domingo, 19 de julho de 2015

O fim dos vivos



Eu poderia perfeitamente continuar a falar mal de Cunha, Aécio, Calheiros, Serra, Bolsonaro ou de qualquer outro político destrambelhado porque, como até as jabuticabas sabem, motivos não nos faltam e eu realmente tiro prazer em criticar essa turma. Mas vou ser forte e seguir meu apelo semanal para que tentemos enxergar a situação de um lugar de mais distanciamento em nome da salvação da espécie.
Já não importa mais quem está no comando, importa apenas que consigamos interromper a nociva e crimonosa parceria entre governos e corporações, que é, em resumo, o que vai nos matar; e para que comecemos a mudar o cenário é fundamental sair da mesmice da crítica cotidiana, essa que a mídia corporativa incentiva porque não interessa a ela que enxerguemos que o sistema apodreceu, então é importante manter nossa atenção na briga pequena, entre partidos que fingem ser muito diferentes uns dos outros e, nesse embalo, se entregam a performances que acabam virando um teatro decadente e de horrores.
Semana passada ficamos sabendo que uma série de memorandos internos mostram que a Exxon Mobil, a maior exploradora de petróleo no mundo e uma das corporações mais ponderosas do planeta, sabe há pelo menos 30 anos dos riscos de continuar a furar o solo em busca de combustível fossil. Os riscos envolvem, claro, o fim da humanidade em um período bastante curto de tempo (alguns cientistas falam em duas ou três gerações antes de se esgotarem as possibildades de uma vida minimamente decente no planeta).
Mas, ainda mais grave, a Exxon Mobil não apenas fingiu não saber de nada como pagou muitos e muitos milhões de dólares (contas preliminaries falam em 25 milhões) para os mais variados grupos, universidades entre eles, a fim de que uma mentira fosse contada à população: a de que a exploração do solo não é uma promiscuidade porque a Terra não está aquecendo coisa nenhuma.
Graças a esse tipo de ação, associações como a ALEC (American Legislative Exchange Council) nasceram. A missão é mostrar que o planeta não está passando por uma transformação climática que poderá nos matar.  O ALEC é uma pequena aberração: trata-se de um grupo sustentado por dinheiro de corporações que trabalha fazendo lobby para a criação de legislações que sirvam aos mais endinheirados e ao poder privado para mostrar que eles podem sim continuar a furar o solo e lucrar.
Uma das aberrações do ALEC é um ato que determina que crianças entre o jardim da infância e os 12 anos sejam submetidas a aulas sobre o “não-aquecimento global”, o que nos Estados Unidos é conhecido como “balanced teaching”, ou “ensinamento equilibrado”, mais ou menos como fazem fanáticos religiosos exigindo que escolas ensinem o criacionismo e não apenas o darwinismo.
O resultado é, segundo cientistas, uma completa desconexão entre o que está acontecendo com o planeta e a opinião pública.
A ideia que as corporações esperam que assimilemos é que aquecimento global, se é que ele existe, não é causado pelo homem e é, simplesmente, uma fase do desenvolvimento do planeta. O recado: tudo está sob controle, não há com o que se preocupar, e agora dá licença porque vamos continuar a furar o solo para poder lucrar mais e mais e mais.
Empresas como ALEC também atuam junto à mídia, que é apenas uma outra corporação com os mesmos interesses delas, para que a propaganda correta seja divulgada. Assim, não é raro que vejamos matérias que não apenas negam o aquecimento global – a despeito das provas científicas  – como falam até em “esfriamento global”. Diante de tantas evidências científicas que de estamos caminhando para o abismo, o objetivo de ações como essa não é mais convencer, mas confundir.
E enquanto tudo isso acontece e corporações continuam a determinar o rumo das coisas a Terra sangra e padece. O ritmo de extinção de espécies hoje é maior do que aquele quando um meteoro se chocou com o planeta e acabou com os dinossauros. No hemisfério norte quase já não existem mais abelhas e florestas. Ondas de calor matam cada vez mais pessoas no mundo. A Califórnia está praticamente sem água. As placas de gelo da Groelândia estão quase todas líquidas. A acidez dos oceanos vai acabar com os moluscos em breve. O nível das águas sobe quase três vezes mais rapidamente do que antes.
