduo com uma visão diferente fala por "interesses especiais", ou seja, da elite. Dado que a distinção fundamental é entre as pessoas "puras" e a elite corrupta, qualquer compromisso levaria à corrupção do povo e, portanto, é rejeitado. Esta posição inflexível leva a um cultura política polarizada, em que o não-populista se transformar em anti-populista.

O populismo tende a ficar feio quando chega ao poder. Se tem que dividir o poder com os não-populistas, os efeitos, positivos ou negativos, tendem a ser pequenos (pensemos aos Governos Schüssel com a Direita populista radical FPO, na Áustria). [...]

No entanto, a actual situação da Hungria e da Venezuela mostra o que o populismo pode fazer quando toma o controlo total de um País. Apoiados por maiorias impressionantes em eleições populares, os líderes populistas como Viktor Orbán e Hugo Chávez têm introduzido novas constituições que minam um número significativo de freios e contrapesos da democracia liberal.[...]

Em suma, o populismo democrático é uma resposta não-liberal ao liberalismo antidemocrático. Critica a exclusão de questões importantes da agenda política por parte das elites e apela à sua re-politização. No entanto, isso tem um preço. A visão ou preto ou branco e as posições inflexíveis do populismo conduzem a uma sociedade polarizada Porque, é claro, ambos os lados compartilham a responsabilidade e o extremismo maioritário nega legitimidade aos opositores e enfraquece os direitos das minorias.

Muito engraçado, sem dúvida. Mas errado.

Em primeiro lugar: definir como negativas "maiorias impressionantes" frutos de "eleições populares" é, no mínimo, alucinante. Significa negar aos cidadãos o direito de escolher com (quase) uma só voz o seu próprio governo. É anti-democracia ao estado puro. O problema do populismo não é este, como é óbvio, mas uma tal afirmação tem sentido desde que nas democracias, especialmente as dos últimos anos, é "necessário" que haja uma forte oposição, por razões que não vamos tratar nesta sede.

A seguir: o autor toma como exemplo um par de casos-limites, Chávez na Venezuela e Orbán na Hungria (que, dito entre nós, tão ruim não é). Na Italia, o Movimento Cinque Stelle nunca pensou em limitar os poderes da oposição, pelo contrário, pede o cada vez maior respeito da Constituição.

Mas o erro do autor e da maioria dos críticos do populismo é outro e é fundamental: o populismo não ultrapassa uma democracia onde os partidos, populistas ou não, têm demasiado poder. Um partido populista, uma vez chegado ao poder, após algum tempo será um partido como qualquer outro, com interesses pessoais, corrupção, formação duma elite que domina todas as escolhas do movimento. Isso porque é o nosso sistema "democrático" que cria todas as condições para que isso aconteça.

E a razão principal, como veremos num próximo artigo, o erro conceptual que estraga todo o andaime democrático, é a mesma existência dos partidos políticos, sejam eles "normais", sejam eles "populistas".


Ipse dixit.

Fonte: The Guardian
http://informacaoincorrecta.blogspot.com.br/2016/11/o-que-e-o-populismo.html#more

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