segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Programa de índio

Não tem "programa de índio" maior do que os programas de homem branco. Quer dizer, tem, sim. Os programas de homem branco da cidade grande.
É urgente desfazer os dois maiores equívocos nacionais. Um deles em relação aos índios e, o outro, aos caipiras. Não, não falo do direito a terras nem demais desastres acontecidos nos últimos tempos. O que estou propondo é uma reforma linguística. Explico: nas férias em Boraceia, praia onde tem uma aldeia indígena, vi curumins se divertindo no mar num dia de sol. No dia seguinte, choveu. Os indiozinhos não apareceram. Mas um monte de gente, incluindo eu, estava lá se escondendo no guarda-sol, depois de passar mais de 5 horas parado na serra em sua única semana de folga do ano. Que programa de índio! Ou não. Os índios, certamente, acharam algo melhor e mais adequado ao clima para fazer na tribo.

Venho por meio desta implorar para corrigirmos a expressão "programa de índio", pelo amor de tupã. É o erro número 1 do Brasil. O equívoco inicial. Graças a ele, ninguém pode ficar de boa. Um dos primeiros diálogos registrados entre um índio e um europeu deixava isso claro, como Darcy Ribeiro costumava contar. "Vocês devem ter muito tecido na terra de vocês para levar todo esse pau brasil para lá", comentou o índio. "Nós não vamos usar o pau brasil, vamos vender para ganhar dinheiro. Para que tanto dinheiro? Ué, o que não usarmos, deixamos para os filhos". E o índio ficou pensando como era retardado esse filho incapaz de conseguir o próprio alimento.

O português, que tinha passado meses num navio sem tomar banho, considerou problemático o índio, que tava lá tranquilo curtindo sua vidinha "com o que a natureza dá". Sobrepôs sua cultura e, em vez de ficar tranquilão na rede depois de realizar as funções possíveis e necessárias para um dia, hoje temos que viajar para praticar nadismo, um tipo de turismo especializado para o hóspede conseguir ficar sem fazer nada (se não viu, clique, por favor).

Não tem "programa de índio" maior do que os programas de homem branco. Quer dizer, tem, sim. Os programas de homem branco da cidade grande: ficar em fila para pagar caro pela comida em lugares sem graça, usar terno para trabalhar no calor e outros do tipo. E não é que são exatamente essas pessoas que chamam de "caipirice" as coisas do interior?

Façamos uma convenção nacional que corrija também este termo, antes que seja tarde. "Caipira" mesmo, no mau sentido, é chamar perua de foodtruck. Sugiro adotarmos esta reforma, passando o termo pejorativo "caipira" a ter seu sentido contrário: quanto maior fica uma cidade, mais "caipira" ela fica, imitando os modismos das maiores capitais, que já imitam os modismos das metrópoles internacionais. Como diria meu pai, que é caipira de verdade: "tudo caipira do asfalto".

Em tempo, para não deixar a expressão "programa de índio" sub-utilizada, proponho que os linguistas a encaixem como sinônimo do "tá ruim aqui" para legendas de vida boa no instagram. Programa de índio é ficar na rede!

(Com colaboração e quase parceria do Rodrigo Terra, primeiro signatário do abaixo assinado pela causa)
no: http://aspasnatiaspas.blogspot.com.br/2016/01/programa-de-indio.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário