quinta-feira, 2 de julho de 2015

Do ponto G ao orgasmo múltiplo: ciência tenta desvendar segredos do prazer feminino


Existem várias vias pelas quais os genitais se comunicam com o cérebro na mulher
"O escritor americano J. D. Salinger afirmou, certa vez, que "o corpo de uma mulher é como um violino: é preciso um músico fantástico para tocá-lo direito".

 

Acariciada da maneira correta, uma mulher pode ser transportada a um êxtase tão incrível que, por alguns segundos, o resto do mundo deixa de existir. Mas basta um errinho para que a dor, a frustração ou uma sensação de vazio tomem conta.

É uma experiência altamente contrastante com aquela vivida pelo homem. Desde que ele consiga uma ereção, alguns minutos de estimulação vigorosa geralmente resultam na ejaculação.

Por que o orgasmo é tão prazeroso? Como as mulheres sentem o orgasmo múltiplo? E o famoso ponto G existe mesmo? Esses são alguns dos mais antigos mistérios da medicina.

"Conseguimos ir até a Lua, mas não sabemos o suficiente sobre nossos próprios corpos", afirma o professor de sexologia Emmanuele Jannini, da Universidade de Roma Tor Vergata e um dos cientistas que dedicam sua carreira a tentar explicar esses mistérios.

Nos últimos anos, a comunidade científica vem acompanhando uma enxurrada de estudos feitos por esses "mestres" do sexo, e finalmente as respostas estão surgindo.

Transando em nome da Ciência

Região cerebral que processa prazer pode ser ativada por drogas e certos alimentos

Talvez a maior habilidade desses cientistas tenha sido convencer algumas mulheres a deixar suas inibições de lado e se masturbarem – ou até transarem – em nome da Ciência, incluindo experiências em inusitado aparelho de ressonância magnética.

Um dos líderes dessas pesquisas é o psicólogo Barry Komisaruk, da Universidade Rutgers, em Nova Jersey, nos Estados Unidos, que queria avaliar se as diferenças cerebrais poderiam explicar por que homens e mulheres vivenciam o sexo de maneira distinta.

A conclusão é que, apesar das diferenças, homens e mulheres apresentam praticamente a mesma atividade neural durante o orgasmo. "As semelhanças são bem maiores do que as diferenças", afirma Komisaruk. "O que observamos é uma ativação completa do cérebro, com todos os sistemas funcionando ao mesmo tempo".

Mas se a floresta inteira está em chamas, é difícil identificar as pequenas fogueiras que estavam ali no início. Os cientistas, pelo menos, conseguiram encontrar uma delas: o núcleo accumbens, uma região do cérebro que lida com o prazer e a recompensa através da liberação de um neurotransmissor chamado dopamina.

Explicação para o orgasmo múltiplo?

Diferenças neurais explicam por que homens e mulheres reagem diferentemente depois do orgasmo
Experimentos mostraram que, se tiverem que escolher, ratazanas preferem receber estímulos elétricos nessa área cerebral do que comer – tanto que algumas chegavam a morrer de fome.

Esse ponto do cérebro também pode ser ativado por cocaína, anfetaminas, cafeína, nicotina e chocolate. Não há dúvidas sobre por que um orgasmo sempre faz a gente querer mais.

Depois do clímax sexual, no entanto, surgem algumas diferenças importantes, o que pode explicar por que homens e mulheres reagem de maneira tão distinta.
Komisaruk e a psicóloga australiana Kachina Allen descobriram indícios preliminares de que regiões específicas do cérebro masculino deixam de responder a estímulos sensoriais dos órgãos genitais logo depois do orgasmo.

Enquanto isso, o cérebro da mulher continua a ser ativado.

Isso poderia explicar porque algumas mulheres experimentam o orgasmo múltiplo, enquanto os homens, não.

Anatomia do prazer

O ponto G foi tem sido objeto de investigações desde os anos 50
Se as experiências com ressonância magnética geraram alguma polêmica, as tentativas de se entender a anatomia do orgasmo foram ainda mais controversas.

O pênis tem apenas um caminho para levar as sensações até o cérebro, enquanto o aparelho genital feminino tem três ou quatro vias.

No comando da sexualidade da mulher está o clitóris. A existência desse pequeno órgão já é conhecida desde pelo menos a última era glacial, mas só começou a ser objeto de estudos científicos no século 16, quando foi descrito como uma estrutura com a função de induzir o prazer.

Já no início do século 20, Sigmund Freud, o "pai da psicanálise", afirmou que mulheres mais maduras experimentavam mais intensamente o orgasmo por estimulação vaginal do que clitorial, posteriormente irritando muitas feministas, por parecer que a falta desse tipo de clímax seria culpa das próprias mulheres.

