quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Cuba e as democracias liberais na América Latina

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Por Flavio Lyra, via Desenvolvimentistas    
                                      
O Presidente Obama, finalmente, tomou a histórica decisão de iniciar o processo de restabelecimento dos vínculos econômicos e políticos com Cuba.

Foram mais de cinquenta anos de agressões e discriminações de toda ordem contra a pequena ilha de Cuba, atualmente com apenas 11 milhões de habitantes, inclusive com uma tentativa fracassada de invasão, patrocinada pela CIA, na Bahia dos Porcos, no início dos anos 70.

Durante todos estes anos, Cuba tem estado submetida às consequências de fortes sanções econômicas por parte da maior potência econômica e militar do mundo: o governo norte-americano tem proibido que suas empresas realizem negócios com Cuba, onde se realiza a única experiência socialista na América Latina. O argumento usado e abusado é sempre o mesmo: a falta de liberdades democráticas que o governo socialista impõe ao povo de Cuba.

A verdade, porém, é que o modelo de governo socialista implantado em Cuba, a partir da revolução vitoriosa concluída em 1959, corresponde a um tipo de democracia diferente das existentes nos países capitalistas.

Esse tipo de governo foi adotado como resposta às pressões provenientes dos Estados Unidos, insatisfeitos com a estatização de empresas controladas por capitais norte-americanos,  logo após a revolução. Cuba foi forçada a aliar-se a antiga União Soviética na época da chamada “Guerra Fria”.

Com o esfacelamento da União Soviética em 1989, Cuba perdeu o mercado de seu principal produto, o açúcar, juntamente com outras modalidades de ajuda militar e econômica que recebia daquele país, ficando no pior dos mundos, pois já não contava com o apoio dos Estados Unidos e seus aliados ocidentais. Ao contrário, sofria forte oposição dos mesmos.

Mesmo atravessando forte crise, Cuba conseguiu sobreviver e preservar seu sistema socialista de governo, realizando mudanças que a tornam um exemplo no mundo, em termos de emancipação popular e de avanços no campo social.

Comparações em termos de indicadores sociais com outros países do Caribe, assemelhados em termos demográficos, geográficos e econômicos, mas com sistemas de governo liberais-democráticos, mostram uma clara vantagem em favor de Cuba.
Considere-se inicialmente, Porto Rico, uma ilha do Caribe próxima a Cuba, atualmente com 4 milhões de habitantes, que foi incorporada pelos Estados Unidos, juntamente com Cuba, no final do Século XIX, após a derrota infligida à Espanha na guerra travada com aquele país.

Lamentavelmente, nem mesmo modelo de democracia ocidental, ainda não foi estendido inteiramente aos porto-riquenhos, que ainda hoje vivem num mero estado-associado, sem personalidade jurídica própria, sem direito a votar na eleição de senadores e representado em Washington por um delegado não-votante.

Porto Rico coloca-se em posição muito desfavorável no mundo, em termos de mortalidade infantil e grau de alfabetização. Acha-se atualmente muito endividado e apresenta uma taxa de desemprego de 13%. Para a minoria de ricos que lá vive e beneficia-se da indústria de turismo, controlada por capitais norte-americanos, certamente que o modelo de democracia lá existente nada deixa a desejar. Resta saber se o povo porto-riquenho está satisfeito.

Não sem razão, o Congresso Latino-americano e Caribenho pela Independência de Porto Rico, realizou-se em 2006, com o propósito de apoiar a independência dessa ilha. Nada mais injusto para o povo de Porto Rico do que pertencer ao território da maior potência do mundo e apresentar índices de qualidade de vida muito próximos aos dos países mais atrasados da Região.

A República Dominicana, com 10 milhões de habitantes, vizinha do Haiti, com o qual divide o território de uma mesma ilha, também localizada no Caribe, próxima a Cuba, é mais um exemplo do modelo de democracia ocidental, ocupando o 116° lugar no mundo em mortalidade infantil, com uma taxa de 29,6 por mil nascidos vivos, e o 89° lugar no mundo em taxa de alfabetização, com 89,1% de alfabetizados.

Ali, também, à semelhança de Porto Rico, vive um grupo de capitalistas norte-americanos, representando um percentual mínimo da população, que controla a indústria de turismo, a principal atividade econômica do país.

É quase desnecessário mencionar o pobre Haiti, localizado na mesma ilha que a República Dominicana, com a qual divide o território, com 10 milhões de habitantes. Ocupa, o 136° lugar no mundo em mortalidade infantil, com uma taxa de 48,8 por mil nascidos vivos e tem uma taxa de alfabetização de apenas 54,8%, ficando no 154° lugar no mundo.

Também, no Haiti, existe um pequeno número de ricos que controla o grosso da renda do país, enquanto a maioria da população vive na miséria.

Os casos citados são três exemplos notórios do modelo de democracia fartamente elogiado pela grande imprensa e protegido pelos Estados Unidos. Em alguns desses países, como Granada, República Dominicana, Guatemala e Panamá, os Estados Unidos já interviram militarmente para defender suas “exemplares” democracias contra revoltas populares.

Chama a atenção que o tão combatido modelo de governo socialista existente em Cuba, durante seu meio século de vida, sob forte pressão externa, tenha conseguido alcançar condições gerais de vida para sua população muito superiores a de seus vizinhos do Caribe.

Para um país pobre, como Cuba, com uma renda per capita de apenas quatro mil e quinhentos dólares (1/5 da dos Estados Unidos), a taxa de mortalidade infantil é de apenas de 5,1 por mil nascidos vivos. O analfabetismo foi inteiramente banido e a expectativa de vida é de 78,3 anos. Além disto, em Cuba, não há miséria!

Há verdades que precisam ser ditas e difundidas, Cuba continua a ser um país pobre, cujos automóveis em circulação nas ruas são antigos e desgastados pelo tempo. Seus edifícios estão mal cuidados e envelhecidos. Sua imprensa é controlada pelo governo e a saída do país não é livre como nos demais países da região.

Mas há também muitas e mais importantes verdades que dizem respeito à privilegiada condição de vida de sua população, que decorre da opção política de seu povo por um governo socialista. O modelo de sociedade cubana é uma inovação em relação à democracia esclerosada e viciada existente em nossos países.
Lá, as prioridades são definidas em função das necessidades básicas da população e não de um consumismo estúpido e inconsequente, que permite a uma minoria ter um padrão de vida de país rico e a maioria viver condenada a eterna pobreza. Lá, o ensino, a saúde e a moradia são gratuitos.

Lá, não existem ricos e, por isso mesmo, não vemos demonstrações de opulência, nem de luxo. Lá, é onde se tem atingido realizações importantes no campo da medicina, com a formação e a exportação de médicos para países necessitados.

Lá é onde a pesquisa científica na área médica e o desenvolvimento e a produção de numerosas vacinas (exportadas para outros países) contra doenças endêmicas em nossos países têm avançado substancialmente.  Finalmente, lá é onde os negros pobres dos Estados podem estudar gratuitamente e chegar a ser médicos ou ter outras profissões que não poderiam alcançar, por razões econômicas, em sua pátria economicamente poderosa, onde prevalece o modelo de democracia liberal.

Merece destaque que, em comparação com o Brasil, cuja renda por habitante é maior do que duas vezes a de Cuba, este pequeno país leva nítida vantagem em todos os indicadores que dizem respeito às condições gerais de vida da maioria da população.

Flavio Lyra é Economista da escola da UNICAMP. Ex-técnico do IPEA.
sugado do: http://blogdoitarcio.blogspot.com.br/2014/12/flavio-lyra-cuba-e-as-democracias.html

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