segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Precisamos construir pontes na vida e na política




Hoje no Brasil constatamos grave dilaceração entre as pessoas por razões político-partidárias. Houve gente que deixou de participar da confraternização de Natal em razão de divergências políticas: uns por críticas ao partido que está no poder porque teria mentido na campanha; outros por causa da excessiva corrupção tributada a grupos importantes do PT. Uns são ferrenhos defensores do impeachment da Presidenta Dilma Rousseff. Outros não consideram as famosas “pedaladas” razão suficiente para tirá-la do cargo mais alto da República, conquistado com o voto da maioria da população.
Admitamos que as pedaladas seja um pecado apenas venial, cometido sem má intenção. Por um pecado venial, em sã teologia, ninguém é condenado ao inferno. No máximo, passa um tempo na clínica purificadora de Deus que é o purgatório. Este não é a antesala do inferno mas a antesala do céu.
Desconsideremos esses argumentos. O fato é que existe inegavelmente na sociedade grande irritação, intolerância racial e política, discussões ácidas e muitas palavras pesadas que crianças sequer poderiam ouvir. Especialmente na internet se abriu a porta por onde passa todo tipo de ofensa. Alguns se engessaram no passado e se imaginam ainda na guerra-fria. Chamar o outro de comunista significa uma ofensa. Esquecem que o império soviético ruiu e o muro de Berlim caiu 1989.
As pontes que ligavam os espaços sociais, diferentes, mas aceitos e respeitados, foram avariadas ou destruídas. Uma sociedade não pode sobreviver saudavelmente vendo seu tecido social sendo dilacerado. Aí há o risco dos radicalismos de direita (ditaduras como a dos militares) ou de esquerda (como o socialismo totalitário).
Mais que fazer muitas argumentações teóricas, estimo que as histórias nos podem dar boas lições e nos convencer da verdade das coisas. Passo adiante uma história que ouvi há muito tempo. Ela, me parece, convencer e esclarecer. Ei-la:
Dois irmãos viviam harmoniosamente em duas fazendas vizinhas. Tinham boa produção de grãos, algumas cabeças de gado e suínos bem tratados.
Certo dia, eles tiveram uma pequena discussão. As razões eram sem maior importância: uma vaquinha do irmão mais novo escapou e comeu um belo pedaço do milho do outro irmão mais velho. Discutiram alto e com certa irritação. A coisa parecia que tinha morrido ai mesmo.
Mas não foi bem assim. De repente, não se falavam mais. Evitam de se encontrar na bodega ou pelo caminho. Faziam-se de desconhecidos.
Mas eis que num belo dia, um carpinteiro apareceu na fazenda do irmão mais velho pedindo trabalho. O fazendeiro o olhou de cima abaixo e, meio com pena, lhe disse: “está vendo aquele riacho ali em baixo? É a divisa entre a minha fazenda e a de meu irmão. Pegue toda aquela madeira que está no paiol, e construa uma cerca bem alta, para que eu não seja obrigado a ver o meu irmão, nem a fazenda dele. Assim ficarei em paz”.
O carpinteiro aceitou o serviço, pegou as ferramentas, e foi trabalhar. Nesse entretempo, o irmão que lhe dera o trabalho, foi à cidade para resolver alguns negócios.
Quando voltou à fazenda, já no final do dia, ficou estarrecido com o que viu. O carpinteiro não havia feito cerca nenhuma, mas uma ponte que atravessava o riacho e ligava as duas fazendas.
Eis senão quando, no meio da ponte, vinha o seu irmão mais novo dizendo: “Mano, depois de tudo que aconteceu entre nós, eu mal posso acreditar que você mandou fazer esta ponte só para se encontrar comigo. Você tem razão, está na hora de acabar com a nossa desavença. Me dê aqui um abraço, mano”
E se abraçaram efusivamente e se reconciliaram. Irmão encontrou o outro irmão.
E aí viram que o carpinteiro estava indo embora. Eles gritaram dizendo: ”Ei, carpinteiro, não vá embora, fique uns dias com a gente… Você nos trouxe tanta alegria”.
Mas ele respondeu: “Não posso, há outras pontes a construir pelo mundo afora. Há muitos que precisam ainda se reconciliar”. E foi caminhando, serenamente, até desaparecer na curva da estrada.
O mundo e nosso país precisam de pontes e de pessoas-carpinteiro que generosamente, relativizem as desavenças, e construam pontes para que possamos conviver para além dos conflitos e diferenças, inerentes à incompletude humana. Temos sempre que aprender e reaprender a nos tratar humana e fraternalmente.
Talvez este seja um dos imperativos éticos e humanitários mais urgentes no atual momento histórico.
Leonardo Boff é articulista do JB on line e escreveu Homem: satã ou anjo bom? Record, Rio 2008.
https://leonardoboff.wordpress.com/2016/01/30/precisamos-construir-pontes-na-vida-e-na-politica/

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