segunda-feira, 9 de abril de 2012

A grande jogada administrativa e política do governo Dilma

Enquanto prossegue a temporada de caça aos que se banharam na cachoeira da corrupção, o governo Dilma Rousseff vai empreendendo um projeto que explica a recente pesquisa de opinião que mostra considerável aumento de sua popularidade, sobretudo de sua titular.
Refiro-me a uma medida do governo que, vista da perspectiva correta, coaduna-se com outra do governo Lula que foi igualmente desconsiderada à época de sua implantação e que passo a explicar.
Entre 2008 e 2009, quando explodiu a crise das hipotecas nos Estados Unidos e o crédito bancário escasseou em escala mundial, o governo Lula colocou os bancos estatais (Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e BNDES) para suprir o que o setor privado (no Brasil e no mundo) passara a se recusar a conceder.
À época, os bancos públicos, sob uma saraivada de críticas da mídia, da oposição e da banca supriram, a juros baixos, a ausência de crédito gerada pelas medidas restritivas do setor privado amparadas no melhor receituário neoliberal. Diziam, por exemplo, que o BB poderia até quebrar por estar emprestando quando banco nenhum o fazia por conta da crise.
A medida do governo Lula foi um sucesso estrondoso. O Brasil foi um dos primeiros países a sair da crise, em 2009, e o BB assumiu a liderança da banca verde-amarela.
Agora, nova medida do governo petista, coerente com a que foi tomada durante a crise de há quatro anos, está sendo posta sob críticas e desmerecida pelos de sempre. O governo Dilma está usando os bancos públicos para forçar a queda do spread, ou seja, da pornográfica “taxa de risco” que faz os juros ao consumidor, no Brasil, serem os mais altos do mundo.
Na última sexta-feira (5 de abril), o jornal Folha de São Paulo publicou, em sua página A3, artigo do bom e velho Roberto Luis Troster, ex-economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e o grande defensor dos juros que os bancos cobram no Brasil.
O título do texto de Troster é para lá de sugestivo:
“Crédito a 2% ao mês? Não vai dar certo”.
Esse título conversa com a opinião dos analistas da grande mídia que estão sempre construindo todo um discurso delinqüente para justificar que o Brasil tenha juros ao consumidor mais altos do que em países em guerra, por exemplo.
Abaixo, o artigo. Continuo em seguida.
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Folha de São Paulo
5 de abril de 2012
Tendências / Debates
CRÉDITO A 2% AO MÊS? NÃO VAI DAR CERTO
Roberto Luis Troster
O governo quer que BB e Caixa façam empréstimos baratos para forçar os demais bancos a reduzir taxas. Sem subsídios ou prejuízo, isso não é possível
A oferta de crédito no Brasil é a segunda mais cara do mundo. E ela é instável. Isso tem efeitos nefastos na economia.
O governo está determinado a baixar as taxas de juros bancárias. Para tanto, Banco do Brasil, Caixa e Ministério da Fazenda estariam preparando medidas para reduzir o custo do financiamento.
O objetivo seria fazer as duas instituições ofertarem linhas de cheque especial, de aquisição de bens e de crédito pessoal a 2% ao mês. Com isso, forçariam as demais a emprestar mais barato.
A ação do governo induziria a uma eficiência maior do sistema financeiro, compatível com sua sofisticação. Com isso, a inadimplência diminuiria, o consumo e o investimento seriam estimulados, especial das pequenas e médias empresas.
Mas isso é inviável. Lamentavelmente, da maneira que está sendo lutada, é uma batalha perdida.
Não é por falta de boa vontade ou de capacidade dos envolvidos. Sem subsídios ou prejuízos, não é possível. Os grandes bancos no Brasil não conseguem emprestar ao consumidor nesse patamar de taxas. Basta analisar seus balanços e verificar que as margens almejadas seriam deficitárias.
A batalha para reduzir taxas com medidas e pacotes já foi travada mais de uma vez. Sempre terminou em derrota. Todavia, desta vez, o governo pode ganhar a guerra contra o crédito caro e instável.
O problema não está na concorrência bancária. Há dezenas de sistemas mais concentrados que operam a taxas mais baixas. Existem, sim, alguns abusos, mas são localizados. Os dois bancos citados e a maioria das outras instituições não não praticam esses abusos.
A raiz do problema está no quadro institucional do sistema financeiro. Tem quase meio século, manteve o setor bancário solvente e rentável na época da inflação alta. Não tem mais serventia. O país necessita de uma intermediação eficiente e estável para seu desenvolvimento.
Para tanto, é urgente uma mudança no paradigma bancário. Uma oferta de financiamentos estável com margens baixas demanda uma modernização do quadro institucional: mudanças na tributação, na legislação, nos compulsórios, nas informações ao tomador, no papel do Banco Central, nos relacionamentos entre clientes e bancos, nas regras de concorrência e na criação de um órgão de proteção ao consumidor financeiro, entre outras ações.
