terça-feira, 15 de novembro de 2016

A República de mentira. Ou as mentiras da República que nunca foi


Sempre que ocorre um feriado pátrio no Brasil, faz-se a manjada pergunta: "as pessoas sabem o significado do 7 de Setembro, do 15 de Novembro?" Em muitos casos não sabem, porém, o cerne da questão não é nem esse. O mais correto seria questionar se o brasileiro reconhece os caminhos históricos que produziram a Independência do país ou que levaram à Proclamação da República. Nesse caso, o desconhecimento de causa é dos mais gritantes. Enquanto isso, a execução do Hino Nacional em eventos esportivos é obrigatória, bem como dentro das escolas, isso sem falar no folder a respeito do Dia da Bandeira, que foi distribuído nesse mês de novembro para vários estudantes brasileiros; segundo o próprio, respeitar e cultuar a bandeira do Brasil denota educação e civismo. Só mesmo em um país débil como esse verifica-se esta idolatria das externalidades, estas tolas abstrações sem nenhum real significado político.
Considerando a Proclamação da República e o Dia da Bandeira, que se situam no contexto destes dias que estamos vivenciando, o besteirol patrioteiro um vez mais surge como uma espécie de falso consolo perante uma população que mal sabe o que se passou em sua história, o que leva muitos incautos a pensarem confortavelmente que cantar o Hino, reverenciar a Bandeira ou louvar uma República anódina lhes confere indulto moral. Haja besteira!
A República no Brasil foi proclamada por militares positivistas, o que é fato, ao contrário do que tem tentado transmitir um certo revisionismo republicano. Mais do que isso, o positivismo ditou os rumos da Proclamação em um período histórico no qual a filosofia positivista já se encontrava para lá de marginalizada no mundo desenvolvido, entretanto, como retardatário no que quer se refira aos processos de desenvolvimento intelectual, foi o paradigma a dar as cartas do republicanismo no Brasil. O lema "Ordem e Progresso" inscrito na bandeira é a marca indelével do positivismo republicano. Reverenciar o positivismo, uma filosofia rigorosamente falha, ainda por cima um positivismo extemporâneo? Definitivamente, algo está muito errado. O que denotaria educação e conhecimento cívico seria fazer a crítica da bandeira, não cultuá-la. Da mesma forma que o bom alvitre manda refletir criticamente acerca do nosso republicanismo de mentira.
A etimologia do termo "república" vem do latim res publica, isto é, "coisa pública". Daí pode se presumir corretamente que em uma república a população deva ter participação efetiva nas discussões políticas. Aqui é interessante recorrer à Antiguidade Clássica, dado que a própria expressão da cidadania se dá por meio da participação política, como ensinou o legado grego. O cidadão, desse modo, é aquele que debate política. Se grande parte da população brasileira nem sequer sabe ao que se refere o 15/11, nem o significado de "república", quanto mais o que é ser cidadão republicano, indaga-se: o Brasil é um país formado por uma maioria de cidadãos politicamente cônscios de deveres e direitos? O "não" que se faz resposta óbvia é capaz inclusive de oferecer pistas importantes sobre o atual regime político brasileiro.

Montesquieu deixou um contributo essencial no entendimento de um regime republicano. Uma vez que um sistema do tipo deve guardar lugar para a participação efetiva da população nos rumos políticos, não pode de maneira alguma haver concentração de poderes nas mãos de quem governa. É daí exatamente que vem a separação dos Três Poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário que, para o pleno funcionamento de uma República, precisam necessariamente atuar autônoma e separadamente. Fica então outra pergunta ao leitor: em quais conjunturas históricas desde 1889 até hoje teve-se no Brasil um quadro político com clara separação dos Três Poderes? Um rápido flashback de lá para cá nos mostra na sequência: uma República proclamada por militares de alta patente, o poder das aristocracias agrárias com seu viés claramente patriarcal, uma era de desenvolvimentismos, ora ditatoriais e populistas, ora mais abertos polticamente, mas sempre economicamente centralizadores, ditadura militar, abertura política da década de 1980, uma tentativa atrapalhada de construir a democracia, governo FHC, com controle da economia e fortalecimento institucional, todavia incapaz de reformas importantes, como a tributária, a partidária e a educacional.

A historiografia do revisionismo republicano, se é que pode assim ser chamada, pois se resume a poucos estudos, tem afirmado que a República representou um novo sistema político no qual a população depositava esperanças de melhora. "Esperança"?! Um termo dos mais vagos é o máximo que o republicanismo dos militares pode ter representado, o que basta para reforçar a fragilidade de uma conjuntura republicana sem participação civil. O erro é supor que a essência de um sistema político está na sua forma, não no conteúdo. Se a maior parte da população brasileira assistiu bestializada ao desfile militar de 15/11/1889, segundo o famoso dito de Aristides Lobo, tão bem estudado na obra de José Murilo de Carvalho, e nem mesmo sabia - e continua sem sabê-lo - os significados políticos do republicanismo, de que adiantaria depositar esperanças nele? Teria como cumprir deveres e exigir direitos? Assim como a democracia, a república, sua irmã xipófaga, depende de uma cultura a ser exercida no dia-a-dia. Em um sistema verdadeiramente republicano e democrático a população não vive sob ele, o que faria dela não mais do que uma multidão de súditos, a população o faz viver. Em termos hodiernos, a cultura republicana e democrática se traduz na busca constante do resguardo dos mecanismos de representatividade, no incessante debate político e na livre associação, elementos que devido à estrutura política brasileira, sempre pautada na ideia de que a sociedade existe para o governo, quando o correto seria o oposto, não podem ser colocados em prática.
Os mecanismos de representatividade pouco se fizeram solidamente desde 1889. O debate político é quase inexistente em uma sociedade de massas dominada pela ignorância. A livre associação não se pode erigir sobre uma centralização tão avassaladora e onde não há federalismo algum. República e democracia no Brasil, só para quem acredita que a reverência aos símbolos pátrios pode fazer as vezes da correta atuação do cidadão em assuntos realmente capazes de propiciar desenvolvimento ao país. Só o que sobra para estes são o falso consolo e as patéticas manifestações patrioteiras de quem se furta a refletir sobre os tantos problemas que afligem esta combalida nação. É a cara do Brasil!
http://aristaire.blogspot.com.br/2012/11/republica-de-mentira-ou-as-mentiras-da.html

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