sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

A CONSTITUIÇÃO PROÍBE, NINGUÉM LIGA: MAIS DE 90% DA DÍVIDA PÚBLICA BRASILEIRA É DE JUROS SOBRE JUROS.


O companheiro José Safrany Filho me chamou a atenção para uma entrevista muito esclarecedora que a CartaCapitalpublicou no último mês de junho: "A dívida pública é um mega esquema de corrupção institucionalizado". Lamentando ter passado batido na época, penitencio-me agora.

Foi concedida por Maria Lucia Fattorelli, auditora aposentada da Receita Federal e fundadora do movimento Auditoria Cidadã da Dívida. É longa, mas merece ser lida na íntegra, com máxima atenção (acesse aqui).

Eis alguns trechos marcantes:

"Que dívida é essa que não para de crescer e que leva quase a metade do Orçamento? (...) Depois de várias investigações, no Brasil, tanto em âmbito federal, como estadual e municipal, em vários países latino-americanos e agora em países europeus, nós determinamos que existe um sistema da dívida. (...) É a utilização desse instrumento, que deveria ser para complementar os recursos em benefício de todos, como o veículo para desviar recursos públicos em direção ao sistema financeiro. Esse é o esquema que identificamos onde quer que a gente investigue.

"...não tem nenhuma aplicação do mundo que pague mais do que os títulos da dívida brasileira. É a aplicação mais rentável do mundo. 

"Desde o Plano Real, o Brasil produz superávit primário todo ano. (...) O que quer dizer isso, superávit primário? Que os gastos primários estão abaixo das receitas primárias. Gasto primários são todos os gastos, com exceção da dívida. É o que o Brasil gasta: saúde, educação... exceto juros. Tudo isso são gastos primários. Se você olhar a receita, o que alimenta o orçamento? Basicamente a receita de tributos. Então superávit primário significa que o que nós estamos arrecadando com tributos está acima do que estamos gastando, então está sobrando uma parte... 

"...essa parte do superávit paga uma pequena parte dos juros porque, no Brasil, nós estamos emitindo nova dívida para pagar grande parte dos juros. Isso é escândalo, é inconstitucional. Nossa Constituição proíbe o que se chama de anatocismo. (...) Você está transformando juros em uma nova divida sobre a qual vai incidir juros. É o tal de juros sobre juros. Isso cria uma bola de neve que gera uma despesa em uma escala exponencial, sem contrapartida, e o Estado não pode fazer isso. (...) A divida brasileira assumiu um ciclo automático. Ela tem vida própria e se retroalimenta. Quando isso acontece, aquele juro vai virar capital.  E, sobre aquele capital, vão incidir novos juros. E os juros seguintes, de novo vão se transformados em capital. É, por isso, que quando você olha a curva da dívida pública, a reta resultante é exponencial. Está crescendo e está quase na vertical. O problema é que vai explodir a qualquer momento.

"[A] dívida elevada tem justificado um continuo processo de privatização. (...) Entrega de patrimônio cada vez mais estratégico, cada vez mais lucrativo. Nós vimos há pouco tempo a privatização de aeroportos. Não é pouca coisa os aeroportos de Brasília, de São Paulo e do Rio de Janeiro estarem em mãos privadas. O que no fundo esse poder econômico mundial deseja é patrimônio e controle. A estratégia do sistema da dívida é a seguinte: você cria uma dívida e essa dívida torna o pais submisso. O país vai entregar patrimônio atrás de patrimônio. Assim nós já perdemos as telefônicas, as empresas de energia elétrica, as hidrelétricas, as siderúrgicas. Tudo isso passou para propriedade desse grande poder econômico mundial. E como é que eles [dealers] conseguem esse poder todo? Aí entra o financiamento privado de campanha. É só você entrar no site do Tribunal Superior Eleitoral e dar uma olhada em quem financiou a campanha desses caras. Ou foi grande empresa ou foi banco. 

"O que é a auditoria? É desmascarar o esquema. É mostrar o que realmente é dívida e o que é essa farra do mercado financeiro, utilizando um instrumento de endividamento público para desviar recursos e submeter o País ao poder financeiro, impedindo o desenvolvimento socioeconômico equilibrado. Junto com esses bancos estão as grandes corporações e eles não têm escrúpulos. Nós temos que dar um bastanessa situação. E esse basta virá da cidadania. Esse basta não virá da classe politica porque eles são financiados por esse setor. Da elite, muito menos porque eles estão usufruindo desse mecanismo. A solução só virá a partir de uma consciência generalizada da sociedade, da maioria. 

"Nós estamos diante de um monstro mundial que controla o poder financeiro e o poder político com esquemas fraudulentos. É muito grave isso. Eu diria que é um mega esquema de corrupção institucionalizado. 

"...pelo que já investigamos em termos de origem da dívida brasileira e desse impacto de juros sobre juros, você chega a estimativas assustadoras. (...) Nos últimos anos, metade do crescimento da divida é nulo. (...) Essa foi a grande jogada do mercado financeiro no Plano Real, porque eles conseguiram gerar uma dívida maluca. No início do Plano Real os juros brasileiros chegaram a mais de 40% ao ano. Imagina uma divida com juros de 40% ao ano? Você faz ela crescer quase 50% de um ano para o outro. E temos que considerar que esses juros são mensais. O juro mensal, no mês seguinte, o capital já corrige sobre o capital corrigido no mês anterior. Você inicia um processo exponencial que não tem limite, como aconteceu na explosão da dívida a partir do Plano Real. Quando o Plano Real começou, nossa dívida estava em quase 80 bilhões de reais. Hoje ela está em mais de três trilhões de reais. Mais de 90% da divida é de juros sobre juros (o grifo é meu).

"O que a gente critica no governo Lula é que, para pagar a dívida externa em 2005, na época de 15 bilhões de dólares, ele emitiu reais. Ele emitiu dívida interna em reais. A dívida com o Fundo Monetário Internacional era 4% ao ano de juros. A dívida interna que foi emitida na época estava em média 19,13% de juros ao ano. Houve uma troca de uma dívida de 4% ao ano para uma de 19% ao ano. Foi uma operação que provocou danos financeiros ao País. E a nossa dívida externa com o FMI não era uma dívida elevada, correspondia a menos de 2% da dívida total. E por que ele pagou uma dívida externa para o FMI que tinha juros baixo? Porque, no inconsciente coletivo, divida externa é com o FMI. Todo mundo acha que o FMI é o grande credor. 

"[Sobre as consequências das políticas de austeridade impostas à Grécia, pois a Fattorelli foi convidada pelo Syriza para ajudar a investigar os acordos, esquemas e fraudes na dívida pública grega, conforme se pode ver no vídeo abaixo] Os casos aqui da Grécia são alarmantes. (...) Mais de 100 mil jovens formados deixaram o país nos últimos anos porque não têm emprego. Foram para o Canadá, Alemanha, vários outros países. A queda salarial, em média, é de 50%. (...) A maioria dos empregos foram flexibilizados, as pessoas não têm direitos. Serviços de saúde fechados, escolas fechadas, não tem vacina em posto de saúde. Uma calamidade terrível. Trabalhadores virando mendigos de um dia para o outro. Tem ruas aqui em que todas as lojas estão fechadas. Todos esses pequenos comerciantes ou se tornaram dependentes da família ou foram para a rua ou, pior, se suicidaram. O número de suicídios aqui, reconhecidamente por esse problema econômico, passa de 5 mil. Tem vários casos de suicídio em praça pública para denunciar".

http://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/2015/10/nos-estamos-diante-de-um-monstro.html

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