Para tentar desmistificar o assunto, o psicólogo Barry Komisaruk e a sexóloga Beverly Whipple, também da Universidade Rutgers, conduziram, então, um estudo que examinou mulheres com vários graus de lesão na medula espinhal.

Eles descobriram que mesmo aquelas que perderam as funções normais do nervo pudendo (que leva as sensações do clitóris ao cérebro) eram capazes de sentir toques e até orgasmo na vagina e no colo do útero. "Essa é provavelmente a melhor prova de que o orgasmo vaginal existe", afirma Komisaruk.

Isso ocorre porque são os nervos vagos, situados fora da medula, que conduzem as sensações da vagina para o cérebro. "As mulheres descrevem o orgasmo clitoriano como mais localizado e externo, e o clímax vaginal como interno e algo que envolve todo o corpo", explica o psicólogo.

A cruzada pelo ponto G

Portanto, se nervos diferentes podem conduzir sensações de partes distintas dos genitais femininos, será que algumas regiões da vagina são mais sensíveis do que outras?

O famoso ponto G foi, por muito tempo, o principal alvo das buscas de cientistas e casais. O termo foi criado no início dos anos 80 em homenagem ao ginecologista e obstetra alemão Ernst Gräfenberg. Em 1950, ele descreveu a existência de uma zona erógena na parede frontal da vagina, que correspondia à posição da uretra do outro lado.

Estudos posteriores revelaram uma complexa rede de vasos sanguíneos, terminações nervosas e reminiscências de uma espécie de "próstata" feminina na mesma área. Espalharam-se, então, os rumores sobre um "botão mágico" na vagina, capaz de detonar orgasmos poderosos.

Mas as evidências para comprovar ou refutar a existência de um ponto G ainda são imprecisas. Para complicar, ainda há um grande debate sobre a terminologia e a morfologia corretas das várias regiões internas do aparelho sexual feminino.

Entretanto, cientistas conseguiram demonstrar com consistência que existem diferenças físicas entre mulheres que experimentam o orgasmo vaginal e as que não. Em 2008, Jannini publicou um estudo envolvendo 20 voluntárias. Exames de ultrassom revelaram que aquelas que sentiam os estímulos vaginais apresentavam um tecido mais grosso no espaço entre a vagina e a uretra.

Na época, Jannini chegou a concluir que esse pedacinho do corpo seria o ponto G, mas logo repensou o assunto, com base em novos estudos. "A palavra 'ponto' sugere a existência de um botão, algo que precisa ser apertado para se obter prazer", afirma. "Isso implica uma estrutura concreta que ou está lá ou não está."

A redescoberta do clitóris

Se não for um botão, o que é o ponto G, então? Bem, cada vez mais cientistas estão chegando à mesma conclusão: que se trata de nada menos do que o clitóris.

Imagens de ressonância magnética recentemente revelaram que o órgão está longe de ser diminuto como se pensava: trata-se de uma estrutura volumosa que mede até 9 centímetros de comprimento, em foma de "Y" e que serpenteia por fora da vagina e sobe até a pelve ao longo da uretra.

Sua parte externa é, na realidade, a glande, e também a área mais sensível. Mas suas "pernas" se abrem pela abertura da vagina e se estendem pelos grandes lábios.

Tanto o clitóris quanto o pênis derivam do mesmo tecido embrionário e se diferenciam no início da gestação segundo o sexo do embrião. Mas o órgão feminino continua crescendo em resposta a hormônios mesmo depois da puberdade, enquanto o masculino não.

Outro estudo, realizado em 2009 por Rachel Pauls, uroginecologista em Cincinnati, no Estado americano de Ohio, analisou a influência do tamanho e da posição do clitóris na maneira como elas sentem o orgasmo vaginal. Com imagens de ressonância magnética de 30 voluntárias, a cientista descobriu que quanto menor a glande e quanto maior a distância entre o clitóris e a vagina, mais difícil é para a mulher chegar ao clímax.

Experimentar é preciso

Todas essas pesquisas significam que existem várias maneiras de as mulheres experimentarem o orgasmo. "Há uma boa base neuro-anatômica para diferentes tipos de orgasmos e diferentes tipos de sensações", afirma Komisurak.

Já para as mulheres que têm dificuldade de atingir o clímax durante a penetração – ou qualquer tipo de estimulação – a mensagem dos cientistas é simples: experimentem.

"Não há nada errado com essas mulheres. Todo o mundo é diferente e elas precisam explorar seus estímulos", afirma Pauls.

O psicólogo italiano Jannini concorda: "Além de curtir o sexo, curta se conhecer e entender quem você é hoje, porque amanhã você provavelmente será diferente". E não subestime a imensa variedade em oferta. "Não encare o corpo feminino como uma máquina que só pode operar de uma determinada maneira", conclui."

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