Uma medida preliminar deve ser adotada: dar transparência problema. Se todas as taxas são anuais, como a Selic, o CDI e a rentabilidade de aplicações financeira, expressar o custo do crédito ao mês é se referir um valor pelo menos doze vezes menor, minimizando-o. Deve-se usar uma só régua para medir o custo e o preço do dinheiro.
O Banco Central deveria também divulgar a taxa média das concessões de crédito e não do estoque -a diferença em momentos de apertos como o atual é considerável. Outro defeito é não incluir os custos de financiamentos no cartão. Isso distorce ainda mais a gravidade do problema.
Outrossim, propor como solução que a Caixa e o Banco do Brasil não cobrem juros por dez dias no cheque especial ou que reduzam taxas para apenas alguns produtos e clientes, além de inócuo, tira o foco do problema principal que é uma oferta de financiamentos estável e eficiente. O que é necessário é uma mudança no paradigma. Convém aos bancos para ter lucros mais sólidos e ao país para crescer mais.
ROBERTO LUIS TROSTER, 61, doutor em economia pela USP, é consultor. Foi economista-chefe da Febraban e professor da PUC-SP, Mackenzie e USP
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Recentemente, durante viagem ao exterior, a presidente Dilma Rousseff deu uma declaração à qual o artigo supra reproduzido confere razão. Ela disse, em síntese, que não há defesa técnica possível do spread que os bancos brasileiros cobram.
Veja bem, leitor: spread é taxa de risco. Ou seja, o banco cobra de todos os que lhe tomam empréstimos um percentual que cobre o risco de alguns tomadores não pagarem. Qual seria a explicação técnica para o Brasil cobrar uma taxa de não-recebimento de empréstimo maior até do que a que é cobrada no Iraque ou em países como a Grécia, que está afundando?
Troster tenta explicar nesse texto ridículo, aí em cima, mas não explica nada. É só o velho discurso dele mesmo, que já empreendia durante o governo Lula, de que, entre outros fatores, a culpa seria do recolhimento “compulsório” de depósitos a vista pelo governo.
Falemos um pouco desse recolhimento. O governo, visando “enxugar” excesso de dinheiro no mercado a fim de não provocar um forte aumento da demanda que gere inflação, recolhe cerca de 60% de todos os depósitos a vista nos bancos, o que lhes causa redução dos lucros estratosféricos que têm no Brasil. Segundo Troster sempre disse, se o governo reduzisse o compulsório, o spread cairia.
Já se vê, aí, que a taxa de risco, no Brasil, não é cobrada para esse fim, mas para aumentar lucros, pois o próprio setor bancário acusa o spread de ser usado para recompor a rentabilidade que o compulsório reduz.
Até aqui, penso que não há economês. Estou certo de que, nestes termos, qualquer um compreende a questão.
Por que o cheque especial tem que cobrar 8%, 10% ou até 12% ao mês? Em todos os países da América do Sul, para ficarmos em exemplos próximos, os bancos demoram meses e até anos para receber 12% de juros. Aqui, cobram em um mês.
Por que? O texto de Troster não explica nada, apenas repete razões que sugerem que o brasileiro seria mais caloteiro, que os impostos brasileiros são os mais altos da galáxia  e que o tal compulsório deixa pouco lucro aos pobre banqueiros.
Bah!
Tudo conversa mole. O calote, no Brasil, caiu vertiginosamente nos últimos anos. Temos um dos níveis mais aceitáveis do mundo, hoje. Os impostos brasileiros tampouco são tão altos assim, até porque a sonegação é das maiores.
E, por fim, a cereja do bolo: entre 2008 e 2009, o governo liberou geral o compulsório e a banca não mexeu em nada nos seus lucros, limitando-se a ganhar duplamente, agora sem compulsório e com juros na estratosfera.
Em 2008/2009, banqueiros, mídia e oposição erraram. E talvez, como agora, soubessem que iam errar. Disseram que seria ruim os bancos públicos irem na contra-mão dos privados, mas isso porque teriam podido encarecer os empréstimos, ou seja, poderiam ter ganhado mais e trabalhado menos.
Entende agora, leitor, por que mídia, oposição e setores influentes do grande empresariado não gostam dos governos do PT? E, aliás, quem acusa o governo Dilma de ser “neoliberal” também deveria notar essa medida em curso, porque é absolutamente uma medida de esquerda.
Não que o governo Dilma ou o governo Lula não tenham cedido ao neoliberalismo. Cederam, como vinham cedendo aos bancos até colocarem o pé na porta em 2008 e 2009 ou em 2012. Cederam só até pararem de ceder…
Esta é uma segunda geração de medidas econômicas do governo petista que ainda tem um bônus para seus autores: o bônus político.
Alguém aí já parou para pensar sobre quanta popularidade irá ganhar uma presidente e um governo que rompem outro paradigma maléfico talvez mais importante que o da inflação, o eterno drama brasileiro causado pelos juros imorais que os Trosters da vida defendem?

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