sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Acabaram os "autos de resistência" no Brasil?

A resposta é NÃO. A resolução conjunta do Conselho Superior de Polícia, órgão da Polícia Federal, e do Conselho Nacional dos Chefes da Polícia Civil publicada no Diário Oficial da União muda a nomenclatura do dispositivo jurídico, mas não determina o seu fim. Explicando. 


O "auto de resistência" é um dispositivo jurídico que permite que agentes do Estado possam matar pessoas e essas mortes não sejam consideradas como homicídios, mas um procedimento de autodefesa ou uso proporcional da força em momentos de resistência ou confronto. A imensa maioria dos países capitalistas do mundo tem dispositivos jurídicos semelhantes. Qual é o grande problema no Brasil?

O "auto de resistência" é usado como um mecanismo jurídico que legaliza uma política de extermínio sistêmico praticando por agentes do Estado [burguês] contra segmentos da classe trabalhadora (em especial jovens e negros). Ou seja, os aparelhos repressivos do Estado (polícia civil, militar e científica, ministério público, corregedorias da polícia militar, secretarias de segurança, etc.) agem de uma forma a ENCAIXAR os assassinatos no dispositivo jurídico do "auto de resistência" e assim legalizar o homicídio que deixa - do ponto de vista legal - de ser homicídio (forja de confrontos, falsos laudos periciais, ministério público conservador que acredita mais na versão dos policiais que nos familiares da vítima, etc.).  

Dando um exemplo concreto. Orlando Zaccone no seu livro "Indignos de Vida" (uma obra excelente, diga-se de passagem) demonstra como, no Judiciário, no processo de "apuração" dos "autos de resistência" a "história de vida" da vítima é pesquisada como forma de encontrar um passado criminal, associação com o tráfico de drogas ou até mesmo companhia com "más amizades". O Judiciário usa, inclusive, depoimento dos familiares da vítima para criar esse "passado maldito" e se é "descoberta" qualquer possibilidade de relação com "o crime" a versão policial é dada como verdadeira. Ou seja, o Judiciário não investiga as circunstâncias do assassinato cometido pelo agente do Estado, mas o passado da vítima ou a dinâmica da localidade (a favela é vista como uma área perigosa e os "autos de resistência" cometidos nela são quase que justificados antes de qualquer investigação). Uma série de fatores explica essa postura do Judiciário e como se deve perceber é idealismo achar que isso será transformado sem uma profunda reforma nesse aparato do Estado [burguês]. 

Então o que mudou? A partir de agora a morte de pessoas por agentes do Estado será classificada como ""homicídio decorrente de oposição à ação policial"" e um inquérito policial deve ser aberto com tramitação prioritária. Ou seja, mudou o nome do dispositivo jurídico, mas não sua essência e nem o funcionamento concreto - para além do que diz apenas a legislação - dos aparelhos do Estado que produzem o extermínio sistêmico da classe trabalhadora (lembrando que os aparelhos repressivos do Estado funcionam em relação orgânica com aparelhos privados, como os monopólios de mídia, indispensáveis para legitimar a violência). 

Enfim, a luta contra o extermínio da classe trabalhadora brasileira continua e não tivemos nenhuma grande vitória com essa nova resolução.

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