domingo, 9 de junho de 2013

Não é a economia, estúpido



 por Denise Queiroz

A depender da sensação de bem estar, parecem favas contadas que não haverá nenhuma chapa capaz de costurar tanto, a torto e à direita, quanto a que está governando. E, portanto, deverá seguir até pelo menos 2018. Mas e o custo dessa costura?

No momento em que finalmente o Estado chega nos confins do país e se verifica que faltam médicos para a assistência mais básica, haverá psiquiatras para tratar os distúrbios que alguns projetos de lei, como esse estatuto do nascituro, vão gerar?

A subida de um pastor com passado nada ilibado à direção da Comissão de Direitos Humanos, aliada aos recuos sistemáticos do Ministério da Saúde em veicularcampanhas que visam conscientização, e a proposta de que o governo arque com as despesas de filhos nascidos de estupro, forma um quadro mais surreal que o genial Dali pôde imaginar. De que tipo de cabeças extremamente doentes e mínimas saem este tipo de propostas? Quem as apóia? 

É certo que nossa formação cultural, atravessada no DNA por fundamentos criados há séculos suporta e - sempre sob o ponto de vista do conhecimento dos ambientes históricos onde alguns fundamentos foram criados - entende que algumas práticas tenham se perpetuado. Mas também por esse entendimento, nos vemos na obrigação evolutiva de esclarecer que alguns desses fundamentos estão e sempre foram equivocados. A violência, sob qualquer forma, é uma das práticas que qualquer ser humano deveria rechaçar de maneira veemente.  

A violência da miséria e da fome aos poucos está diminuindo, mas o ambiente que a fez prosperar, a desigualdade, ainda é muito real. E outra vez, não se trata de economia. Trata-se da desigualdade de acesso ao mais básico conhecimento, para que o entendimento de mundo seja humanizado.

Ao mesmo tempo em que há mais crianças na escola, há mais adultos nas igrejas. Que fique claro que absolutamente não penso que isso seja um problema, pois fé, se faz bem, boa é. Mas e se faz mal? Como tolerar a intolerância pregada aos gritos nos púlpitos, onde a “palavra de Jesus” é distorcida ao ponto de um dos mais conhecidos ensinamentos cristãos, “amarás ao próximo como a ti mesmo” é dito com um “mas os homossexuais não, mas as prostitutas são seres do demo, mas a vida no útero vale mais que a vida já desenvolvida". Estes mas encerram os significados mais desprezíveis, comparáveis ao fascismo.

As raízes do mal

Em 2010, durante a campanha à presidência, o poder das novas seitas ficou evidente. Na tentativa de abocanhar essa fatia crescente de eleitores, os candidatos melhor colocados nas pesquisas, Dilma Rousseff, José Serra e Marina Silva evitavam, em entrevistas, declarações ou debates, defender suas posições (e as partidárias) sobre os direitos individuais, como o direito ao aborto. 

Numa sordidez sem precedentes, facções da Igreja católica chegaram ao cúmulo de mandar imprimir panfletos apócrifos ‘acusando’ a candidata governamental de ser ‘favorável ao aborto’. Por essa visão, aborto deixa de ser direito para ser o pior dos pecados, sujeito ao inferno ainda em terra, pior que ser ‘comunista’ ou ‘terrorista’. Com essa atitude aloprada, os fundamentalistas católicos acabaram por unir-se às piores facções do novo fundamentalismo, o evangélico, que já desde 2002 fazia parte da base aliada do então presidente Lula.

Naquele momento eleitoral, foi costurada às pressas uma reunião de Dilma com representantes e líderes das maiores igrejas. Nela, a então candidata, firmou carta-compromisso de que preceitos caros aos líderes ‘espirituais’ não seriam modificados. Não haveria, por parte do governo, proposta de legislação sobre o tema tabu (tabu construído por interesse do capital nos meados do século XIX) o aborto, nem sobre direitos de casais homoafetivos, nem qualquer outra igualdade que a esses líderes pudesse cheirar a afronta.

O resultado é que também graças a esse compromisso, a presidenta foi eleita e, pelo que se sabe, não descumpriu nenhum ponto da carta.

Aí entra a outra questão: vários líderes partidários apregoam que não se deve confundir governo com partido. Ainda não encontrei fórmula para entender essa equação, mas se eles dizem, devem tê-la, guardada como no medievo, em algum castelo com fosso de jacarés que impedem mortais de chegarem aos livros. Ok, suponhamos que eles saibam o que dizem. Então por que raios até agora nenhum partido apresentou proposta de legislação sobre o aborto? E como raios passa numa das comissões da Câmara uma proposta que vitimiza o estuprador e condena a vítima - de uma das mais hediondas violências -  a gestar, parir e criar um filho que porventura tenha sido gerado nesse ato hediondo?

Num momento em que tribos indígenas estão mais do que nunca ameaçadas de extingui-se, e com elas grande parte de nossa cultura, pretende-se criar um banco de reserva de DNA de criminosos? Quem vai pagar essa conta? Haverá mágica na economia que supere tanto retrocesso?
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