segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Pesquisadora diz que crise hídrica em SP é falta de eficiência do Estado


Jornal GGN

"A falta d'água em São Paulo não é só fruto de condições climáticas anormais, mas também "falta de eficiência do sistema do Estado", estampa a Folha no lead de uma entrevista com pesquisadora da Universidade de Stanford, na Califórnia, Newsha Ajami. A entrevistada, diretora do programa Water in the West, afirmou que o problema foi majorado pela falta de gerenciamento e de soluções. Criticou também as soluções que o governo do Estado aponta para o futuro próximo, dizendo que tudo o que é proposto não pode ser feito de uma hora para outra. Para a pesquisadora, a primeira e rápida medida seria consertar os vazamentos e, então, partir depois para reprimir a demanda com aplicação de multas para o excesso de consumo. Leia a matéria na íntegra. 

da Folha

SP deve mirar curto prazo na luta contra crise da água, diz pesquisadora

GIULIANA VALLONE

DE NOVA YORK

Os problemas no abastecimento de água enfrentados por São Paulo não resultam apenas das condições climáticas anormais, mas também da falta de eficiência do sistema do Estado. A opinião é da pesquisadora da Universidade de Stanford, na Califórnia, Newsha Ajami.

Ela é diretora do programa Water in the West, voltado para a pesquisa e desenvolvimento de soluções para os problemas de abastecimento de água no Oeste dos EUA.

Ajami esteve em São Paulo em dezembro, a convite do governo do Estado, para discutir a questão com autoridades e outros pesquisadores.

"É, sim, um problema nacional de seca, mas [no Estado] ele é exacerbado pela falta de gerenciamento e de soluções", disse à Folha.

Para ela, o primeiro passo deveria ser consertar os vazamentos no sistema paulista –uma solução de curto prazo que, segundo ela, ajudaria a aumentar o volume de água disponível para o uso.

"Eles estão falando em fazer grandes obras, como construir mais reservatórios ou fazer a interligação com outros Estados, mas não dá para construir isso de uma hora para outra", disse.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

*

Folha - Como você avalia a situação atual do sistema de água em São Paulo?

Newsha Ajami - Eu estava informada sobre os problemas de abastecimento ao viajar. Mas, quando cheguei a São Paulo, me surpreendi ao descobrir que há um rio [o Tietê] correndo no meio da cidade. Ele é bastante contaminado, claro, mas é impressionante saber que, no meio de uma seca, ninguém tenha levado em consideração usar essa água, descontaminá-la.
Há também um sistema de coleta de água da chuva, que é muito mais limpa que o esgoto. Mas, no fim, os dois são despejados no mesmo lugar.

Como você compararia a situação da Califórnia com a de São Paulo?

Bom, nós realmente não temos água, não está chovendo e os nossos rios estão secos. Mas parte dos problemas que o Estado está enfrentando está ligada ao mau gerenciamento, e não a questões climáticas ou ambientais. É um problema nacional de seca, mas exacerbado pela falta de gerenciamento e soluções.

Estão falando em fazer grandes obras, como construir mais reservatórios ou fazer a interligação com outros Estados, mas essas são soluções de longo prazo.

E se há seca, a primeira coisa a fazer é adotar medidas que tenham efeito no curto prazo: tentar reduzir o consumo, fazer a água disponível durar mais. E quando visitei a cidade [em dezembro], eles não estavam necessariamente explorando essas opções.

O governo estadual acaba de conseguir na Justiça autorização para cobrar uma sobretaxa de quem aumentar o consumo de água. Isso é uma solução?

Com certeza. Discuti essa possibilidade em São Paulo, porque essa é uma opção para conter o uso da água. A resposta que recebi é que isso acabaria punindo todos, porque há prédios em que a cobrança pelo uso da água é conjunta e é difícil descobrir quem está gastando mais.
Mas a justiça é um padrão difícil de se estabelecer quando você quer garantir que todos tenham acesso à água potável. E é preciso ter uma medida para emitir um alerta de que é preciso parar de desperdiçar. A mudança na estrutura de preço é um dos melhores jeitos de sinalizar isso para os consumidores.

A Sabesp também tem reduzido a pressão da água durante a noite, reduzindo o volume entregue às residências.

Não fazemos isso na Califórnia e não achamos que é uma boa ideia. A redução da pressão da água aumenta o risco de contaminação.
Durante minha visita, chegamos à conclusão de que usamos o termo racionamento de forma diferente. Sob o nosso ponto de vista [da Califórnia], racionamento não significa cortar o abastecimento de água e, sim, restringir o volume para assegurar que as pessoas usem só uma determinada quantidade.
Percebi que em São Paulo o termo racionamento é usado para cortes no abastecimento. E isso é uma coisa bastante custosa para a agência responsável, por causa do risco de contaminação da água. O sistema do Estado tem cerca de 40% a 45% de vazamentos, então eu me concentraria em aumentar a eficiência ao invés de racionar.

Como a redução da pressão pode aumentar o risco de contaminação da água?

A água corre pelo sistema a uma velocidade muito alta. Se há um vazamento, a água sai da tubulação, mas não permite que nada entre nela.
Agora, se você reduz a pressão, vai haver mais espaço dentro dessa passagem e, nos lugares em que há vazamentos, essa água que saiu pode voltar a entrar na tubulação, já contaminada.

O governo também admitiu a possibilidade de fazer um rodízio no abastecimento de água. Isso pode ajudar a aumentar a duração dos reservatórios?

Eu também não diria que é uma boa ideia. Nos EUA, você não pode fazer isso, então me surpreendeu muito que isso possa ser feito em São Paulo.
De qualquer forma, acredito que seja mais eficaz fazer alterações de preço, tornando as pessoas mais conscientes do uso que fazem da água.

A interligação da bacia do rio Paraíba do Sul, nos Estados de São Paulo, Minas e Rio, com o sistema Cantareira –autorizada na sexta-feira (16), pela Agência Nacional de Águas. é uma boa alternativa a longo prazo?

Na Califórnia, tivemos de trazer água de outros lugares para sobreviver. E percebemos que isso tem custos ambientais e econômicos bastante significativos a longo prazo.

Agora, nós estamos encorajando as regiões a buscarem soluções locais. Em São Paulo, há muitas ações locais para serem exploradas. Se eu estivesse à frente do governo, investiria em um sistema que limpasse a água do rio Tietê e permitisse reutilizá-la.

Quais são as soluções de curto prazo para São Paulo?

A primeira medida deveria ser consertar os vazamentos. É uma solução rápida.
Outra solução de curto prazo é reduzir a demanda, como multar quem usa mais ou dar incentivos para quem economiza, o que já estão fazendo.
Há também a estrutura, já instalada, que separa a água da chuva do esgoto e poderia ajudar em períodos de seca. Eu tentaria captar essa água pluvial para limpá-la e usá-la novamente.

Você acha que essa situação poderia ter sido evitada?

Talvez. Eles estavam cientes de que havia vazamentos no sistema e me surpreende que não tenham tentado resolver isso. Acho que o governo não vinha fazendo a manutenção ativa do sistema. Pode ser que eles não tivessem recursos financeiros para fazê-lo ou pode ter sido só negligência.

Com a mudança climática, você acredita que as secas serão um problema cada vez mais frequente?

Com certeza. E isso pode ser uma realidade na Califórnia e em São Paulo, de formas diferentes. De forma geral, acredito que mudar a maneira como gerenciamos a água pode melhorar o nosso acesso a ela. Precisamos ter um sistema mais eficiente e mais resistente."

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