Apesar de tudo isso, continuamos a ser gado tocado pelas corporações. Nos últimos 30 anos o salário de um CEO nos Estados Unidos subiu 1000% enquanto o do trabalhador normal subiu 10%. Hoje, 67 pessoas possuem a mesma riqueza de 3.5 bilhões de seres humanos. O Bank of America, um dos responsáveis pela crise de 2008 que abala o mundo até hoje, anunciou lucro de U$ 5,3 bilhões (R$ 16 bilhões) para o quadrimestre, o dobro do lucro do ano passado no mesmo período.
E, ironicamente, quem tenta nos dizer que pegamos o rumo errado e alertar para a iminente catástrofe são as poucas populações indígenas que deram um jeito de continuar a existir a despeito de termos tentado exterminá-las a todo o custo.
Sobre isso, acho que sempre vale reler a carta que o Chefe Seattle enviou ao governo Americano em 1855 quando foi sondado para vender as terras de sua tribo.
“Como você pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? A idéia é estranha para nós.
Se nós não somos donos da frescura do ar e do brilho da água, como você pode comprá-los?
Cada parte da Terra é sagrada para o meu povo.
Cada pinha brilhante, cada praia de areia, cada névoa nas florestas escuras, cada inseto transparente, zumbindo, é sagrado na memória e na experiência de meu povo.
A energia que flui pelas árvores traz consigo a memória e a experiência do meu povo.
A energia que flui pelas árvores traz consigo as memórias do homem vermelho.
Os mortos do homem branco se esquecem da sua pátria quando vão caminhar entre as estrelas.
Nossos mortos nunca se esquecem desta bela Terra, pois ela é a mãe do homem vermelho.
Somos parte da Terra e ela é parte de nós.
As flores perfumadas são nossas irmãs, os cervos, o cavalo, a grande águia, estes são nossos irmãos.
Os picos rochosos, as seivas nas campinas, o calor do corpo do pônei, e o homem, todos pertencem à mesma família.
Assim, quando o Grande Chefe em Washington manda dizer que quer comprar nossa terra, ele pede muito de nós.
O Grande Chefe manda dizer que reservará para nós um lugar onde poderemos viver confortavelmente.
Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos.
Então vamos considerar sua oferta de comprar a terra.
Mas não vai ser fácil.
Pois esta terra é sagrada para nós.
A água brilhante que se move nos riachos e rios não é simplesmente água, mas o sangue de nossos ancestrais.
Se vendermos a terra para vocês, vocês devem se lembrar de que ela é o sangue sagrado de nossos ancestrais.
Se nós vendermos a terra para vocês, vocês devem se lembrar de que ela é sagrada, e vocês devem ensinar a seus filhos que ela é sagrada e que cada reflexo do além na água clara dos lagos fala de coisas da vida de meu povo.
O murmúrio da água é a voz do pai de meu pai.
Os rios nossos irmãos saciam nossa sede.
Os rios levam nossas canoas e alimentam nossas crianças.
Se vendermos nossa terra para vocês, vocês devem lembrar-se de ensinar a seus filhos que os rios são irmãos nossos, e de vocês, e consequentemente vocês devem ter para com os rios o mesmo
carinho que têm para com seus irmãos.
Nós sabemos que o homem branco não entende nossas maneiras.
Para ele um pedaço de terra é igual ao outro, pois ele é um estranho que chega à noite e tira da terra tudo o que precisa.
A Terra não é seu irmão, mas seu inimigo e quando ele o vence, segue em frente.
Ele deixa para trás os túmulos de seus pais, e não se importa.
Ele seqüestra a Terra de seus filhos, e não se importa.
O túmulo de seu pai, e o direito de primogenitura de seus filhos são esquecidos.
Ele ameaça sua mãe, a Terra, e seu irmão, do mesmo modo, como coisas que comprou, roubou, vendeu como carneiros ou contas brilhantes.
Seu apetite devorará a Terra e deixará atrás de si apenas um deserto.
Não sei.
Nossas maneiras são diferentes das suas.
A visão de suas cidades aflige os olhos do homem vermelho.
Mas talvez seja porque o homem vermelho é selvagem e não entende.
Não existe lugar tranqüilo nas cidades do homem branco.
