quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

UM CLÁSSICO DO TEMPO EM QUE NINGUÉM ERA MORTO POR ENCARAR A RELIGIÃO COM ESPÍRITO CRÍTICO E MENTE ABERTA

Os religiosos conservadores consideram que a Bíblia, o Alcorão e outros textos antigos sejam a expressão fiel, eterna e imutável da palavra divina, não comportando questionamentos nem reflexões, apenas a aceitação incondicional.

Quem não abdica do nosso grande diferencial em relação aos animais, a capacidade de pensar, encara tais textos como produtos históricos. Neles existem ensinamentos válidos até hoje, mas também preceitos superados, característicos de sociedades extremamente menos complexas do que a nossa. 

Há, contudo, os que fazem da fidelidade à ortodoxia uma bandeira, mesmo estando muito longe de por ela pautarem sua vida privada. Geralmente, assim procedem por ser esta a atitude mais conveniente para obterem sucesso em determinado nicho de mercado. 

A reverência obtusa marcava os intragáveis filmes religiosos da minha meninice, como O mártir do calvárioVida, paixão e morte do Nosso Senhor Jesus Cristo e que tais. Eram projetados ano após ano na 6ª Feira Santa, sempre com as mesmíssimas cópias gastas, roídas até o osso. A lembrança que me ficou é a de feriados estragados pela falta da minha diversão favorita, a matinê dos saudosos cines Aliança e Patriarca 
Até 1973, eu só travara contato com uma visão alternativa, a de Pier Paolo Pasolini em O evangelho segundo São Mateus(1964). Enfatiza os aspectossubversivos da pregação de Cristo, mas era um filme árido demais para me cativar, deliberadamente pobre e sombrio, com pouca ação e uma overdose de diálogos, parecendo teatro filmado.

Veio então o musical Jesus Christ Superstar, e foi uma grata surpresa. Adorei. Tinha ótimas músicas, coreografias belíssimas, fotografia impecável, força dramática e, acima de tudo... vida inteligente. Tratava-se da adaptação cinematográfica da melhor de todas as óperas-rock.

Andrew Lloyd Weber mandou bem nas músicas, mas o maior mérito foi do letrista Tim Rice, que deu uma abordagem crítica aos últimos dias de Cristo. Mostrou os grandes personagens do drama bíblico como prisioneiros da História, relutantes em cumprir sua sina mas impotentes para dela escaparem.

Assim, Jesus não quer o cálice do martírio mas se submete à vontade divina, pedindo, contudo, a Deus que faça tudo acontecer rapidamente, antes que ele mude de ideia.

Judas não quer trair, mas teme que Cristo tenha perdido o controle da multidão e dê aos romanos motivos para promoverem um banho de sangue.

Pilatos não vê crime a ser punido, mas recua quando o povaréu lhe urra que acima dele está César e a tibieza poderá acarretar sua desgraça.

O sumo-sacerdote Caifás teme o caos que, na sua opinião, advirá se a autoridade religiosa for abalada.

Só Herodes, mostrado como um frívolo hedonista, não age a contragosto e optando pelo que seria um mal menor. 

Foi um achado a solução encontrada pelo brilhante cineasta Norman Jewison (o diretor de A mesa do diaboNo calor da noite e Hurricane): encenar seu drama nas ruínas e desertos de Israel. Estava bem no espírito da era hippie, tendo tudo a ver.

E, num elenco de desconhecidos que não destoaram, o destaque absoluto é o enérgico e carismático Carl Anderson como Judas. Aliás, Jewison foi indagado sobre o motivo da escolha de um negro para papel tão melindroso. Respondeu que se tratava do personagem com maiores exigências dramáticas, daí ter optado pelo melhor ator de que dispunha, sem dar a mínima para sua cor..

https://naufrago-da-utopia.blogspot.com.br/2016/12/um-classico-do-tempo-em-que-ninguem.html

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