Não há onde se possa escutar o abrir das folhas na primavera, ou o ruído das asas de um inseto.
Mas talvez seja porque eu sou um selvagem e não entendo.
A confusão parece servir apenas para insultar os ouvidos.
E o que é a vida se um homem não pode ouvir o choro solitário de um curiango ou as conversas dos sapos, à noite, em volta de uma lagoa.
Sou um homem vermelho e não entendo.
O índio prefere o som macio do vento lançando-se sobre a face do lago, e o cheiro do próprio vento, purificado por uma chuva de meio-dia, ou perfumado pelos pinheiros.
O ar é precioso para o homem vermelho, pois todas as coisas compartilham o mesmo hálito – a fera, a árvore, o homem, todos compartilham o mesmo hálito.
O homem branco parece não perceber o ar que respira.
Como um moribundo há dias esperando a morte, ele é insensível ao mau cheiro.
Mas se vendermos nossa terra, vocês devem se lembrar de que o ar é precioso para nós, que o ar compartilha seus espíritos com toda a vida que ele sustenta.
Mas se vendermos nossa terra, vocês devem mantê-la separada e sagrada, como um lugar onde mesmo o homem branco pode ir para sentir o vento que é adoçado pelas flores da campina.
Assim, vamos considerar sua oferta de comprar nossa terra.
Se resolvermos aceitar, eu imporei uma condição – o homem branco deve tratar os animais desta terra como se fossem seus irmãos.
Sou um selvagem e não entendo de outra forma.
Vi mil búfalos apodrecendo na pradaria, abandonados pelo homem branco que os matou da janela de um trem que passava.
Sou um selvagem e não entendo como o cavalo de ferro que fuma pode se tornar mais importante que o búfalo, que nós só matamos para ficarmos vivos.
O que é o homem sem os animais?
Se todos os animais acabassem, o homem morreria de uma grande solidão do espírito.
Pois tudo o que acontece aos animais, logo acontece ao homem.
Todas as coisas estão ligadas.
Vocês devem ensinar a seus filhos que o chão sob seus pés é as cinzas de nossos avós.
Para que eles respeitem a terra, digam a seus filhos que a Terra é rica com as vidas de nossos parentes.
Ensinem as seus filhos o que ensinamos aos nossos, que a Terra é nossa mãe.
Tudo o que acontece à Terra, acontece aos filhos da Terra.
Se os homens cospem no chão, eles cospem em si mesmos.
Isto nós sabemos – a Terra não pertence ao homem – o homem pertence à Terra.
Isto nós sabemos.
Todas as coisas estão ligadas como o sangue que une uma família.
Todas as coisas estão ligadas.
Tudo o que acontece à Terra – acontece aos filhos da Terra.
O homem não teceu a teia da vida – ele é meramente um fio dela.
O que quer que ele faça à teia, ele faz a si mesmo.
Mesmo o homem branco, cujo Deus anda e fala com ele como de amigo para amigo, não pode ficar isento do destino comum.
Podemos ser irmãos, afinal de contas.
Veremos.
De uma coisa nós sabemos, que o homem branco pode um dia descobrir – nosso Deus é o mesmo Deus.
Vocês podem pensar agora que vocês O possuem como desejam possuir nossa terra, mas vocês não podem fazê-lo.
Ele é Deus do homem, e Sua compaixão é igual tanto para com o homem vermelho quanto para com o branco.
A Terra é preciosa para Ele, e danificar a Terra é acumular desprezo por seu criador.
Os brancos também passarão, talvez antes de todas as outras tribos.
Mas em seu desaparecimento vocês brilharão com intensidade, queimados pela força do Deus que os trouxe a esta terra e para algum propósito especial lhes deu domínio sobre esta terra
e sobre o homem vermelho.
Esse destino é um mistério para nós, pois não entendemos quando os búfalos são mortos, os cavalos selvagens são domados, os recantos secretos da floresta carregados pelo cheiro de muitos homens, e a vista das montanhas maduras manchadas por fios que falam.
Onde está o bosque?
Acabou.
Onde está a águia?
Acabou.
O fim dos vivos e o começo da sobrevivência.”
No http://blogdamilly.com/2015/07/18/o-fim-dos-vivos/

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